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O mapa dos homicídios: Jovens morrem mais, e mais no interior

Problema já grave nas capitais, violência se espalha pelo país

Por Demétrio Weber

Os 556 municípios brasileiros com maiores taxas de homicídio de jovens, o equivalente a 10% das cidades do país, concentram 81,9% das vítimas de assassinato de 15 a 24 anos. De 1994 a 2004, o número de mortos nessa faixa etária subiu 64,2%, totalizando 175.548 óbitos. É o que mostra estudo divulgado ontem pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). O relatório apresenta dados de criminalidade por município, e mostra o aumento da interiorização da violência. Pela pesquisa, os índices de homicídios estão estagnados nas capitais e nas regiões metropolitanas (crescimento inferior a 1% ao ano), e crescem mais no interior.

O aumento médio de assassinatos de 1999 a 2004, nas capitais e nas principais regiões metropolitanas do país, foi de 0,8% ao ano. No interior, atingiu 5,4% ao ano.

O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo, atribui a interiorização da criminalidade à descentralização econômica, aos investimentos do Fundo Nacional de Segurança Pública nas capitais e à melhoria das estatísticas de violência.

O aumento dos assassinatos de jovens supera o de homicídios na população total. O número de vítimas em todas as faixas etárias saltou de 32.603, em 1994, para 48.374, em 2004, acréscimo de 48,4%. O crescimento populacional foi de 16,5%. Na década, o Brasil teve 476.255 pessoas assassinadas, o que equivale à taxa de 27 óbitos para cada cem mil habitantes — a quarta mais alta entre 84 países pesquisados. Estavam em situação pior do que o Brasil, segundo o estudo, só Colômbia, Rússia e Venezuela.

— Ao contrário da imagem difundida pela mídia, de que a violência está concentrada em alguns focos como Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Pernambuco e Espírito Santo, o mapa mostra que há locais tão ou mais violentos em zonas de fronteira ou cidades pequenas, verdadeiras terras de ninguém, onde o Estado não está presente — disse Julio Jacobo.

Em 2004, quatro de cada dez jovens mortos foram vítimas de assassinato no país. O estudo mostra que o crescimento de homicídios é puxado pela juventude: de 1980 a 2004, a taxa relativa a jovens subiu de 30 para 51,7, enquanto caiu de 21,3 para 20,8 no restante da população.

Nos 556 municípios com maiores taxas de assassinato em todas as faixas etárias viviam 42% dos brasileiros. São municípios de médio e grande porte, e população média de 135 mil habitantes. Os homens são 92,1% das vítimas. A taxa de assassinato de negros superou a de brancos em 73%.

Outro indicador que revela a concentração da violência no país, pelo lado inverso, é a quantidade de cidades sem homicídios. De 2002 a 2004, 1.411 municípios — 25% do total — não registraram nenhum assassinato sequer. Considerada apenas a população jovem, o mesmo ocorreu em 2.885 municípios (51,8%).

O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros reúne dados de 2002 a 2004, do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, cuja fonte são os registros de óbitos. A exemplo do que ocorre no caso das vítimas jovens, as 556 cidades com maiores taxas de homicídio entre todas as idades concentraram 71,8% dos assassinatos no país, em 2004.

Foz do Iguaçu (PR), na região da tríplice fronteira com Paraguai e Argentina, tem a maior taxa de homicídios da juventude, com 223,3 assassinatos para cada cem mil habitantes de 15 a 24 anos, de 2002 a 2004. Já no índice da população em geral, o primeiro é Colniza, município de 12,4 mil habitantes no norte de Mato Grosso.
 

RECIFE É A CAPITAL COM TAXA MAIS ALTA DE JOVENS MORTOS 
 
Na lista dos municípios, Rio é o 43º

BRASÍLIA. No ranking municipal de assassinatos de jovens, o Rio ficou na 43ª posição, com taxa de 131,9 mortes para cada 100 mil habitantes de 15 a 24 anos. Recife aparece em terceiro lugar entre os municípios, com 207,9, sendo a capital mais violenta para a juventude. Itaguaí e Macaé, respectivamente em quarto e quinto lugar no ranking nacional, são os municípios fluminenses com maiores taxas: 187,1 e 187 mortes. No ranking da população total, o Rio aparece na 107ªposição, com taxa de 57,2. As taxas permitem comparações entre cidades maiores e menores, pois relativizam o tamanho da população. As médias municipais consideram dados de três anos para evitar que casos de violência isolados deturpem as estatísticas. Em 2004, o estado do Rio de Janeiro registrou a taxa mais alta de homicídios de jovens do país: 102,8. No mesmo ano, a média nacional ficou em 51,7.

Dos 92 municípios do Rio, 42 estão na lista dos 556 com maiores taxas de assassinatos juvenis, o que corresponde a 45,7% do total. É o maior percentual de cidades por estado. Em segundo, vem Pernambuco, onde 42,2% das cidades fazem parte da lista — 78 num total de 185.

Em novembro, o OEI divulgou o Mapa da Violência 2006, com informações nacionais, por estado, capitais e regiões metropolitanas. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará aparecem com manchas escuras, indicando a concentração de cidades com altos índices de homicídios, juntamente com Rio, São Paulo, Pernambuco, DF e Espírito Santo. Para o secretário de Vigilância em Saúde, Fabiano Pimenta, a liderança de Colniza (MT) pode se explicar porque o município está localizado em área de fronteira agrícola, com disputas de terra.

RIO: MAIS MORTES POR ARMAS DE FOGO 

Estado tem 49 cidades na lista das que têm as maiores taxas

BRASÍLIA. O Rio de Janeiro é proporcionalmente o estado com maior número de municípios entre as 556 cidades brasileiras com maiores taxas de morte por armas de fogo. Dos 92 municípios fluminenses, 53,3% (49) estão na lista. Eles responderam por 97,7% dos óbitos por armas de fogo no estado, em 2004, segundo o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. O estudo mostra que 37.087 pessoas morreram atingidas por tiros naquele ano em todo o país, a maioria (92,1%) em homicídios. As 556 cidades com maiores taxas concentraram 77,2% do total, o equivalente a 28.631 óbitos.

Colniza, em Mato Grosso, é o primeiro do ranking nacional, com taxa média de 131,6 mortes para cada grupo de cem mil habitantes. Itaguaí (RJ) aparece em quarto lugar, com 89,7, a mais alta taxa fluminense. O Rio ficou na 70ª posição, com 50,1. Foram considerados desde homicídios até suicídios, tiros acidentais e disparos sem causas conhecidas.

O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência, diz que as cidades com maiores taxas deveriam ser alvo de novas campanhas do desarmamento. Segundo ele, o recolhimento de revólveres e espingardas ajudou a reduzir o número de homicídios. O total de assassinatos praticados com ou sem arma de fogo caiu de 51.043, em 2003, para 48.374, em 2004, a primeira redução da década.

Entre 1979 e 2003, 550 mil vítimas de armas de fogo no país

Ele defendeu o engajamento das prefeituras e da sociedade para combater a violência. Em outro estudo de 2005 — “Mortes matadas por armas de fogo no Brasil” —, ele concluiu que 550 mil pessoas foram vítimas de armas de fogo entre 1979 e 2003:

— Não é suficiente um estímulo, precisa haver continuidade e mobilização das forças locais.

O estudo compara as taxas de homicídio dos triênios 1997-1999 e 2002-2004. Nos assassinatos de jovens de 15 a 24 anos, o aumento superou 1.000% em oito cidades. A maior expansão ocorreu em Trindade (PE), onde a taxa média de homicídio subiu de 8 mortes por 100 mil habitantes nessa faixa etária para 176,1, uma variação de 2.095%. Em Catu, na Bahia, o salto foi de 1.835%. Considerados os assassinatos em toda a população, Coronel Fabriciano (MG) teve o maior crescimento: a taxa subiu de 0,4 para 13,9, um aumento de 3.869%. Em Medicilândia (PA), o aumento foi de 2.082%.

Para Jacobo, a descentralização do desenvolvimento econômico, os investimentos em segurança pública nas capitais e regiões metropolitanas e a melhoria das estatísticas no país ajudam a explicar o aumento das taxas no interior. Ele sugeriu que os três níveis de governo — federal, estadual e municipal — façam estudos, a partir do Mapa da Violência, para identificar as experiências que deram certo, onde houve redução de taxa, e para dobrar os esforços de contenção da violência, onde ocorreram aumentos no intervalo entre os dois triênios. Ele não arriscou explicação para as cidades cujas taxas subiram. (D.W.) 
 
ITAGUAÍ TEM CADA VEZ MENOS POLICIAIS 
 
E é a quarta com mais mortes de jovens

Marco Antônio Martins - do Extra

Em 9 de abril do ano passado, o jovem Bruno de Souza Machado, de 20 anos, conversava com quatro amigos no bairro do Chaperó, em Itaguaí, quando um carro guiado por um PM parou diante dele e de seus três amigos. Minutos depois vários disparos foram feitos em direção ao grupo. Bruno morreu e a cidade registrou mais um caso de violência. O PM responsável pela morte de Bruno foi preso e aguarda julgamento. No Mapa da Violência, Itaguaí aparece como a quarta cidade do país em que mais jovens são assassinados.

A taxa média é de 187,1 homicídios por cada 100 mil habitantes entre 2002 a 2004. O município é superado no país apenas pelas cidades de Foz do Iguaçu, no Paraná; Serra, no Espírito Santo e Recife, em Pernambuco. Itaguaí tem cerca de 92 mil habitantes. Em 1998, havia 42 policiais civis e 144 PMs. Em dezembro, só 25 policiais civis e 75 PMs.

— São cidades em que o setor público atua pouco porque são distantes — disse Julio Jacobo, que fez a pesquisa.

ÍNDICE DE CRIMES SUPERA O DA ÁREA METROPOLITANA 

Macaé é o 5º município do país em assassinato de jovens de 15 a 24 anos

Explosão da violência acompanhou crescimento econômico puxado por petróleo

Aloysio Balbi

CAMPOS. Com um grande crescimento econômico nos últimos anos, puxado pela indústria do petróleo, Macaé vive também uma explosão de violência, e já é a quinta cidade do país com mais assassinatos de jovens entre 15 e 24 anos. O resultado da pesquisa não surpreendeu o delegado titular da 123ª DP (Macaé), Daniel Bandeira. Ele admite que Macaé passou a ser um território já demarcado pelo tráfico de drogas, ao qual atribuiu 95% dos casos de assassinatos de jovens. Segundo Bandeira, embora a pesquisa tenha sido feita com base em estatísticas de anos anteriores, a situação pode estar se agravando. Somente em janeiro foram registrados 19 homicídios na cidade, a maior parte ligada ao tráfico.

O delegado, que já foi titular de delegacias da Baixada Fluminense, diz que os jovens em Macaé recrutados pelo tráfico de drogas são de origem pobre, que saíram de outras cidades em busca do sonho de um emprego na capital do petróleo. Desqualificados, eles não conseguem vagas no mercado de trabalho e se tornam presas fáceis para os traficantes de drogas.

— O tráfico se mantém com a força da violência para ser respeitado, e uma das formas de ser respeitado é eliminando seus rivais. Aqui não há uma guerra do tráfico com tanta visibilidade como no Rio, mas ela existe, e os jovens que vieram em busca do sonho do bom emprego acabam se envolvendo com essa atividade criminosa e morrendo. Todas essas mortes têm que ser colocadas na conta do tráfico — disse o delegado.

Facções do Rio controlam e disputam pontos na cidade

Bandeira acrescentou que a 123ª DP (Macaé) registra uma média de 25 ocorrências por dia, dos mais variados crimes, o que proporcionalmente chega a ser maior do que delegacias da área metropolitana do Rio.

— Para uma cidade com 180 mil habitantes, o número chega a ser assustador. Temos deficiências que agora estão sendo resolvidas a partir de um entendimento da prefeitura com a Secretaria de Segurança. A polícia precisa de pessoal e infra-estrutura para enfrentarmos esse problema — disse Bandeira.

Facções do Rio controlam o território macaense. A ordem de execuções partem muitas vezes de morros cariocas.

— Em Macaé a barra é mais pesada. A praça interessa aos barões das drogas, e cada ponto rende muito dinheiro. A guerra existe. A maioria dos jovens não é executada por dívidas, e sim por fazer parte de determinados grupos que disputam esses pontos — afirmou um inspetor.

Uma chacina em outubro de 2003, no Morro da Mineira, no Rio, para muitos ilustra essa influência do tráfico carioca. Foram executados seis jovens de Macaé, entre 16 a 25 anos. Iam, numa van, para uma festa, quando se perderam e foram parar na favela. Segundo depoimento do motorista da van, eles chegaram ao morro guiados por um taxista, a quem pagaram R$30 para levá-los à festa. Lá, foram interceptados por traficantes, que executaram, com tiros na cabeça, seis dos passageiros. Os cadáveres foram postos na van pelos bandidos, que ordenaram ao motorista que levasse os corpos de volta a Macaé.

Para ter certeza de que o motorista cumpriria a ordem, mandaram motoqueiros escoltarem a van até Rio Bonito, na BR-101. Muitos acreditam que queriam mandar um recado para Macaé. Os mortos não tinham passagem pela polícia e iriam a uma festa de um grupo rival aos traficantes da Mineira.
 
 

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA DESPREZOU NÚMEROS DA PESQUISA, QUE CHAMOU DE ‘ATITUDE EQUIVOCADA’ 

Foz do Iguaçu tem mais homicídios de jovens

Cidade registra taxa média de 223,3 mortes de pessoas na faixa etária de 15 a 24 anos por cem mil habitantes

Ana Paula de Carvalho - Especial para O GLOBO

CURITIBA. A pesquisa da Organização dos Estados Iberoamericanos revela que Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, é a cidade brasileira com maior índice de homicídios entre jovens entre 15 e 24 anos. Situada na conturbada fronteira com o Paraguai e Argentina, porta de entrada do tráfico de armas e drogas, Foz do Iguaçu registra uma taxa média de 223,3 mortes de jovens por homicídio para cada cem mil habitantes. Os dados do levantamento foram desprezados pelo secretário de Segurança Pública do Paraná, Luiz Fernando Delazari. Em nota oficial, ele considerou os números uma “atitude equivocada” que não contribui para as discussões sobre segurança na fronteira.

“Foz do Iguaçu é uma cidade de tríplice fronteira que diariamente recebe milhares de pessoas de inúmeros locais, fato que, por si só, já a diferencia de qualquer comparação simplista”, disse em nota, esclarecendo que houve aumento do efetivo na região em mais 130 policiais.

Paulo MacDonald Ghisi, prefeito de Foz do Iguaçu, que tem 302 mil habitantes, discorda do governo estadual:

— As polícias Militar e Civil não têm atendido às necessidades da cidade, que mereceria mais investimentos, além de integração com a Guarda Municipal. Hoje, temos menos policiais do que há dez anos.

Segundo o Instituto Médico-Legal (IML) de Foz, de 52 vítimas registradas em 2007, 15 eram jovens que tinham até 18 anos.

Para especialistas, cidade será a mais violenta em 2008

Especialistas dizem que Foz pode se tornar, já em 2008, a cidade mais violenta do Brasil. O alerta parte do coordenador do Núcleo de Pesquisa e Prevenção da Violência (Nuprev), de Foz do Iguaçu, José Elias Aiex Neto.

— Em 2006, a cidade registrou 323 assassinatos para 309 mil habitantes, uma taxa de 104,5 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média brasileira é de 24 homicídios a cada 100 mil habitantes — revela, corroborando os dados da pesquisa ibero-americana.

Aiex Neto, também secretário municipal Antidrogas de Foz, diz que o narcotráfico é a principal causa de morte entre os jovens, já que Foz serve como entreposto de cocaína. Atualmente, a Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu, que abriga 500 presos, possui metade da população carcerária condenada pelo tráfico. Para o estudioso, faltam ações conjuntas entre os governos brasileiro e paraguaio.

— Não basta cortar os pés de maconha. O Paraguai precisa de uma política mais efetiva no combate à droga — critica.

Publicado no Jornal O Globo em 28 de fevereiro de 2007