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De olho na mídia

De olho na mídia

O mapa dos homicídios: Jovens morrem mais, e mais no interior

Problema já grave nas capitais, violência se espalha pelo país

Por Demétrio Weber

Os 556 municípios brasileiros com maiores taxas de homicídio de jovens, o equivalente a 10% das cidades do país, concentram 81,9% das vítimas de assassinato de 15 a 24 anos. De 1994 a 2004, o número de mortos nessa faixa etária subiu 64,2%, totalizando 175.548 óbitos. É o que mostra estudo divulgado ontem pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). O relatório apresenta dados de criminalidade por município, e mostra o aumento da interiorização da violência. Pela pesquisa, os índices de homicídios estão estagnados nas capitais e nas regiões metropolitanas (crescimento inferior a 1% ao ano), e crescem mais no interior.

O aumento médio de assassinatos de 1999 a 2004, nas capitais e nas principais regiões metropolitanas do país, foi de 0,8% ao ano. No interior, atingiu 5,4% ao ano.

O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo, atribui a interiorização da criminalidade à descentralização econômica, aos investimentos do Fundo Nacional de Segurança Pública nas capitais e à melhoria das estatísticas de violência.

O aumento dos assassinatos de jovens supera o de homicídios na população total. O número de vítimas em todas as faixas etárias saltou de 32.603, em 1994, para 48.374, em 2004, acréscimo de 48,4%. O crescimento populacional foi de 16,5%. Na década, o Brasil teve 476.255 pessoas assassinadas, o que equivale à taxa de 27 óbitos para cada cem mil habitantes — a quarta mais alta entre 84 países pesquisados. Estavam em situação pior do que o Brasil, segundo o estudo, só Colômbia, Rússia e Venezuela.

— Ao contrário da imagem difundida pela mídia, de que a violência está concentrada em alguns focos como Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Pernambuco e Espírito Santo, o mapa mostra que há locais tão ou mais violentos em zonas de fronteira ou cidades pequenas, verdadeiras terras de ninguém, onde o Estado não está presente — disse Julio Jacobo.

Em 2004, quatro de cada dez jovens mortos foram vítimas de assassinato no país. O estudo mostra que o crescimento de homicídios é puxado pela juventude: de 1980 a 2004, a taxa relativa a jovens subiu de 30 para 51,7, enquanto caiu de 21,3 para 20,8 no restante da população.

Nos 556 municípios com maiores taxas de assassinato em todas as faixas etárias viviam 42% dos brasileiros. São municípios de médio e grande porte, e população média de 135 mil habitantes. Os homens são 92,1% das vítimas. A taxa de assassinato de negros superou a de brancos em 73%.

Outro indicador que revela a concentração da violência no país, pelo lado inverso, é a quantidade de cidades sem homicídios. De 2002 a 2004, 1.411 municípios — 25% do total — não registraram nenhum assassinato sequer. Considerada apenas a população jovem, o mesmo ocorreu em 2.885 municípios (51,8%).

O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros reúne dados de 2002 a 2004, do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, cuja fonte são os registros de óbitos. A exemplo do que ocorre no caso das vítimas jovens, as 556 cidades com maiores taxas de homicídio entre todas as idades concentraram 71,8% dos assassinatos no país, em 2004.

Foz do Iguaçu (PR), na região da tríplice fronteira com Paraguai e Argentina, tem a maior taxa de homicídios da juventude, com 223,3 assassinatos para cada cem mil habitantes de 15 a 24 anos, de 2002 a 2004. Já no índice da população em geral, o primeiro é Colniza, município de 12,4 mil habitantes no norte de Mato Grosso.
 

RECIFE É A CAPITAL COM TAXA MAIS ALTA DE JOVENS MORTOS 
 
Na lista dos municípios, Rio é o 43º

BRASÍLIA. No ranking municipal de assassinatos de jovens, o Rio ficou na 43ª posição, com taxa de 131,9 mortes para cada 100 mil habitantes de 15 a 24 anos. Recife aparece em terceiro lugar entre os municípios, com 207,9, sendo a capital mais violenta para a juventude. Itaguaí e Macaé, respectivamente em quarto e quinto lugar no ranking nacional, são os municípios fluminenses com maiores taxas: 187,1 e 187 mortes. No ranking da população total, o Rio aparece na 107ªposição, com taxa de 57,2. As taxas permitem comparações entre cidades maiores e menores, pois relativizam o tamanho da população. As médias municipais consideram dados de três anos para evitar que casos de violência isolados deturpem as estatísticas. Em 2004, o estado do Rio de Janeiro registrou a taxa mais alta de homicídios de jovens do país: 102,8. No mesmo ano, a média nacional ficou em 51,7.

Dos 92 municípios do Rio, 42 estão na lista dos 556 com maiores taxas de assassinatos juvenis, o que corresponde a 45,7% do total. É o maior percentual de cidades por estado. Em segundo, vem Pernambuco, onde 42,2% das cidades fazem parte da lista — 78 num total de 185.

Em novembro, o OEI divulgou o Mapa da Violência 2006, com informações nacionais, por estado, capitais e regiões metropolitanas. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará aparecem com manchas escuras, indicando a concentração de cidades com altos índices de homicídios, juntamente com Rio, São Paulo, Pernambuco, DF e Espírito Santo. Para o secretário de Vigilância em Saúde, Fabiano Pimenta, a liderança de Colniza (MT) pode se explicar porque o município está localizado em área de fronteira agrícola, com disputas de terra.

RIO: MAIS MORTES POR ARMAS DE FOGO 

Estado tem 49 cidades na lista das que têm as maiores taxas

BRASÍLIA. O Rio de Janeiro é proporcionalmente o estado com maior número de municípios entre as 556 cidades brasileiras com maiores taxas de morte por armas de fogo. Dos 92 municípios fluminenses, 53,3% (49) estão na lista. Eles responderam por 97,7% dos óbitos por armas de fogo no estado, em 2004, segundo o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. O estudo mostra que 37.087 pessoas morreram atingidas por tiros naquele ano em todo o país, a maioria (92,1%) em homicídios. As 556 cidades com maiores taxas concentraram 77,2% do total, o equivalente a 28.631 óbitos.

Colniza, em Mato Grosso, é o primeiro do ranking nacional, com taxa média de 131,6 mortes para cada grupo de cem mil habitantes. Itaguaí (RJ) aparece em quarto lugar, com 89,7, a mais alta taxa fluminense. O Rio ficou na 70ª posição, com 50,1. Foram considerados desde homicídios até suicídios, tiros acidentais e disparos sem causas conhecidas.

O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência, diz que as cidades com maiores taxas deveriam ser alvo de novas campanhas do desarmamento. Segundo ele, o recolhimento de revólveres e espingardas ajudou a reduzir o número de homicídios. O total de assassinatos praticados com ou sem arma de fogo caiu de 51.043, em 2003, para 48.374, em 2004, a primeira redução da década.

Entre 1979 e 2003, 550 mil vítimas de armas de fogo no país

Ele defendeu o engajamento das prefeituras e da sociedade para combater a violência. Em outro estudo de 2005 — “Mortes matadas por armas de fogo no Brasil” —, ele concluiu que 550 mil pessoas foram vítimas de armas de fogo entre 1979 e 2003:

— Não é suficiente um estímulo, precisa haver continuidade e mobilização das forças locais.

O estudo compara as taxas de homicídio dos triênios 1997-1999 e 2002-2004. Nos assassinatos de jovens de 15 a 24 anos, o aumento superou 1.000% em oito cidades. A maior expansão ocorreu em Trindade (PE), onde a taxa média de homicídio subiu de 8 mortes por 100 mil habitantes nessa faixa etária para 176,1, uma variação de 2.095%. Em Catu, na Bahia, o salto foi de 1.835%. Considerados os assassinatos em toda a população, Coronel Fabriciano (MG) teve o maior crescimento: a taxa subiu de 0,4 para 13,9, um aumento de 3.869%. Em Medicilândia (PA), o aumento foi de 2.082%.

Para Jacobo, a descentralização do desenvolvimento econômico, os investimentos em segurança pública nas capitais e regiões metropolitanas e a melhoria das estatísticas no país ajudam a explicar o aumento das taxas no interior. Ele sugeriu que os três níveis de governo — federal, estadual e municipal — façam estudos, a partir do Mapa da Violência, para identificar as experiências que deram certo, onde houve redução de taxa, e para dobrar os esforços de contenção da violência, onde ocorreram aumentos no intervalo entre os dois triênios. Ele não arriscou explicação para as cidades cujas taxas subiram. (D.W.) 
 
ITAGUAÍ TEM CADA VEZ MENOS POLICIAIS 
 
E é a quarta com mais mortes de jovens

Marco Antônio Martins - do Extra

Em 9 de abril do ano passado, o jovem Bruno de Souza Machado, de 20 anos, conversava com quatro amigos no bairro do Chaperó, em Itaguaí, quando um carro guiado por um PM parou diante dele e de seus três amigos. Minutos depois vários disparos foram feitos em direção ao grupo. Bruno morreu e a cidade registrou mais um caso de violência. O PM responsável pela morte de Bruno foi preso e aguarda julgamento. No Mapa da Violência, Itaguaí aparece como a quarta cidade do país em que mais jovens são assassinados.

A taxa média é de 187,1 homicídios por cada 100 mil habitantes entre 2002 a 2004. O município é superado no país apenas pelas cidades de Foz do Iguaçu, no Paraná; Serra, no Espírito Santo e Recife, em Pernambuco. Itaguaí tem cerca de 92 mil habitantes. Em 1998, havia 42 policiais civis e 144 PMs. Em dezembro, só 25 policiais civis e 75 PMs.

— São cidades em que o setor público atua pouco porque são distantes — disse Julio Jacobo, que fez a pesquisa.

ÍNDICE DE CRIMES SUPERA O DA ÁREA METROPOLITANA 

Macaé é o 5º município do país em assassinato de jovens de 15 a 24 anos

Explosão da violência acompanhou crescimento econômico puxado por petróleo

Aloysio Balbi

CAMPOS. Com um grande crescimento econômico nos últimos anos, puxado pela indústria do petróleo, Macaé vive também uma explosão de violência, e já é a quinta cidade do país com mais assassinatos de jovens entre 15 e 24 anos. O resultado da pesquisa não surpreendeu o delegado titular da 123ª DP (Macaé), Daniel Bandeira. Ele admite que Macaé passou a ser um território já demarcado pelo tráfico de drogas, ao qual atribuiu 95% dos casos de assassinatos de jovens. Segundo Bandeira, embora a pesquisa tenha sido feita com base em estatísticas de anos anteriores, a situação pode estar se agravando. Somente em janeiro foram registrados 19 homicídios na cidade, a maior parte ligada ao tráfico.

O delegado, que já foi titular de delegacias da Baixada Fluminense, diz que os jovens em Macaé recrutados pelo tráfico de drogas são de origem pobre, que saíram de outras cidades em busca do sonho de um emprego na capital do petróleo. Desqualificados, eles não conseguem vagas no mercado de trabalho e se tornam presas fáceis para os traficantes de drogas.

— O tráfico se mantém com a força da violência para ser respeitado, e uma das formas de ser respeitado é eliminando seus rivais. Aqui não há uma guerra do tráfico com tanta visibilidade como no Rio, mas ela existe, e os jovens que vieram em busca do sonho do bom emprego acabam se envolvendo com essa atividade criminosa e morrendo. Todas essas mortes têm que ser colocadas na conta do tráfico — disse o delegado.

Facções do Rio controlam e disputam pontos na cidade

Bandeira acrescentou que a 123ª DP (Macaé) registra uma média de 25 ocorrências por dia, dos mais variados crimes, o que proporcionalmente chega a ser maior do que delegacias da área metropolitana do Rio.

— Para uma cidade com 180 mil habitantes, o número chega a ser assustador. Temos deficiências que agora estão sendo resolvidas a partir de um entendimento da prefeitura com a Secretaria de Segurança. A polícia precisa de pessoal e infra-estrutura para enfrentarmos esse problema — disse Bandeira.

Facções do Rio controlam o território macaense. A ordem de execuções partem muitas vezes de morros cariocas.

— Em Macaé a barra é mais pesada. A praça interessa aos barões das drogas, e cada ponto rende muito dinheiro. A guerra existe. A maioria dos jovens não é executada por dívidas, e sim por fazer parte de determinados grupos que disputam esses pontos — afirmou um inspetor.

Uma chacina em outubro de 2003, no Morro da Mineira, no Rio, para muitos ilustra essa influência do tráfico carioca. Foram executados seis jovens de Macaé, entre 16 a 25 anos. Iam, numa van, para uma festa, quando se perderam e foram parar na favela. Segundo depoimento do motorista da van, eles chegaram ao morro guiados por um taxista, a quem pagaram R$30 para levá-los à festa. Lá, foram interceptados por traficantes, que executaram, com tiros na cabeça, seis dos passageiros. Os cadáveres foram postos na van pelos bandidos, que ordenaram ao motorista que levasse os corpos de volta a Macaé.

Para ter certeza de que o motorista cumpriria a ordem, mandaram motoqueiros escoltarem a van até Rio Bonito, na BR-101. Muitos acreditam que queriam mandar um recado para Macaé. Os mortos não tinham passagem pela polícia e iriam a uma festa de um grupo rival aos traficantes da Mineira.
 
 

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA DESPREZOU NÚMEROS DA PESQUISA, QUE CHAMOU DE ‘ATITUDE EQUIVOCADA’ 

Foz do Iguaçu tem mais homicídios de jovens

Cidade registra taxa média de 223,3 mortes de pessoas na faixa etária de 15 a 24 anos por cem mil habitantes

Ana Paula de Carvalho - Especial para O GLOBO

CURITIBA. A pesquisa da Organização dos Estados Iberoamericanos revela que Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, é a cidade brasileira com maior índice de homicídios entre jovens entre 15 e 24 anos. Situada na conturbada fronteira com o Paraguai e Argentina, porta de entrada do tráfico de armas e drogas, Foz do Iguaçu registra uma taxa média de 223,3 mortes de jovens por homicídio para cada cem mil habitantes. Os dados do levantamento foram desprezados pelo secretário de Segurança Pública do Paraná, Luiz Fernando Delazari. Em nota oficial, ele considerou os números uma “atitude equivocada” que não contribui para as discussões sobre segurança na fronteira.

“Foz do Iguaçu é uma cidade de tríplice fronteira que diariamente recebe milhares de pessoas de inúmeros locais, fato que, por si só, já a diferencia de qualquer comparação simplista”, disse em nota, esclarecendo que houve aumento do efetivo na região em mais 130 policiais.

Paulo MacDonald Ghisi, prefeito de Foz do Iguaçu, que tem 302 mil habitantes, discorda do governo estadual:

— As polícias Militar e Civil não têm atendido às necessidades da cidade, que mereceria mais investimentos, além de integração com a Guarda Municipal. Hoje, temos menos policiais do que há dez anos.

Segundo o Instituto Médico-Legal (IML) de Foz, de 52 vítimas registradas em 2007, 15 eram jovens que tinham até 18 anos.

Para especialistas, cidade será a mais violenta em 2008

Especialistas dizem que Foz pode se tornar, já em 2008, a cidade mais violenta do Brasil. O alerta parte do coordenador do Núcleo de Pesquisa e Prevenção da Violência (Nuprev), de Foz do Iguaçu, José Elias Aiex Neto.

— Em 2006, a cidade registrou 323 assassinatos para 309 mil habitantes, uma taxa de 104,5 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média brasileira é de 24 homicídios a cada 100 mil habitantes — revela, corroborando os dados da pesquisa ibero-americana.

Aiex Neto, também secretário municipal Antidrogas de Foz, diz que o narcotráfico é a principal causa de morte entre os jovens, já que Foz serve como entreposto de cocaína. Atualmente, a Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu, que abriga 500 presos, possui metade da população carcerária condenada pelo tráfico. Para o estudioso, faltam ações conjuntas entre os governos brasileiro e paraguaio.

— Não basta cortar os pés de maconha. O Paraguai precisa de uma política mais efetiva no combate à droga — critica.

Publicado no Jornal O Globo em 28 de fevereiro de 2007

Mídia perde o foco ao falar da maioridade penal

Após morte do menino João Hélio, maioridade penal é novamente pauta em grandes jornais, porém, a "regra básica" de consultar todos os lados envolvidos no assunto tem sido frequentemente esquecida

As imagens vinham em flashes: o sangue na lataria do carro, a foto do menino, os depoimentos dos pais e da irmã, com um fundo musical que abusava da emotividade. Impossível não se chocar com um crime bárbaro como o cometido no dia sete de fevereiro, que teve como vítima fatal o menino João Hélio Fernandes Vieites, de 6 anos.

Por vários dias o crime esteve em pauta nos jornais de maior circulação. Porém, a exploração da comoção nacional por tal fato foi visível. Tomando como ponto principal a participação de um menor de idade no assalto, a discussão sobre a diminuição da maioridade penal foi retomada por políticos, meios de comunicação e sociedade. A discussão está sendo feita, tendo como pano de fundo as cenas da morte de João. Com o sangue ainda quente, a razão é deixada de lado para dar espaço ao sentimento de revolta.

Enquanto a sociedade era questionada, nas ruas e nos sites, sobre como deveria ser penalizado o adolescente envolvido no crime, as instituições especializadas em juventude foram simplesmente deixadas de lado. Uma enquete promovida pelo Globo Online perguntava: "Você acha que um menor autor de crime bárbaro deve estar sujeito a pena como qualquer adulto?" 88.32% dos votantes responderam que sim.

Mas na pergunta não estava escrito que todo menor autor de crime bárbaro está sujeito a penas legalmente estabelecidas – segundo a Lei 8069/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os autores de ato infracional são submetidos a julgamento pelo Poder Judiciário. A diferença está na penalidade, pois pessoas adultas vão para instituições carcerárias e crianças e adolescentes são expostas a medidas sócio-educativas e podem ter pena de reclusão em instituições sócio-educativas (como a FEBEM).

Uma das manchetes dos jornais O Globo, O Globo Online e CBN, no dia seguinte ao latrocínio (roubo seguido de morte) que terminou na morte de João, dizia: "Menor envolvido na morte de menino ficará preso por no máximo três anos". No artigo o jornalista afirma que o ECA "reforça a sensação de impunidade". A família é citada inúmeras vezes, assim como a polícia. Entretanto, autoridades do assunto, mais uma vez, não são nem mesmo mencionadas.

Instituições ligadas à juventude são contra mudança nas leis

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), principal órgão do sistema de garantias dos direitos da infância e juventude do país afirmou em carta que é contra as mudanças de lei propostas. Entre outros dados, ressalta que "segundo pesquisas já realizadas sobre a reincidência criminal, as taxas de reincidentes que cumpriram pena nas penitenciárias ultrapassam 60%, enquanto no sistema sócio-educativo se situam abaixo de 20%".

O CONANDA, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos e a Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores Públicos elaboraram um projeto de lei para a implementação do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo (SINASE). Segundo as entidades este seria um sistema adequado para que se cumpram as medidas já definidas por lei, considerando, por exemplo, padrão arquitetônico, projeto político pedagógico das unidades de internação e responsabilidade de prever recursos no orçamento da União, dos Estados e Municípios, sem deixar de lado as diferenças (não só etárias, como psicológicas) entre jovens e adultos.

Publicado no jornal Fazendo Media 

Sobre crianças mortas e adolescentes amaldiçoados

A morte do menino João, arrastado por vários quilômetros pendurado em um automóvel, foi trágica. Tragédia maior é ter servido para que a grande mídia voltasse atacar os direitos de crianças e adolescentes

No dia 7 de fevereiro passado, o menino João Hélio, de 6 anos, morreu de forma terrível. Ele foi arrastado por vários quilômetros, preso pelo cinto de segurança ao automóvel de sua mãe, que havia sido roubado por jovens. Um deles, era menor de idade. Mais detalhes, muitos detalhes, estão em toda grande imprensa dos dias que se seguiram.

Um crime assim pode levar muitos socialistas e pessoas de esquerda a duvidarem de suas certezas. Mas, a reação dos conservadores de sempre, com seu ódio à espécie humana, ajudam a recolocar as melhores convicções de justiça social em seus lugares.

O caso invadiu a grande mídia, principalmente sua parte jornalística. As manchetes não poderiam ser menos apelativas. Algumas até exigindo justiça com as próprias mãos. Mas, mesmo os veículos que fazem questão de manter a pose de moderação e racionalidade não escondiam o desejo de atingir um único alvo: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mais especialmente, o artigo que impede de responsabilizar criminalmente jovens com menos de 18 anos.

É verdade que muitos deles entrevistam especialistas que defendem a manutenção do ECA. Mas, não se trata disso. O problema principal é por que a discussão de um crime como esse, por mais terrível que seja, precisa ter como réu principal o ECA? Afinal, existem muito outros elementos a serem debatidos num caso assim. Os jornais falaram em ausência de policiamento no local. É só comparar com o policiamento nas áreas nobres da zona sul da cidade. Bairros como Leblon e Ipanema estão entra os mais policiados do mundo. Dificilmente uma situação dessas ocorreria lá com o mesmo resultado assustador. Por outro lado, não se discutem as razões por que a maioria dos envolvidos em crimes desse tipo são jovens negros e pobres. Ao contrário, isso é dado como natural. É pobre, é negro, é criminoso. Esta é a linha de raciocínio que impera no tratamento da grande imprensa sobre a violência urbana. Se alguns jornalistas não afirmam tal coisa, seu silêncio sobre a situação dos bairros pobres das grandes cidades é suficiente para deixar que a emocionada reação popular o faça.

Falando em emoção, esta é o que não falta na abordagem feita pela grande mídia. Se é justificável que pessoas comuns se emocionem, se revoltem, em casos assim, jornalistas, colunistas e outras pessoas remuneradas para trabalhar com informação não deveriam fazer o mesmo. O Jornal do Brasil, por exemplo, chegou a estampar as fotos de acusados pelo crime, perguntando: “O que eles merecem?” Não é difícil imaginar o autor da manchete com os dentes cerrados e as veias do pescoço saltando de raiva. Mas não é só isso. O capítulo do dia 9 de fevereiro de “Páginas da Vida” mostrou três freiras lendo a notícia e caindo de joelhos, para, em prantos, rezarem um “padre-nosso” e uma “ave-maria”. Num clima assim, não é difícil que se noticie em breve um linchamento em alguma parte da cidade e que tenha negros pobres como vítimas.

Outra afirmação bastante repetida pela grande mídia e por muitos especialistas que ela entrevista é a de que a existência do ECA deixa impune aqueles que cometem mais crimes. Esta afirmação dificilmente é contestada. No entanto, ela é falsa. É só fazer o que a grande mídia faz toda hora com outras informações, como o índice da inflação, os juros e a cotação do dólar. Olhar para os dados.

Em 2002, pesquisa feita em prontuários de internos da Febem, de São Paulo, mostrou que os crimes contra o patrimônio, como roubos e furtos, são a grande maioria. Eram 71,4%. Ainda em 2002, temos as pesquisas feita por Ilanud/SP, UNICEF e Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça. Elas dizem que os adolescentes infratores são responsáveis por apenas 10% dos crimes cometidos no Brasil. E mais: de cada 100.000 adolescentes, só 2,7 são infratores, enquanto, em cada 100.000 adultos, 87 são infratores (Artigo “Apostando no pior”, de Julita Lemgruber, n´O Globo de 18 de março de 2002).

Em julho de 2005, a revista Fórum publicou dados da Frente Parlamentar pela Criança e Adolescente, da Câmara dos Deputados. E eles dizem que apenas 10% dos delitos envolvem jovens menores de 18 anos. Destes, cerca de 73% são infrações contra o patrimônio, enquanto apenas menos de 2% são crimes contra a vida.

Mas, aceitemos o debate sobre o ECA como o principal. A grande maioria das argumentações vai no sentido de que o Estatuto impede a punição de criminosos menores de 18 anos. Em primeiro lugar, tais argumentações fazem supor que o ECA vem sendo aplicado integralmente. No entanto, isso não é verdade. O Estatuto prevê, por exemplo, a garantia de escola, lazer, informação e cultura para todas as crianças e jovens, entre outras medidas de caráter preventivo, e não repressivo. É possível afirmar que isso vem sendo cumprido em alguma grande ou média cidade brasileira? Claro que não.

Por outro lado, não é verdade que o ECA não preveja a detenção de menores. Para casos mais graves, é possível manter o infrator em reclusão por até três anos. Claro que esse período de internação serve para tentar recuperar o infrator e não para fazê-lo passar por castigos pretensamente equivalentes a suas maldades, como querem muitos redatores de manchetes jornalísticas. Mas, de resto, todo o sistema de prisões tem esse objetivo. O fato de que não funcione assim, mas só piore a situação dos detentos mostra que apenas aumentar o lado repressivo do ECA não é solução. Significa continuar apostando nas unidades do tipo Febem, que transformam jovens ladrões em especialistas em violência, com dependência de drogas e bons recrutas para o crime organizado.

A morte do menino foi trágica. Tragédia maior é ter servido para que a grande mídia voltasse á ofensiva contra os direitos de crianças e adolescentes. Certamente, muitos de seus gerentes esperam mais alguns episódios parecidos para continuar amaldiçoando o futuro da juventude pobre e negra do País.

Publicado na página http://www.midiavigiada.kit.net/ em fevereiro de 2007

Leia também: Redução da maioridade penal

Gestores buscam capilarização das políticas da área

Em encontro realizado esta semana, representantes de governos municipais, estaduais e federal definiram estratégias para aumentar número de órgãos específicos para tratar do tema e incluir os jovens no processo

BRASÍLIA - Em meados de 2005, o governo federal inovou ao criar, para a área da juventude, uma secretaria e um conselho nacional. A medida foi um reflexo da recente ascensão do tema na esfera do poder público, que nos últimos dez anos vem acompanhando o fortalecimento da visão do jovem como segmento sujeito de direitos e necessitado de políticas públicas para garanti-los. Para além da consolidação das instâncias no âmbito federal, reivindicação expressa em carta enviada a Lula no final de 2006, aparece como demanda dos defensores das políticas públicas de juventude o fortalecimento da execução deste tipo de conjunto de programas também nas esferas estadual e municipal.

Foi pra debater esta questão que mais de 240 gestores de órgãos e espaços institucionais dos três níveis da federação se reuniram esta semana em Brasília para o Encontro Nacional de Gestores em Políticas Públicas de Juventude. O evento foi o retrato do campo hoje no Brasil, marcado por uma abrangência cada vez maior e pela diversidade das formas de espaços institucionais voltadas ao tema. Estiveram presentes representantes de poder público de 25 unidades da federação dos mais diferentes tipos de espaços, variando entre secretarias somente para o tema, órgãos em que o tema está vinculado a outro (como juventude e esporte ou juventude e cultura) e assessorias que contam com número muito reduzido de gestores.

“Há um desnível forte, desde onde não existe nada ou é muito incipiente até aqueles que já têm boa estrutura”, conta Adriano Pires, coordenador da área de juventude do município de São Leopoldo (RS).

Até o ano passado, havia notícia da existência de 14 espaços institucionais em governos estaduais. Nesta gestão, já foi comunicada a criação de órgãos nos governos da Paraíba e Pernambuco. Para incentivar a criação de mais órgãos, os atuais pretendem, até o final do ano, formar uma rede que dê visibilidade às experiências existentes. Uma das apostas para ampliar o número de espaços é a organização, neste ano, de um processo de conferências municipais, estaduais e nacional que discutam e aprovem diretrizes para a política de juventude nos três âmbitos da federação. Uma das consequências da realização destes eventos seria a pressão frente aos governos para a criação de órgãos voltados ao segmento.

Para além da ampliação, os gestores se preocupam em fortalecer os espaços já existentes. Para isso, um dos desafios é trabalhar com a necessidade de qualificação da gestão pública frente à expansão rápida destes espaços. “Pelo fato do governo ter criado secretaria, conselho, isso acabou motivando vários estados, municípios. Mas percebemos nas viagens e em atividades que, como este é um tema muito recente, há gestores que têm pouca experiência de gestão pública”, analisa o secretário nacional de Juventude, Beto Cury. Frente a este quadro, uma das resoluções do encontro foi ampliar o nível de informação, a formação e a capacitação dos gestores sobre o diagnóstico deste segmento no país e o conjunto de políticas em curso que influem direta ou indiretamente na juventude. Para isso será realizado curso em Brasília com duração de um ano com noções de orçamento e gestão integrada de políticas públicas.

Este último tema constitui um segundo desafio identificado pelos gestores: como atuar menos como o executor de todas as políticas para o segmento e mais como articulador dos programas existentes em outras pastas de uma administração. “Não é bom trazer tudo da juventude para o espaço, pois este deve ser o responsável por articular o conjunto de programas. Se deixar concentrado não vai ter orçamento suficiente para atender à demanda”, explica Beto Cury. “Temos de fazer com que haja política intersetorial, pois, na verdade, as políticas de Juventude passam por diversos campos das políticas públicas”, acrescenta Nelsinho Santos, coordenador de Juventude da Prefeitura de Belo Horizonte e coordenador da Rede de Gestores Estaduais e Municipais em Políticas de Juventude.

Para isso, Beto Cury afirma que é necessário conquistar espaço junto aos núcleos das administrações. “É essencial que o secretário ou coordenador esteja empoderado pelo chefe do poder executivo para discutir com as diversas áreas de governo a implantação de programas voltados para a juventude”, aponta.

Mas, para os presentes, não adianta fortalecer os órgãos em si se não houver uma abertura das políticas às representações juvenis. “Precisamos fazer com que toda vez que a prefeitura venha prestar projeto de juventude ela tenha que consultar o jovem. Temos que fazer com que o governo pense que políticas de Juventude sejam feitas para e com a juventude”, defende Nelsinho Santos. “Quando se pensar na execução da política, deve-se pensar em construir isso com jovens e outros atores sociais que possam contribuir”, completa Adriano Pires.

No entanto, para o coordenador de Juventude de São Leopoldo, é preciso ir além do fortalecimento dos órgãos governamentais e da criação de conselhos, e transformar as políticas no âmbito do executivo em políticas de Estado. Neste sentido, os gestores saíram do encontro mobilizados para intervir no processo de votação do Plano Nacional de Juventude pelo Congresso. O plano vai estabelecer um marco legal em relação às políticas do setor e estabelecerá metas pra os dez anos seguintes à sua aprovação. “Ele vai mudar o caráter das políticas não ficarem reféns dos governos, dependendo só da vontade política dos governantes; mas que elas sejam um compromisso do Estado brasileiro para com a juventude”, diz Adriano Pires.

No alvo do flagelo social
De 1940 ao ano 2000, o número de jovens de 15 a 24 anos pulou de 8,2 milhões para 34 milhões, correspondendo hoje a 20% da população total, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se considerada a faixa de 15 a 29 anos (adotada em vários países e nas discussões do plano nacional) são 48 milhões de jovens, 28% da população brasileira. A preocupação não está só na representatividade numérica, mas nas condições desta população. Segundo o censo do IBGE de 2000, 40% dos jovens brasileiros vivem em famílias sem rendimento ou com até meio salário mínimo. Essa parcela compõe nada menos que 50% dos desempregados no país. Na área da educação, 8 milhões de adolescentes têm baixa escolaridade (com cinco anos de atraso na relação série/idade) e 3,3 milhões não freqüentam a escola.

Hoje, existem cerca de 20 programas que têm como público principal a juventude, como é o caso do Projovem, Soldado Cidadão, Projeto Rondom, Segundo Tempo e Consórcios Sociais da Juventude. Estas diversas ações movimentam um orçamento nada modesto que, somado, chega a R$ 1 bilhão.

Publicado na Agência Carta Maior em 09 de fevereiro de 2007

Violência é o que mais mata mulheres em Recife

Assassinatos por arma de fogo, facadas e espancamentos somam 11,11 por cem mil, dobro da média nacional

Por Letícia Lins

RECIFE. Os homicídios já são a principal causa de morte das mulheres em idade reprodutiva em Recife. É essa a conclusão de um estudo feito com base em dados da Secretaria de Saúde da cidade, analisados pelo médico Glaucius Cassiano Nascimento em sua tese de mestrado na Faculdade de Medicina da Universidade de Pernambuco.

Mortes por arma de fogo, facadas ou espancamentos de adolescentes e adultas somam 11,11 por cada grupo de cem mil mulheres. O pesquisador analisou 5.165 atestados de óbitos de mulheres com idades entre 10 e 49 anos abrangendo 84 meses, de 1997 a 2004. A taxa é o dobro da média nacional: no país, a estimativa é de que 5,6 mulheres são assassinadas para cada grupo de cem mil.

Até o início da década passada os assassinatos ocupavam o terceiro lugar nos obituários de mulheres da mesma faixa etária. Derrames e infartos eram as causas de morte mais comuns, situação que se inverte no fim dos anos 90, quando a violência de gênero explodiu no estado.

O estudo de Nascimento mostra que os homicídios são 8,54% da mortalidade por causas específicas das mulheres, à frente das doenças cerebrovasculares (7,55%), dos infartos (6,43%), do câncer de mama (5,07%) e de doenças virais, como a Aids (5%). De acordo com o estudo, os homicídios ocorreram por armas de fogo (81,80%), objeto cortante ou penetrante (8,39%), enforcamento, estrangulamento ou sufocação (3,85%).

Cresce também número de assassinatos de meninas

Os dados não surpreenderam o Fórum de Mulheres de Pernambuco e entidades feministas. Nas vigílias que fazem todos os meses nas ruas de Recife pelo fim da violência, elas assinalam com placas e cruzes o número de mulheres mortas a cada mês: só em janeiro foram 27. No ano passado, 319 mulheres foram assassinadas em Pernambuco, contra 274 em 2005, 263 em 2004 e 247 em 2003. A diretora do Departamento de Polícia da Mulher, Verônica Azevedo, anunciou um mutirão para investigar os 36 assassinatos das mulheres de 2007 e agilizar os inquéritos que se acumulam.

As mulheres do Fórum reclamam que a impunidade é grande mesmo com a Lei Maria da Penha, que impõe penas mais severas aos agressores. Segundo Eleonora Pereira, uma das coordenadoras do Fórum, as altas taxas de assassinatos divulgadas no fim do ano passado pela Diretoria de Polícia da Mulher escondem outro número dramático: o de meninas mortas.

Entre as 319 vítimas fatais de 2006, 32 tinham até 15 anos. Em 2007, já foram quatro as adolescentes assassinadas, e pelo menos 26 garotas desapareceram no estado. Sete entidades publicaram um cartaz com 16 fotos de crianças e adolescentes desaparecidos: nove meninas e sete meninos. Dos garotos, só um não apareceu. As meninas permanecem sumidas. As autoridades temem que elas tenham tido o mesmo destino de três garotas desaparecidas, que foram encontradas mortas.

Foi o caso de Sabrina Hellen Martins Pereira, de 13 anos, assassinada pelo garçom Anderson Bezerra da Rocha, de 24. Ele a seqüestrou e estuprou porque a menina não correspondia a seu assédio. Localizado pela comunidade, ele foi entregue à polícia. Outra história recente de sumiço foi a de Amanda Beatriz de Oliveira, de 16 anos, estuprada, espancada e morta por Geison Duarte da Silva, de 20. Geison foi denunciado à polícia pela mãe e está preso em Recife.

O governo de Pernambuco criou uma Secretaria da Mulher e diz que a investigação dos crimes é prioridade, e afirma que o combate à violência de gênero vai ser um dos eixos da política de segurança que está sendo construída para o estado.

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Ameaçadas sem defesa

‘Sentia o sangue quente escorrendo pelo rosto e um frio de medo de morrer por dentro’

RECIFE. “Ele só faltou me matar. Tentou me estrangular, eu sentia o sangue quente escorrendo pelo rosto e um frio de medo de morrer por dentro. Sofri calada para não acordar o meu filho, porque se ele acordasse meu ex-companheiro o mataria.”

Francinete Conceição Sobrinho, de 44 anos, conta que passou a apanhar depois que ela disse que não o queria mais.

— Vi a morte. Ele disse que ia me matar, mas que primeiro ia me deformar. Vivi com um monstro em figura de gente.

Ela ficou com o rosto inchado e hematomas nos olhos e teve um dente quebrado, que na última terça-feira levou ao IML, onde fez exame de corpo de delito. Pela Lei Maria da Penha, a própria polícia deveria tê-la encaminhado ao IML. O agressor, Rubenigle Rivaldo da Silva, de 26, está solto. O delegado Isaac Ribeiro disse que recebe 15 queixas por dia. Apesar da Lei Maria da Penha, o delegado disse por que não pediu a prisão do acusado:

— O crime é de pequena monta para a nossa lei, porque não se vislumbra tentativa de homicídio, mas lesão corporal.

Nesse caso, para Francinete, deve haver um equívoco:

— A lei está muito errada. O criminoso fica solto e eu, marcada para morrer a qualquer momento.

Enquanto isso, a família de Ketty Santos, técnica em enfermagem, cumpre o mesmo ritual todo fim de mês, na vigília pelo fim da violência contra a mulher. A mãe, Osana Santos, não se conforma com o assassinato da filha no portão de casa. Ketty criava o filho de um relacionamento já encerrado. O ex-sogro, Adalberto Pereira de Lima, não admitia que o neto fosse criado pela ex-nora. Um dia Adalberto sacou uma arma e disparou contra Ketty, que morreu na hora, na frente do filho. O assassino foi preso, mas seu desejo foi consumado: o pai ganhou a guarda do menino e ainda recebe a pensão do filho, deixada pela vítima.

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No hospital universitário, vítimas de maus-tratos e coação psicológica

‘Quando chegam no consultório, elas já estão em situação extrema’

RECIFE. Outro tipo de violência mata devagar as mulheres pernambucanas: maus-tratos, coação física e psicológica, ameaças. Nas quatro delegacias da mulher da Região Metropolitana foram registradas 7.959 queixas no ano passado. O problema passa muitas vezes longe da polícia e chega aos ambulatórios psiquiátricos dos hospitais públicos. O professor do departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco João Ricardo Mendes de Oliveira diz que a violência doméstica responde por 30% do total de casos atendidos no departamento de psiquiatria do Hospital das Clínicas.

— Recebemos mulheres em torno dos 40 anos. O tratamento é paliativo. O problema é mais grave e não se resolve só com psicoterapia e remédio, porque extrapola os limites do consultório. Essas mulheres precisam de assistência jurídica, apoio moral. Quando chegam no consultório, elas já estão em situação extrema, sofreram por mais de dez anos. Têm com depressão, ansiedade, sintomas de pânico.

Álcool, presente no sangue da maioria dos agressores

Ele atribui ao álcool uma das principais causas da violência doméstica e sugere campanhas preventivas para reduzir o consumo. Levantamento do Departamento de Polícia da Mulher indica que o maior movimento nas delegacias de mulheres ocorre nos fins de semana, quando o álcool é mais consumido. Cerca de 63,51% dos maridos agressores espancam as companheiras entre o sábado e a segunda-feira. E 37% dos assassinos estavam alcoolizados no momento do crime.

X., de 52 anos, mesmo separada, não conseguiu se livrar do pesadelo que lhe impôs o ex-companheiro, com o qual conviveu por dez anos. Ele a espancava tanto que provocou três abortos com socos na sua barriga. Ela também teve uma perna e um braço quebrados, e o pescoço já precisou ser imobilizado devido às surras. E teve um tumor no baixo ventre atribuído pelos médicos às pancadas. Operou-se para tirar um mioma, mas foi surpreendida em casa no pós operatório pelo ex-marido. Ele a estuprou, obrigou-a a fazer sexo anal, e a espancou.

Enquanto relatava o seu drama, X. chorou cinco vezes. Tem gastrite, dor permanente no ventre, nos órgãos sexuais, depressão, ansiedade e sintomas de pânico. O marido já foi denunciado por estupro à polícia, mas continua solto e a persegue, inclusive nas consultas no Hospital das Clínicas da UFPE. Uma vez o ex-marido, que é biomédico, a agrediu no seu próprio trabalho, um hospital público. Ela foi chamar o plantão policial do hospital, mas os colegas dele não deixaram.

— Disseram que se eu o denunciasse, ele seria preso. Hoje tenho medo de morrer.

O agressor está solto. Ele é faixa-preta de judô e dizia que sabia onde agredi-la. Ela descobriu que, sempre que a espancava, ele saía para fazer sexo com homens, embora também tivesse amantes do sexo feminino.

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‘Pelo menos as delegadas estão cumprindo a lei’

A cearense Maria da Penha, que inspirou legislação contra violência, lutou para ver o marido atrás das grades

A lei Maria da Penha não pôs fim à luta da cearense que lhe deu nome. Aos 61 anos, Penha lutou para ver o ex-marido, condenado a dez anos e seis meses de prisão, ser preso quando faltavam seis meses para prescrever a pena. Penha ficou paraplégica por causa dos tiros disparados por seu marido.

Por Isabela Martin

Qual sua sensação ao ver promulgada a lei?

MARIA DA PENHA: Ninguém pode mais falar que é vítima da violência por falta de equipamentos legais. Às vezes a mulher precisa de tratamento para melhorar a auto-estima. Pelo menos as delegadas estão cumprindo a lei. Na última segunda-feira, nove mulheres deixaram de sofrer porque nove homens foram presos em flagrante.

A violência contra a mulher não cessa. Há outros fatores?

MARIA DA PENHA: Há a história de a pessoa ter sempre convivido em ambiente de violência e achar natural. O homem sempre acha que é dono da mulher. Contribuía o fato de ninguém ser preso por bater em mulher, e agora está sendo preso. O homem está percebendo que a lei veio para punir o agressor.

O que dificulta o rompimento da mulher com o agressor?

MARIA DA PENHA: Quando os filhos não são vítimas de violência, e ela vê seus filhos bem amparados, não quer romper o vínculo. Quando os filhos são agredidos, é mais fácil sair. Ela quer que ele mude e acredita nele. A pessoa dá uma chance achando que ele vai se recuperar.

O que foi mais difícil para a senhora?

MARIA DA PENHA: Foi o medo de não sobreviver porque meu estado era muito grave, e deixar meus filhos com ele. Isso foi o que mais me maltratou. 
 
‘Falta criar a vara especial para julgar os casos’

Em 1994, a senhora escreveu o livro "Sobrevivi, posso contar". O que faltou dizer?

MARIA DA PENHA: Vou contar agora na segunda edição.

O que mais lhe deu força?

MARIA DA PENHA: Saber que a Justiça não funcionava. Eu estava com muita dificuldade de sobrevivência. Minha família ajudava. Cada um pagava o colégio. Fui submetida a cirurgias. Em 1996, finalmente ele foi julgado pela segunda vez. Em 1997, contactamos a OEA (Organização dos Estados Americanos). Em 2001, o Brasil foi condenado, os movimentos e a pressão fizeram com que ele fosse preso.

Agora que a lei foi criada, qual a sua luta?

MARIA DA PENHA: A luta maior não é para divulgar a lei, e sim implementá-la, o que ainda não aconteceu. As coisas estão sendo cobradas. Falta realmente criar a vara especial para julgar os casos de violência contra a mulher, que hoje estão sendo julgados nas varas criminais, e também a capacitação dos operadores da lei.

Publicado no Jornal O Globo em 11 de fevereiro de 2007

Mudança no Fundeb preocupa ONGs

O Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) deve ser alterado pelo Congresso Nacional. A contagem preliminar de emendas à Medida Provisória 339/2006 que regulamenta o fundo aponta mais de 100 sugestões de mudanças apresentadas pelos parlamentares

O prazo para apresentação de emendas terminou na última quarta-feira e o número oficial será conhecido hoje. O grande número de alterações propostas preocupa as entidades ligadas aos direitos de crianças e adolescentes. O Fundeb é um fundo formado por impostos estaduais, municipais e recursos na União para financiar o ensino básico.

“Temos medo que o governo aja como um rolo compressor e não permita um debate qualificado. O fato da composição da comissão que analisa medidas provisórias não ser especialista no tema agrava esse temor devido a uma triste tradição estabelecida no Congresso Nacional: há anos as comissões são meramente formais e não realizam suas sessões, levando as matérias de que tratam diretamente aos plenários da Câmara e do Senado”, afirma Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Vamos ter que brigar para que os avanços conseguidos com a lei não se percam no meio da batalha de interesses.”

A ONG se juntou a outras entidades ligadas ao setor como Ação Educativa, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente para apresentar as emendas dos movimentos sociais. A sociedade quer incorporar no texto pontos que sofreram com a intervenção da equipe econômica durante as discussões e a tramitação da proposta de emenda à Constituição no ano passado. Ao todo, foram elaborados 13 grupos de emendas.

Sem limites
A maioria das sugestões diz respeito à garantia de recursos para os níveis de ensino historicamente marginalizados. Uma das emendas defende, por exemplo, a retirada do limite de 10% dos recursos no fundo do financiamento da educação de jovens e adultos. “Dado o baixíssimo índice de eficácia do sistema educacional brasileiro e a dívida histórica com esse setor, não é adequado estabelecer limitação ao financiamento. É dever do Estado atender os jovens e adultos com qualidade”, aponta o texto da justificativa.

Ex-ministro da Educação, o deputado Paulo Renato de Souza (PSDB-SP) também apresentou emendas. A principal é a que a trata do percentual de aplicação do fundo segundo o nível de ensino. A definição deve ser por meio de lei e não pela junta formada pelo MEC e conselhos de secretários estaduais e municipais de educação, como quer o governo. “Isso é inconstitucional”, reclama.

Outra emenda do PSDB prevê a correção dos pisos de investimento em educação pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O partido também sugere que a complementação da União seja calculada separadamente para cada uma das modalidades de ensino — creche, ensinos fundamental e médio e educação para jovens e adultos. Segundo a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO), que integrou a comissão sobre a PEC do Fundeb, esse cálculo visa preservar o valor mínimo de qualidade para cada uma das etapas de ensino.

Publicado no Correio Brasiliense em 09 de fevereiro de 2007

Entrevista Saida Ali

Saida Ali, de 30 anos, é uma feminista do Quênia e se destacou nessa edição do FSM por defender uma maior inclusão de jovens na luta feminista: “as vozes das gerações mais novas que se assumem feministas são poucas e não costumam ser escutadas”

Campanha pela Desinternação e não Internação Ilegal no Sistema FEBEM

A reportagem traz uma entrevista com o coordenador do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo, Givanildo Silva sobre o desrespeito da Febem às determinações do ECA e sobre a campanha pelo fim do sistema


Desde a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, a situação das unidades de internação para adolescentes autores de ato  infracional não se alterou. Mesmo com todas as evidências de que o  modelo FEBEM está esgotado, governo, parlamentares, juizes e grande parte da sociedade ainda não compreenderam a importância de superá- lo.

   

Há mais de 16 anos organizações da sociedade civil apresentam  alternativas, sem que sejam acatadas ou mesmo ouvidas com seriedade.  Apesar da grande mídia não oferecer a cobertura adequada, o  agravamento das violações de direitos humanos dentro da FEBEM tem  sido identificado através da publicação de inúmeros relatórios e  decisões judiciais.

  

Em 2006, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil/OAB Federal e o Conselho Federal de Psicologia/CFP apontaram  a gravidade da situação ao realizarem inspeções às unidades de internação, mas nada mudou.

   

Está amplamente demonstrado que a medida de internação se dá em condições inadequadas, ferindo a Constituição, os tratados  internacionais dos quais o Brasil é signatário, as leis em vigor no  país e, o mais grave, a dignidade e a vida dos jovens internados.

 

Em 1999 o jornal francês Liberación comentou imagens mundialmente  difundidas de situações de maus tratos em unidades de internação  afirmando que o Brasil é o último país que ainda mantém campo de concentração.

   

É pensando em como reverter tal quadro de perversidade, que o Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo está lançando uma campanha nacional pela não internação ilegal e desinternação dos adolescentes no sistema FEBEM. Para esclarecer sobre a campanha, entrevistamos Givanildo Silva, Coordenador do Fórum.
  
ENTREVISTA

 

Porque uma campanha com esse caráter? Desinternação e Não Internação Ilegal de adolescentes no Sistema FEBEM?

 

A instituição para atendimento de adolescentes que cometem ato infracional está ilegal desde 1990. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 259, parágrafo único, determinou que a União, Estados e Municípios teriam 90 dias, a contar da promulgação da lei, para criarem ou adaptarem seus órgãos às diretrizes da política de atendimento estabelecida. A FEBEM, porém, não respeita as diretrizes do ECA. Existe ainda no Brasil uma cultura menorista, fruto da legislação anterior (Código de Menores), que trata a criança e o adolescente pobre, filhos da classe trabalhadora ou excluída, como caso de polícia ou de justiça. O judiciário não respeita o princípio da excepcionalidade e da brevidade da medida de internação. Muitas vezes aplica internação aos jovens por considerar precárias as medidas sócioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade).É de responsabilidade do Poder Executivo investir na qualidade das medidas em meio aberto e garantir aos jovens serviços de proteção eficientes para que seus direitos fundamentais não sejam ameaçados ou violados. É o Poder Executivo que deve ser responsabilizado por  sua falta. A aplicação das medidas de internação se dá com base em uma idéia  equivocada, propagada por alguns meios de comunicação, de que a juventude é a principal causadora do aumento da violência. Pesquisa do próprio Poder Judiciário aponta que os "crimes" cometidos pelos adolescentes representam cerca de 1% dos cometidos por adultos. Essa distorção leva à internação ilegal, que é a situação de 80% dos adolescentes que estão no sistema de internação em todo o país, causando assim uma grave violação dos direitos dos adolescentes e comprometendo definitivamente a vida desses meninos e meninas. Por isso, a campanha tem o objetivo de alertar a sociedade de que os responsáveis pelo atual quadro do sistema de internação são em primeiro lugar o governo, que não respeita as condições de atendimento aos adolescentes e não cria as políticas necessárias para que o processo educativo ocorra em meio aberto; em segundo o poder judiciário, que tem punido os jovens duplamente, por interná- los sem que seja essa a medida adequada e em instituições que ilegais; e em terceiro a sociedade, que não tem olhar crítico suficiente para filtrar as informações da mídia, aceita as imagens em cima dos muros e não se importa com o que acontece dentro dos  muros, omitindo-se à situação dos adolescentes.

  

O ex-Governador do Estado de São Paulo(Cláudio Lembo) enviou um projeto de lei que muda o nome da FEBEM para CASA, com isso o objetivo da campanha se esgota?

  

Não, na verdade se fortalece. Quando defendemos o fim da FEBEM, reivindicamos a mudança do modelo, não a simples mudança de nome. É preciso alterar a estrutura e a cultura institucional, desde a arquitetura até a forma como o governo, o poder judiciário, os profissionais envolvidos no atendimento e o povo pensam essa instituição. Sem duvida, o maior entrave nessa mudança são os poderes executivos e o judiciário. A proposta de arquitetura apresentada pelo governo para as novas unidades é inadequada, insegura e se traduz como parte de uma  política antiga, que reflete o sistema prisional e coloca ainda mais em risco a vida dos adolescentes. O governo já construiu algumas,  As novas unidades e o modelo implementado não foram discutidos com a  sociedade, processo fundamental para uma mudança efetiva. Quando  muito, o governo tem repassado a gestão das unidades para ONGs, criadas de ocasião, buscando assim afirmar que está dialogando com a  sociedade civil. Com isso, o estado se furta de suas responsabilidades, transferindo o ônus para a iniciativa privada. Vamos cair nos mesmos erros do sistema prisional, que tem hoje uma CPI para apurar irregularidades causadas pela gestão privada.  E não podemos esquecer que a sociedade civil já apresentou propostas  de reordenamento em diversas ocasiões, seminários, conferências, grupos de trabalho, etc. Na verdade, falta ao governo vontade para o diálogo e acolhimento das propostas.

 

Em relação ao endurecimento, como vocês avaliam a fala do Governador Serra(SP), sobre o aumento do prazo da medida de internação de 3 para 10 anos?

 

O governador repete os seus antecessores, não aprendeu com os erros  do passado. Na ânsia de dar uma resposta para a sociedade, apresenta novamente a face errada, a da linha dura, para criar fato político e atender aos seus interesses futuros. O governador e os governadores de forma geral, desconsideram o percurso da construção do ECA, desconsideram que aconteceu um dialogo interdisciplinar das diversas áreas do saber, que os pactos, tratados e acordos internacionais foram assimilados e respeitados. Também precisa compreender, que os técnicos, militantes, já apresentaram alternativa de modelo para o atendimento dos adolescentes autores de ato infracional, porém, o que faltou foi vontade política de fato! E uma questão grave, que acabou agravando a situação dos adolescentes e a própria segurança publica, é que no estado de São Paulo, vimos esses arroubos de ilegalidade e irracionalidade, da gestão anterior. Em uma das crises da instituição, já reduziu a idade para responsabilidade penal e transferiu diversos jovens para o sistema prisional. O que acabou acontecendo? Esses jovens acabaram se articulando com o crime organizado e quando voltaram para unidades da FEBEM, reproduziram a estrutura. Ou seja, esse tipo de solução, tem se demonstrado um desastre completo.

 

Qual o atual quadro do sistema de atendimento ao adolescente autor de ato infracional?

  

No inicio de 2006 o Conselho Federal de Psicologia, junto com a OAB Federal, fizeram uma inspeção simultânea em unidades de internação em todo o país (22 estados e o Distrito Federal). A lógica que vigora em todos os lugares visitados é a do sistema prisional. Não existem condições de habitabilidade adequada, propostas pedagógicas, planos de atendimento individualizados, integração com a comunidade, acesso adequado a defesa. Existe tortura e maus-tratos, entre outras violações, ferindo tudo o que é previsto em lei. Ou seja, todo o sistema se encontra ilegal, os governos se encontram na ilegalidade.

 

Porque, na sua opinião, o estado resiste a fazer as mudanças necessárias e adequadas a lei?

 

Falta de vontade política é o primeiro ponto. Segundo, uma visão preconceituosa contra pobres e negros vistos como potenciais marginais. Terceiro uma falsa idéia de segurança com o recrudescimento do atendimento, fazendo parte do calculo político de que tal postura trará dividendos políticos junto à população. E por último, e que é muito mais grave, é o custo da FEBEM. Podemos falar de São Paulo, que em 2005 para se ter uma idéia tinha um orçamento destinado a FEBEM que inicialmente girava em torno de 500 milhões de reais. O governo pediu uma suplementação de verbas em decorrência do colapso total do sistema de cerca de 260 milhões. Isso do orçamento direto, sem contar outras verbas de secretarias e órgãos ligados ao sistema sócioeducativo e que fazem parte do orçamento indireto (educação, saúde, cultura, segurança publica, judiciário).Se esse orçamento direto foi executado de fato, tirando os gastos com dívidas trabalhistas, cada adolescente custa em torno de 14 mil por mês ao povo do estado de São Paulo e brasileiro. O que justificaria um marmitex custar 16 reais, quando em qualquer lugar pagamos 4 reais; um colchonete de 50 reais, custar 400 ou 500 reais; ou ainda, quando das rebeliões, uma reforma que custaria 20, 30 mil reais, custar para a FEBEM 200, 300 mil, por ser obra de urgência e portanto com dispensa de licitação. Essas distorções aparecem. Essa talvez seja a grande questão que esteja no cerne desse problema, o recurso gasto no sistema não chega a ser utilizado efetivamente com o atendimento dos adolescentes, tem servido sim, para alimentar outros interesses que precisamos descobrir quais são e a quem isso tudo realmente interessa.

 

O que a sociedade civil organizada tem feito ao longo desses 16 anos, para que não mais exista esse modelo de atendimento?

 

A sociedade civil organizada nunca se furtou a dialogar com os governos para tentar resolver essa situação. No caso de São Paulo,  sempre se dispôs a dialogar, sempre ajudou e elaborou propostas de reordenamento do modelo, aproximadamente 6 propostas. Sempre recebeu em troca a indisposição e intolerância do governo para fazer esse dialogo da mudança efetiva. Foram muitas as tentativas. Infelizmente no estado de São Paulo é ainda mais grave do que no resto do Brasil, porque temos aqui aproximadamente 60% dos adolescentes internados no país e como o mais rico estado da  federação, teríamos que ter superado essa situação, dando o bom  exemplo a ser seguido e não o contrário. Nas Conferências Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente, delegados de todo o país, desde 1999, tem exigido e aprovado o fim do Sistema de Internação, que vigora até hoje no país sob uma ótica absolutamente ultrapassada.

 

Mas, só a mudança do Modelo de Atendimento é suficiente para resolver a situação?

 

Não, não é suficiente. Na campanha também discutimos toda a problemática na qual está inserido esse jovem e quais caminhos que podemos construir para superá-la, não oferecendo para a juventude como perspectiva, ou falta de perspectiva, simplesmente a prisão ou o caixão. Nesse sentido, entendemos que o Judiciário tem papel fundamental, a ausência das políticas protetivas e das medidas em meio aberto acabou criando a lógica da aplicação das medidas em meio fechado.  Alguns juizes tem afirmado que aplicam a medida em meio fechado porque não existem essas outras. Então veja bem, ao invés de  responsabilizar o violador, agrava ainda mais a situação dos  adolescentes, marcando as suas vidas definitivamente!
 
E o que vocês estão discutindo na Campanha, além da desinternação e não internação ilegal de adolescentes?

 

Discutimos a importância de se construir e fortalecer nos municípios as políticas previstas no sistema de garantia de direitos (inexistente na maioria deles), a participação e controle social no processo de elaboração e efetivação dessas políticas, a importância de se compreender as causas da exclusão e os diversos aspectos que fragilizam a adolescência e a expõe a violência, na posição de vítima e de sujeito. Não é possível continuarmos com esse alto investimento econômico e humano e não termos nenhuma perspectiva de vida para os adolescentes. Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo aponta que no estado a reincidência é de 38%, ou seja, cria-se um circulo do qual o adolescente não consegue escapar. Por isso, não podemos pensar a Campanha isolada de um debate e problematização maior desse quadro com a sociedade.

 

Recentemente a Corte Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Brasil fazer algumas mudanças na FEBEM de São Paulo. Qual a força dessa decisão da Corte e na prática o que esta sendo feito?

 

O Brasil é signatário de vários pactos e tratados internacionais que o obrigam a respeitar os Direitos Humanos e os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Se o Brasil tem desrespeitado sistematicamente essas normas, desrespeita mais sistematicamente no caso da FEBEM-SP. Isso levou algumas entidades a apresentarem denuncias perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Entre os casos relatados estava uma rebelião ocorrida em 1999 na FEBEM Imigrantes, em que 4 jovens foram mortos, vários foram feridos e a grande maioria foi transferida para unidades do sistema prisional que passaram a ser ilegalmente utilizadas para o atendimento dos adolescentes. A partir destas denuncias e de uma tentativa infrutífera de mediar uma solução com o governo brasileiro, coube a Comissão Interamericana encaminhar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foi assim que a Corte determinou 10 medidas que o governo brasileiro deveria adotar para cessar as violações.

 

E essas medidas tem sido implantadas?

 

Não, na prática não mudou absolutamente nada. A Corte determinou a criação de um grupo de fiscalização, mas a situação continua exatamente a mesma, com torturas, condições desumanas de atendimento, as mesmas violações acontecem. O governo do estado de São Paulo não está implantando as medidas e ainda vem tentado criminalizar os grupos que são responsáveis pela fiscalização da implementação das recomendações.

 

O que pode acontecer ao governo brasileiro se não cumpre as Resoluções da Corte?

 

O descumprimento da resolução da Corte pode acarretar sanções econômicas e exposição do Brasil como violador de direitos humanos para todo o mundo, o que já acontece.

 

Qual o objetivo da campanha?

 

O objetivo da campanha é mostrar a sociedade como ela tem contribuído para a violação de direitos com o seu silêncio e, por vezes, concordando com o tratamento dispensado aos jovens. Queremos destacar a importância do envolvimento da sociedade para resolver esse problema. Também pretendemos abrir um diálogo com o judiciário, apontando os equívocos de uma boa parte das internações, a necessidade da revisão de diversas internações e a importância da aplicação correta da lei. Por último, mais uma vez, queremos propor ao Governo Estadual a desconstrução do modelo de atendimento e sua adequação de fato ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Para finalizar que mensagem você gostaria de deixar para sociedade?

Bem, existe uma frase do Bertold Brecht fundamental para a compreensão da situação em que se encontram os jovens, que é a seguinte: "Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem".

Escola não motiva e perde alunos

40% dos adolescentes que deixaram de estudar apontaram a falta de vontade para assistir às aulas

Na faixa de 15 a 17 anos, gestação também aumenta percentual de abandono do colégio, diz estudo baseado na Pnad, pesquisa do IBGE

São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

DA SUCURSAL DO RIO

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA - Folha de S.Paulo - Cotidiano

ANTÔNIO GOIS

"Deu preguiça de andar até a escola." Essa é a primeira razão citada por Aline (nome fictício) para explicar por que parou de estudar aos 15 anos. Aparentemente, a resposta indica que foi a larga distância ou a falta de transporte público entre sua casa, no complexo da Maré (zona norte do Rio), e o antigo colégio que a fez desistir.
Com um pouco mais de conversa, porém, ela explica que a preguiça não era causada pelos 20 minutos de caminhada. O problema era outro: "Os professores eram muito chatos. Não sabiam explicar nada e repetiam todo mundo. É por isso que só tinha marmanjo na 6ª série [do ensino fundamental]". Com tanto desestímulo para aprender, ela parou e, logo depois, engravidou. Hoje, com 16 anos, é mãe de uma menina de cinco meses.
Esse breve relato da história de Aline ajuda a sintetizar em um único exemplo as principais razões que levaram 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos (16% do total) a não estudar em 2005. Para saber quem são eles, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) elaborou um estudo com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE em que três conclusões se sobressaem:
1) três em cada quatro desses jovens (75%) não completaram o ensino fundamental, mas a maioria (68%) ao menos chegou até a 5ª série;
2) ter tido filho diminui a probabilidade de a jovem estudar. Entre as que freqüentam a escola, apenas 1,6% é mãe, percentual que sobe para 28,8% entre as que estão fora;
3) mais do que a falta de vagas, de transporte ou mesmo a necessidade de trabalhar, é a falta de vontade de estudar que os empurra para fora do sistema de ensino. Essa razão foi identificada em 40,4% dos casos entre os que não estão em sala de aula. A necessidade de trabalhar vem depois (17,1%).
A primeira observação indica que o problema da evasão está concentrado entre a 5ª e a 8ª série do ensino fundamental. A segunda mostra que a fecundidade precoce tem impacto significativo na desistência de muitas meninas. Já a terceira sugere que, se a escola não for atraente e fizer algum sentido ao jovem, ele vai abandoná-la mesmo que suas chances no mercado de trabalho sejam nulas ou pouco convidativas.
Prova disso é que, desse 1,7 milhão de jovens fora da escola, 43,4%, ou 740 mil, não trabalham nem sequer estão procurando emprego. Mesmo quando conseguem achar um trabalho (caso de 44% dos que não estudam mais), no entanto, trata-se de emprego precário, já que apenas 8% do total de jovens fora da escola trabalhando tem carteira assinada.
O presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, aponta a repetência como fator de desinteresse dos jovens pela escola. Com baixo desempenho, o aluno deixa de ir à aula, e os pais já não têm tanta influência para mantê-los estudando como tinham nas séries iniciais.
Para a professora de pós-graduação em educação da UnB (Universidade de Brasília) Benigna Villas Boas, as escolas precisam encontrar uma forma de avaliar o aprendizado e oferecer mecanismos de recuperação ao longo do ano.
Já Rubem Alves, educador e colunista da Folha, diz que o próprio sistema em que as escolas funcionam é pouco atrativo. Usa como exemplo o fato de as disciplinas serem ministradas separadamente. "Quem foi que disse que a cabeça da criança funciona como aparelho de TV em que você pode tocar uma campainha e mudar de português para matemática?"
Na avaliação de Eliane Andrade, professora do departamento de educação da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e da UniRio, não há motivo único que leve o jovem a abandonar. Para ela, a necessidade de trabalhar não pode ser desprezada, mas o problema principal está na escola.
"A escola não está pensando nesse menino que quer trabalhar. Dar recursos a ele é um passo importante, mas não é a solução. Não dá para ficar botando mil penduricalhos sem meter a mão na escola. Se formos acompanhar esse jovem, veremos que ele até tenta voltar várias vezes. Ele está sendo generoso com a escola, mas a escola não está sendo generosa com ele", diz Andrade.
Esse caminho de ida e volta foi feito três vezes por Mara Mônica da Silva, 18, aluna do programa ProJovem no município do Rio. "Eu até era boa aluna, mas quando chegava outubro desistia de estudar porque precisava trabalhar", diz.
Seu colega no programa, João Batista Cavalcante, 24, também está tentando voltar a estudar após abandonar a escola aos 15 anos, ainda na 6ª série: "Eu ficava sem ânimo. Acho que era rebeldia. Hoje me arrependo de ter parado".

Entre a escola e os jovens

As marcas da vida juvenil são vistas como ameaças à ordem escolar. Compreender essa relação é o primeiro passo para a construção de um processo educativo saudável

Pensar na relação atual entre juventude e escola não é tarefa fácil. Há muitos sinais de que esta relação tem sido bastante tensa e conflituosa. Por um lado, percebemos as dificuldades da escola e dos professores em lidar com os jovens, seu imaginário, comportamentos, vestimentas, identidades, e, por outro, um descontentamento dos jovens em relação ao que é oferecido pela escola, o que se revela no baixo rendimento, em atitudes de confrontação a professores e autoridades escolares ou na simples indiferença e apatia diante do conhecimento escolar. Como podemos explicar esta distância real e simbólica entre a escola e os jovens? Certamente não há explicações fáceis nem rápidas frente a um problema dessa magnitude.

Um dos aspectos que, dentre outros, nos ajudam a compreender essa problemática diz respeito à forma como a escola e os professores vêem os jovens e com eles se relacionam. Tudo leva a crer que a imagem que os professores têm da juventude é bastante negativa. Os jovens são vistos muitas vezes como baderneiros, preguiçosos, rebeldes e incontroláveis, pouco enquadrados nas regras escolares e no funcionamento da escola. Geralmente, a causa dessa situação é atribuída a uma invasão da escola pelo mundo da rua.

A escola estaria sendo bombardeada por problemas sociais, como a violência e a pobreza, pelos efeitos negativos dos meios de comunicação de massa, por uma suposta crise de valores humanos, e por símbolos e comportamentos juvenis incompatíveis com seu modelo de funcionamento, e que deveriam ficar do portão para fora.

Mas será que algum dia a escola conseguiu manter-se apartada das dinâmicas sociais à sua volta? Será que isolar-se seria a solução? Provavelmente não. As muitas escolas que têm adotado a estratégia do isolamento não têm obtido resultados positivos; ao contrário, muitas vezes agravam o problema. Providências como erguer os muros, aumentar as grades, exercer maior controle da entrada e saída de estudantes, proibir a entrada de aparelhos eletrônicos, bonés, instrumentos musicais etc. apenas tentam (geralmente em vão) resgatar um modelo escolar rígido, que já não funciona.

O problema não está na invasão da escola pelos elementos externos, e sim nas dificuldades que ela tem de se organizar a partir do contexto e da realidade social e das características dos estudantes atendidos. Nesta perspectiva, o problema não está fora da escola, mas dentro dela, e as soluções devem passar necessariamente por uma mudança de dentro para fora.

Marcas apagadas

É curioso notar que, se a escola costuma resistir negativamente às marcas da vida juvenil (o boné, as roupas, a linguagem etc.), que aparecem como elementos ameaçadores à ordem escolar, coisa muito diferente ocorre em relação às crianças.

Mesmo sendo algo recente no Brasil, as escolas de educação infantil têm avançado muito no sentido de reconhecer a infância como uma fase de vida extremamente rica e que deve ser o ponto de partida para a organização escolar. Se a atividade central da infância é brincar, é preciso que a escola incorpore este elemento e o potencialize. É isso que justifica os brinquedos e parques dentro das escolas. É com base na condição bio-psico-social das crianças que se organiza o espaço educativo, a adequação dos móveis, bebedouros, a decoração das salas com as suas produções. As escolas explicitam a presença da infância por todos os lados, mostrando que a condição infantil não é um obstáculo para o processo educativo, mas uma aliada e um importante ponto de partida.

Coisa muito diferente ocorre quando focalizamos as escolas voltadas aos jovens. As marcas da juventude desaparecem dos espaços institucionais e geralmente retornam a eles pela ação ativa e muitas vezes transgressora dos próprios jovens (grafites, pichações, rabiscos, recados nos banheiros, boné, walkman na sala de aula), e são vistas como uma invasão ilegítima de elementos externos e estranhos ao ambiente escolar.

Por que a escola consegue reconhecer a infância, mas não consegue reconhecer a juventude como uma fase de vida igualmente rica e cheia de potencialidades a serem desenvolvidas? É provável que a imagem negativa sobre os jovens seja um dos fatores explicativos.

Por isso, construir um novo olhar sobre os jovens estudantes torna-se um passo necessário para que a escola alcance sucesso em seus objetivos. Um processo educativo que parte de posturas defensivas e de visões negativas sobre o outro dificilmente pode ser bem-sucedido. As características trazidas pelos jovens, sejam elas aprovadas ou desaprovadas pelos professores, são a matéria-prima a partir da qual se constrói a possibilidade concreta do trabalho educativo. Por isso a condição juvenil atual deve ser vista como ponto de partida, e não como um empecilho ou obstáculo para a escola.

Isso não implica a aceitação passiva de tudo que é trazido pelos jovens, o que seria pouco adequado para uma instituição que se propõe a educar e ampliar o universo cognitivo e cultural. Mas implica aceitar que o processo educativo precisa considerar efetivamente o que as pessoas são, fazem e pensam, e não o que deveriam ser, fazer ou pensar. Isto envolve uma releitura da condição juvenil que se afaste dos estereótipos produzidos, ou da idéia de um aluno ideal, e promova uma aproximação com os jovens concretos, suas características e necessidades.

O desafio é perguntar

O desafio é grande, pois os jovens são diversos, possuem gostos, estilos, comportamentos diferentes, fazem escolhas diversas, têm trajetórias singulares, e, como sabemos, lidar com a diferença é algo muito difícil, inclusive para a escola.

Nesse sentido, o processo educativo deve partir mais de perguntas do que de respostas. Afinal, quem são estes jovens? Como eles constroem seu “estar no mundo”? Quais são as chaves culturais e cognitivas por meio das quais eles compreendem o mundo ao seu redor e seu próprio papel nesse mundo? Como estes jovens constroem conhecimentos no mundo moderno, e, afinal, como eles aprendem?

Tais questionamentos levam, por um lado, a apostar na aproximação e no diálogo com os jovens como forma importante de acessá-los e, por outro lado, a assumir uma postura de constante investigação e pesquisa por parte do educador. É preciso se despir dos preconceitos e apostar na valorização do diálogo e na capacidade de os jovens adotarem uma postura ativa no processo de aprendizagem.

A tarefa torna-se ainda mais complexa na medida em que muitos professores acreditam que seu papel se restringe a transmitir conteúdos, porque assim foram e continuam a ser ensinados em muitas universidades. Uma aproximação efetiva com os jovens implica alargar esta compreensão sobre o papel docente, apostando numa tarefa educativa mais ampla e abrangente que possa ajudar os estudantes a construírem sentidos para o conhecimento.

Como vimos, educar jovens reveste-se de uma tarefa bastante desafiadora e complexa, que deve passar necessariamente por uma aproximação com o universo deles, visto muitas vezes pelo educadores como algo hermético, enigmático, quase um mundo à parte, e que, não raro, entra em choque com os valores, identidades e expectativas dos educadores.

Isso deixa claro o quanto o papel do educador é central, essencial e, ao mesmo tempo, desafiador. Parece que ensinar os jovens pressupõe, antes de tudo, aprender com eles, não no sentido de situar-se no mesmo patamar, mas de com eles descobrir as chaves que podem acessar seu universo cultural e cognitivo e ajudá-los, então, a ampliar e a enriquecer este universo.

* Ana Paula Corti é socióloga, doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo, assessora da ONG Ação Educativa e autora dos livros “Diálogos com o Mundo Juvenil: Subsídios para Educadores” e “Encontro das Culturas Juvenis com a Escola” 

Publicado na Revista Onda Jovem - Edição 06 - Nov 2006

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