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Entrevistas

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Juventude rural: entre ficar e sair

2º Congresso Nacional da Pastoral da Juventude Rural, em Brasília. Foto: Valter Campanato/ABrO que faz o jovem permanecer no campo? Se por um lado a juventude camponesa vai para a cidade em busca de melhores condições de vida, por outro existe um número significativo de jovens engajados em movimentos sociais rurais. É o que explica, em entrevista ao Observatório Jovem, a professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Elisa Guaraná

O que faz o jovem permanecer no campo? Se por um lado a juventude camponesa vai para a cidade em busca de melhores condições de vida, por outro existe um número significativo de jovens engajados em movimentos sociais rurais. É o que explica, em entrevista ao Observatório Jovem, a professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Elisa Guaraná. Ela é doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora da tese "Entre Ficar e Sair: uma etnografia da construção social da categoria jovem rural" (444p.), disponível em nossa seção de documentos.

Observatório Jovem (OJ) - Podemos fazer uma diferenciação entre o jovem da cidade e o jovem do campo?

Elisa Guaraná (EG) - Acho que não dessa forma. Se trabalharmos com uma construção homogênea de juventude rural e juventude urbana acabamos caindo no mesmo problema de construções como jovens violentos e jovens de periferia. Em um primeiro plano temos que seguir a mesma dinâmica para pensarmos a juventude de um modo geral, ou seja, tentar trabalhar com uma categoria social, que tem suas diferenciações internas, que tem diferentes formas de construção de identidade. Eu acredito que tem elementos que atravessam essa categoria e fazem com que ela hoje seja de fato uma categoria social e não só uma categoria analítica como já foi em determinada época. Quando lemos textos do começo do século que tratam sobre juventude definitivamente não é a mesma compreensão de juventude que a sociedade e que as próprias pessoas que se identificam como jovens têm hoje. Mas eu não gostaria de trabalhar com se estivéssemos criando classificações: juventude urbana, juventude rural, mulheres ou homossexuais. O que caracteriza a idéia de juventude rural é termos identidades que estão se apresentando como tal e está forte isso, se apresentando nos espaços de organização dos movimentos sociais e também no cotidiano dos espaços rurais. Se formos trabalhar com uma fronteira rural-urbana isso está cada vez mais confuso, mas há construções de identidades rural e urbana que ainda são muito fortes. Há uma identificação forte da sociedade sobre o que seria um mundo rural. Às vezes, muito mais no imaginário e que vai gerar reações de estigmatização, de diferenciação na relação com o poder público, do que de fato ter uma diferença entre aquele jovem que mora no campo e aquele jovem que mora na cidade. Por exemplo, quando falamos em juventude urbana vamos ouvir determinadas questões que nem sempre são as mesmas que estão colocadas no meio rural. Quando estamos falando de juventude rural, vamos ouvir muito a questão da terra que evidentemente não está colocada no espaço da juventude urbana. Mas o olhar sobre a categoria social juventude hoje, o olhar que a juventude vem construindo e o que essa categoria nos permite perceber são relações de poder e nesse sentido eu acredito que atravessa tanto o espaço rural como o urbano. O que eu sinto que é possível pescar de interessante a partir da categoria juventude é justamente que ela mostra a existência de relações de hierarquia na sociedade que envolvem a identificação de jovens. O fato de você ser jovem na sociedade te identifica e te coloca numa determinada posição de hierarquia na sociedade, que via de regra tem sido uma posição de subalternidade.

OJ – Essa posição de subalternidade da juventude se dá tanto na sociedade urbana quanto na rural?

 EG - Sim. Na sociedade rural talvez isso apareça no âmbito da família de uma maneira mais forte porque o espaço da família e o do trabalho estão muito próximos, quando não são o mesmo. Os jovens vivem em uma comunidade onde a relação interna é muito intensa.  O pai que está na associação dos produtores é o mesmo pai que está organizando a produção na terra dele, que é o seu pai. No espaço urbano, na maioria das vezes, o espaço do trabalho é separado do espaço da casa. O seu patrão no trabalho não é o seu pai, em alguns casos até é, mas em grandes metrópoles geralmente não. Mas a colocação do problema da subalternidade, dos problemas serem percebidos com uma lógica que desvaloriza, que desacredita o discurso, a fala e a ação do jovem vai aparecer tanto no espaço urbano, quanto no espaço rural.

 OJ - Você falou em jovens rurais que se tornam visíveis por meio de movimentos ou no próprio cotidiano do ambiente rural. Como se dá essa relação?

 EG – Juventude é uma categoria que tem muitas entradas, muitas construções, não é linear, não há uma mesma percepção de juventude de quem se identifica como jovem e de quem não se identifica como jovem, os adultos, por exemplo. É importante percebermos e não é um fenômeno novo, já aconteceu em outras épocas, em outros países, mas no Brasil apareceu com muita força nos últimos anos, o fato dessa categoria estar sendo apropriada por indivíduos, por coletivos, por movimentos. Essa identidade está forjando formas de organização social, de organização dentro dos movimentos sociais.  Uma forma que age sobre diversas questões. Age sobre a questão rural como um todo, é uma identidade que tem aglutinado jovens que estão preocupados com a questão agrária, por exemplo. E estão preocupados também com qual vai ser a situação deles como próxima geração que vai enfrentar esse mundo rural em conflito, desigual, ainda tão distante do acesso de bens e serviços e um mundo rural distante de uma reforma agrária e todas as conseqüências que isso traz. Para uma geração que viveu o Plano Nacional de Reforma Agrária, o primeiro grande projeto no país que se apresenta como um projeto de reforma agrária, com todas as suas limitações, a pergunta é: o que vai acontecer daqui a 20 anos? E eles estão se perguntando isso. O que antes lhes era cobrado individualmente passou a ser colocado como uma questão coletiva, primeiro para os jovens, mas também para os movimentos. Eu acredito que muito em função da ação dos próprios jovens. A identidade juventude rural está sendo acionada, dentro dos movimentos sociais, como uma forma de auto-organização para reivindicar questões que são gerais para a reforma agrária hoje, mas também questões específicas. O que eu acho muito interessante na pesquisa que a gente está fazendo agora é ver as coordenações de juventude dos movimentos sociais indo diretamente negociar com os ministérios, diretamente com o Presidente da República, isso é uma diferença muito grande.

 OJ - Esses jovens atuam enquanto movimento?

EG - Sim e como parte de movimentos maiores. No caso da Pastoral da Juventude Rural é diferente porque eles não são um movimento social, são uma organização pastoral. Mas, de qualquer forma, também se apresentaram como um ator social e negociaram diretamente com o Presidente da República  uma pauta de reivindicações. Os outros movimentos sociais, da agricultura familiar, os que se definem como produtores ou como camponeses, estão  hoje se organizando enquanto juventude e se apresentando enquanto um ator que vai fazer a interlocução direta com o poder público. Acho também que é uma identidade muito acionada hoje dentro dos movimentos sociais como uma forma de auto-organização para fazer frente aos problemas, conflitos e tensões dentro dos próprios movimentos. As relações de hierarquia e poder que eu considero que essa categoria apresenta como parte das relações que envolvem ser jovem na sociedade hoje, se reproduzem dentro dos movimentos sociais. Ser jovem nos movimentos sociais também carrega limitações quanto a espaço de participação, quanto a possibilidade de ser ouvido, a dificuldade de poder se colocar em um espaço de decisão. As formas de auto-organização através da identidade juventude rural têm também funcionado como um caminho para enfrentar essa questão. A minha preocupação hoje é justamente entender de que maneira os que são identificados como jovens estão se organizando dentro dos movimentos, as muitas formas como isso está acontecendo. Aí, a questão de gênero atravessa esse debate de uma maneira muito interessante.

OJ - Existe uma diferença na participação de jovens homens e mulheres nos movimentos rurais?

EG - Quando você trata a questão de gênero pensando juventude no campo, via de regra aparece uma questão clara, quase senso comum: as mulheres vão embora mais cedo. Isso também é muito questionável. É um olhar muito a partir do sul do país, o Nordeste, que é muito pouco pesquisado ainda, vai nos trazer um outro quadro onde pode ser que os homens migrem mais do que as mulheres. Mas, o olhar, quase sempre a partir da região sul e sudeste, aponta esse quadro da mulher sair mais cedo do campo. Tem muitas explicações para isso, na tese eu trabalhei com a idéia de que isso era uma questão que tinha a ver com a própria reprodução familiar, onde a jovem tem um papel específico na divisão social do trabalho e seu papel primordial é cuidar da casa. Ela é cada vez menos envolvida no trabalho da produção agrícola e, ao mesmo tempo, sofre muito mais vigilância em relação a sua circulação no espaço do que um homem, o que contribui para que muitas vezes ela saia. Mas tem outras questões. Isso aparece em estudos desde a década de 40. Ouvimos com muita freqüência nos estudos clássicos sobre o movimento sindical a imensa dificuldade das mulheres participarem dos espaços de decisão, não é nenhuma novidade. Também nos partidos políticos. Criou-se a cota nos sindicatos, inclusive, por causa disso. Então, a minha hipótese inicial era a de que eu iria encontrar essa situação dentro dos movimentos sociais, ou seja, menos mulheres e mais homens atuando dentro dos espaços de juventude. Eu estou surpresa, porque estou encontrando algo muito diferente disso. Até agora a pesquisa conseguiu cobrir as duas principais organizações nacionais do movimento sindical rural, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura), e a Fetraf (Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar), a PJR (Pastoral da Juventude Rural) e agora a gente vai começar a trabalhar com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores). Há mais mulheres do que homens nas coordenações de juventude da Contag, as duas principais lideranças nacionais do movimento sindical são mulheres, da PJR é uma mulher pela segunda vez. Mas não é um reflexo de que isso já esteja resolvido, por exemplo, no movimento sindical. Eu fiz entrevistas com a direção nacional dos sindicatos e eles também estão surpresos. Temos que começar a olhar para o que a juventude vai trazer de novo em termos de formas de organização dos movimentos sociais. Me parece que pode estar começando a surgir isso, ou seja, já se conseguir romper pelo menos em espaço de direção nacional uma divisão sexual tradicional da forma das mulheres participarem da organização dos movimentos sociais. A tendência sempre foi muito forte de você ter homens na direção dos movimentos.

OJ - Esses estudos fazem parte da pesquisa que você está desenvolvendo. Pode explicar com mais detalhes a pesquisa?

EG - O  nome da pesquisa é "Os jovens estão indo embora? A construção da categoria juventude rural em movimentos sociais no Brasil". Foi uma provocação que eu fiz para problematizar a idéia fortemente associada à juventude rural do "ir embora", que eu já faço na tese. Com os movimentos sociais eu estou tentando trabalhar isso com mais ênfase. Porque essa imagem da saída dos jovens do campo, que é real, se contrapõe a um crescimento forte de organização da juventude por dentro dos movimentos sociais rurais. Na nossa leitura, alguma coisa aí não está batendo, por isso fui olhar para dentro dos movimentos sociais. Essa pesquisa foi feita de forma quase artesanal esse ano inteiro; começamos em março. É uma pesquisa que contou inicialmente só com o apoio da universidade (UFRuralRJ) e, em seguida, conseguimos  um financiamento que foi muito pequeno, mas importante, do CNPq/Edital Gênero. Em função disso conseguimos também uma bolsa de iniciação científica dentro da universidade e agora uma bolsa de extensão rural para trabalharmos especificamente uma das partes da pesquisa. Mas, o nosso principal apoio é do Núcleo de Estudos de Agricultura e Desenvolvimento (Nead) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que comprou a idéia e vem garantindo o mais importante que é o nosso deslocamento. A proposta era conseguirmos chegar nas organizações nacionais dos movimentos, nas organizações de juventude. Achamos importante acompanhar os eventos nacionais, congressos, seminários de juventude, achei que o caminho da etnografia do evento era bom e, de fato, tem se mostrado interessante. Era um espaço para entrevistarmos as lideranças que estão hoje na organização da juventude nos movimentos sociais, o que também funcionou. Interessante é que tem participado com muita freqüência dos congressos nacionais lideranças antigas dos movimentos, que estão nas direções nacionais dos movimentos. Também temos conseguido chegar neles nesse momento. Nesse processo achamos interessante fazer um perfil do evento, porque era um desperdício não saber quem eram esses jovens pelo menos em traços gerais. Por exemplo, a pesquisa mostrou que tem um alto índice de sindicalização individual do jovem, independente de sua família, o que é uma novidade. Até bem pouco tempo, o pai se sindicalizava e a família estaria representada em termos de seus direitos associativos e, no sentido político. Ou seja, a família se considerava representada na figura do pai. As mulheres  começaram a romper com isso e agora os jovens também estão rompendo. Encontramos situações que tinha mais jovens solteiros sindicalizados  do que suas próprias famílias. Isso aponta para os movimentos a possibilidade de renovação no espaço sindical.

OJ - O foco da pesquisa são apenas os jovens rurais que participam de movimentos sociais?

 EG - Estamos trabalhando com a juventude rural da produção familiar mais clássica, que envolve camponeses, agricultores familiares, que se identificam como trabalhadores rurais e pequenos proprietários, organizados em alguns movimentos. Tais como, os sindicatos de trabalhadores rurais, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o Movimento de Pequenos Agricultores. Não estamos trabalhando, por exemplo, com os ribeirinhos, com as quebradeiras de coco, com os quilombolas. Fizemos esse corte para trabalharmos no diálogo com o Plano Nacional de Reforma Agrária. O Plano num primeiro momento e como principal público alvo atinge essa população. Agora aos poucos está começando a dialogar com essas outras populações, mas até então, o publico alvo é o pequeno produtor familiar que foi expulso de sua terra, ou que nunca teve acesso a ter inserido em algum movimento.

OJ - Vocês acompanharam quais eventos até agora?

 EG - Três até agora, na verdade, acompanhamos cinco, mas em três fizemos um trabalho mais profundo. O Segundo Acampamento de Jovens da Agricultura Familiar, em março, organizado pela Fetraf Sul. Lá, fizemos o perfil e as entrevistas. Em maio, acompanhamos o Grito da Terra Brasil, dentro desse evento, que é organizado atualmente pela Contag, teve um espaço que foi um seminário só com jovens que participavam do programa Jovem Saber. Fizemos também o perfil e pudemos acompanhar etnograficamente todo o processo de negociação da juventude da Contag junto ao governo federal. Em julho, acompanhamos o Segundo Congresso Nacional da PJR, o primeiro foi em 2000 e o segundo esse ano, em Brasília. São congressos que juntam de 500 a 1000 jovens, que foi o caso da PJR e estão revelando que tem uma identidade em construção que é essa identidade juventude rural, que também assume muitas faces: juventude da agricultura familiar, juventude camponesa. E Tem uma identidade política em construção, no sentido de um ator político que está se colocando a partir da identidade juventude rural.

OJ - Existe, então, uma preocupação com a formação política dos jovens desses movimentos?

 EG - Essa tem sido uma das maiores preocupações e eu sinto que já está dando resultado. Nos três casos que acompanhamos de perto, o principal esforço tem sido o de criar espaços e programas de formação política interna. O Ministério do Desenvolvimento agrário (MDA) tem, em alguns momentos, entendido a importância não só da formação profissional, que está em debate e que tem programas do governo hoje, mas também entende dentro disso a importância da formação política. Um outro espaço que a pesquisa acompanhou foi o 6º Acampamento de Juventude Latino-Americana em Buenos Aires, que teve forte participação dos movimentos que compõem a Via Campesina. Dos movimentos que eu estou acompanhando fazem parte da Via Campesina a PJR, o MST, o Movimento dos Pequenos Agricultores e o Movimento das Mulheres Camponesas. Esses movimentos estavam lá e foi muito interessante poder observar que essas questões que estão aparecendo no Brasil são questões que estão colocadas nos outros países da América Latina hoje.

OJ - Respondendo à pergunta que dá nome à pesquisa, esses jovens estão ou não saindo?

 EG - Nós não temos uma pesquisa quantitativa/qualitativa nacional, e também não sei até onde conseguimos dar conta do que significa sair. É claro que tem sim um processo de migração de jovens do campo para a cidade. Isso também não é nada novo. Esse processo de migração atinge a juventude porque os problemas sociais em algumas questões específicas atingem de forma mais violenta a juventude. Estamos falando de uma geração que quer acesso à educação, diferente de duas gerações atrás que nem buscava isso. Essa educação não está no campo, por exemplo. Se a juventude quer acesso à renda e ao lazer, isso ainda não está no campo. Mas há, por outro lado, questões intrínsecas à lógica da reprodução da produção familiar, essas relações de hierarquia dentro da própria organização do trabalho familiar, que também contribuem para tensões que podem gerar a saída do jovem do campo. Precisamos entender que esses problemas vão além de uma leitura inicial que se fez como se fosse uma simples atração do jovem pela cidade. É claro que existe, mas isso nos explica muito pouco. Temos que tentar entender quais são as questões estruturais que fazem esse jovem sair do campo. É preciso entender mais essas questões e poder enfrentar o debate político, que significa discutir reforma agrária no país a partir desse olhar. Pensar a juventude dentro dessa perspectiva, não separá-la dessa grande problemática da reforma agrária no país e não tratá-la como se fosse uma população que tem questões específicas apenas. As muitas pesquisas qualitativas que vêm sendo feitas nos últimos tempos mostram o contrário, mostram que a primeira preocupação dos jovens aponta para essas questões estruturais. A falta de interesse por morar no campo, não gostar de morar no campo e até mesmo não gostar da produção agrícola não é a questão que muitas vezes aparece na frente. O que aparece na frente é a dificuldade de ficar caso queira. Claro que muitos não querem. Mas eu brinco assim: por que não se pergunta o motivo dos jovens da cidade circularem? Eles não nascem, crescem e morrem dentro do lugar onde nasceram. Mas para o jovem rural, isso parece quase uma obrigação. Claro, se não a reprodução da produção familiar não acontece. Mas porque não considerar também o desejo de parte sair da casa dos pais e buscar outras inserções como um processo social equivalente à saída dos jovens urbanos da casa dos pais e sua circulação. Temos que tentar perceber que o "ficar e o sair" é muito mais complexo, às vezes é temporário, às vezes faz parte do dia-a-dia, do cotidiano e das estratégias da própria família, não significa necessariamente ruptura. Ficamos lendo o tempo todo a saída como ruptura e já tem autores que para nós hoje em dia são clássicos, como o Afrânio Garcia, no livro Sul o Caminho do Roçado, que já apontava algo diferente. A outra questão que é importante quando falamos na saída dos jovens também nesse giro é: mas os que querem ficar, querem ficar por que? Alguns querem, e não são poucos senão os movimentos não estavam se organizando em torno disso. A minha preocupação hoje é saber o que faz o jovem ficar e quais são as outras questões que ainda, apesar desse grande diagnóstico da imensa desigualdade do campo no Brasil, faz com que você tenha vários movimentos de juventude rural construindo identidades como: juventude camponesa, juventude da agricultura familiar querendo ficar no campo. Uma das bandeiras fortes que já apareceu e agora vai ficar cada vez mais forte é a educação no campo.

OJ - Essa é a principal bandeira da juventude rural hoje?

EG - É a grande bandeira que vai aparecer agora e que eu acho que pode até unificar alguns movimentos que tradicionalmente não se unificam em torno de outras questões. Até bem pouco tempo havia a discussão sobre o que era melhor – os jovens serem transportados em meios de transporte das prefeituras municipais para uma educação urbana ou os jovens terem uma educação no campo. A meu ver, nós avançamos na não dicotomização entre educação do campo e da cidade. Entender que estamos falando de uma educação universal, ainda que tenha que ter presente o mundo rural como conteúdo, hoje invisível na educação brasileira. Mas, também, entender quais são os estigmas em relação ao meio rural e as dificuldades para estudar na cidade hoje e o que isso representa. Entretanto, o problema concreto é que o jovem não chega lá. A recente Pesquisa Nacional da Educação da Reforma Agrária mostrou que só se estuda até a quarta-série, no máximo até a quinta-série. Completara a oitava série já exige um esforço violento da família para manter o jovem na escola, um esforço dele mesmo, de andar quilômetros. O acesso ao Ensino Médio é praticamente impossível, como demonstrou a Pesquisa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PNERA), realizada pelo INEP/MEC. Isso se soma à realidade do jovem da periferia urbana, o não acesso ao Ensino Médio é uma realidade da juventude brasileira. No caso do jovem rural isso só se agrava porque ainda por cima a escola é longe. Se a escola na periferia urbana é uma escola com problemas, no espaço rural ela nem existe. Então, a bandeira que está vindo pela frente de forma bastante clara é o Ensino Médio chegar ao meio rural e a universidade também chegar ao meio rural.

OJ - A universidade está mais longe ainda...

EG - Tirando alguns pólos que estão mais voltados para o agronegócio do que para a produção familiar, tem alguns espaços onde existe uma interiorização da universidade, mas fora isso é um país onde tudo está voltado especificamente para nichos dentro da grande metrópole. O meio rural brasileiro sofre com a desigualdade histórica entre campo e cidade. O que o jovem identifica hoje e sente com clareza é que, apesar dele hoje conseguir se deslocar, ter acesso à informação e a caminhos para conseguir renda mais rápido do que seus pais, ainda assim a distância econômica entre o campo e a cidade é infinitamente maior do que a distância física entre o campo e a cidade.

OJ - O que, então, faz esses jovens ficarem no campo?

EG - Não arriscaria dizer que há uma resposta única para isso. Os processos de organização de luta pela terra dos últimos 20 anos incorporaram as crianças e os jovens de uma maneira muito intensa. Quando discutimos qual é a herança da terra não estamos discutindo qual é a herança da terra física, do patrimônio físico, apenas, estamos discutindo muitas vezes a herança da luta pela terra como uma herança que atravessa gerações. Na pesquisa que fiz para minha tese eu encontrei jovens de origem urbana, que os pais tinham origem rural, que foram para o processo de acampamento. Isso está acontecendo no país, em vários lugares e, hoje, são pessoas ganhas para o processo, no sentido de que atuam, são as que querem tomar conta do lote. É um processo de socialização, um processo político de construção desse jovem como produtor rural, como camponês, como pequeno agricultor, as identidades são muitas, como ribeirinho. Esse é um processo que hoje incorpora as crianças e os jovens. Não é ainda uma conclusão da pesquisa, mas me parece que esse processo dos jovens conseguirem se organizar faz parte dessa socialização que vem acontecendo dentro do espaço dos movimentos sociais. Eu acho que a reprodução da produção familiar, do prazer de estar na terra, que envolve essa experiência de vida que é única, ainda é um dos elementos fortes que atrai o jovem para mantê-lo na terra. A imagem de violência urbana também se contrapõe a uma imagem de um rural mais bucólico, embora ele saiba que tem muitos problemas. Mas para o jovem é um espaço bom de morar. Por mais paradoxal que possa parecer, pode não ser um espaço bom para o lazer, para a educação, para o trabalho, para mais nada, mas para morar é um espaço bom. Há um esforço também da família. A história da reprodução familiar é uma história de gerações e dos conflitos entre gerações. Na pesquisa para a tese, trabalhamos três gerações, a partir da geração mais nova trabalhamos entrevistando os seus pais e em alguns casos entrevistando seus avós ou eles contaram sobre o que era a vida com seus pais ou com seus avós. Os adultos de hoje reclamam de seus pais, que eram duríssimos, autoritários. Mas a leitura de que há esse conflito não pode estar associada à idéia de que a família está necessariamente em crise. Eu pelo menos não vi isso. Aliás, eu vi muito pouco espaço de violência familiar no meio rural. O que não significa, que não exista violência, mas principalmente de que não exista tensão e disputa de poder. E isso não necessariamente significa ruptura. Muitas vezes significam caminhos de negociação. E quando o caminho não é possível o jovem sai mesmo. Mas saindo ou ficando há negociação para manter os laços fortes.

OJ - Existe a percepção de que é preciso se pensar em políticas públicas para juventude rural?

EG - Ainda não tenho um diagnóstico sobre isso e não queria me arriscar muito. Mas o problema é que as grandes políticas pensadas para a juventude são novas e poucas. Juventude rural não é publico alvo, por exemplo, do maior programa de juventude que é o ProJovem. Foi realizado o Seminário Nacional do Plano Nacional de Juventude da Câmara dos Deputados, eu participei do seminário no grupo de trabalho (GT) de juventude rural. No GT, havia reivindicação para que os grandes programas de juventude incorporassem a juventude rural não como um nicho, mas dentro do programa, transversalmente. O problema é que hoje não está. Os programas específicos foram acontecendo dentro dos programas de cada ministério. Por exemplo, dentro do Plano Nacional de Reforma Agrária, dentro do Ministério do Desenvolvimento Agrário há duas importantes iniciativas. O Pronaf Jovem, que é o programa de crédito para o jovem dos assentamentos rurais e o Primeira Terra, que é um programa de crédito para comprar terra. Há muita queixa na implementação desses dois programas, eles ainda estão em muita discussão. Alguns movimentos apóiam, outros não. Eu considero que esses são os dois grandes programas que ainda são, na verdade, muito pequenos e que não dão conta da questão. Os três níveis – federal, estadual e municipal – enfrentaram muito pouco a questão. Se enfrentou muito pouco as questões estruturais e menos ainda as questões que dizem respeito especificamente a juventude. O debate sobre políticas públicas para a juventude do campo ainda está por vir.

O trabalho na vida do jovem: perspectivas diferentes

Em entrevista ao Observatório Jovem, a professora da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense Tereza Carreteiro fala sobre a relação entre os jovens e o trabalho

Tereza Cristina Carreteiro é doutora em Psicologia Social Clínica pela Universidade de Paris VII e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Além de juventude e trabalho, a professora tem realizado pesquisas sobre exclusão social, subjetividade, história de vida e comunidade.

Observatório Jovem (OJ) - Em parceria com o Ibase, o Observatório Jovem fez uma conversa com jovens de diferentes perfis sobre o tema trabalho. Pudemos perceber que o tema perpassa de maneira significativa o imaginário de todos. Por que o trabalho tem esse valor na vida do jovem?

Teresa Carreteiro (TC) – O trabalho começa a ser a partir da Revolução Industrial um organizador da sociedade. Cada vez mais o trabalho vai ter um cunho identitário importante para os indivíduos de modo geral. Se você analisa no Brasil, os direitos sociais ficaram ligados à questão do trabalho. Me parece que muito recentemente há  uma mudança no Brasil e os direitos sociais passam a não estar ligados ao trabalho. Isso é uma questão. Por outro lado, me parece que o trabalho de certo modo vive uma crise. Trabalho com as teorias de um pesquisador que se chama Yves Barel. Ele diz que o trabalho é um grande organizador social, no entanto, a crise pela qual passa faz com ele não seja mais o organizador. Mas o que acontece é que a gente não sabe o que pode colocar no lugar desse organizador. Então esse pesquisador diz que é como se o trabalho continuasse a ser o grande organizador social. Mas percebemos que existe uma certa fragilidade aí. Agora, eu acho que para o jovem, já há muito tempo, o trabalho tem um lugar de centralidade. Toda a sociedade vai enfatizar esse lugar. A escola vai enfatizar de n maneiras. Tem escolas que se colocam um pouco na gestão do tempo futuro dos jovens, incutindo muito essa idéia de trabalho. Pensando muito em dar um leque grande de formações para que os jovens possam ficar capacitados para esse lugar futuro. Eu acho que em outras escolas, é isso que eu estou tentando verificar agora, isso não acontece tanto, mas a temática está sempre presente.

OJ – Há diferenças entre escolas públicas e privadas nessa valorização do trabalho?

TC – Eu acho que sim. Mas ainda não posso afirmar com certeza. Existem escolas e escolas. É claro que algumas instituições privadas tem muito mais recursos, inclusive, para propor atividades que sejam extra-escolares. Eu estou percebendo que para determinados segmentos de jovens há uma relação forte entre trabalho e sobrevivência, para outros segmentos eles colocam trabalho e realização pessoal e para outros, ainda, o trabalho atua como uma ponte para a realização pessoal, mas a questão da sobrevivência também é muito premente.

OJ – E o papel da família?

TC – As famílias estão cada vez mais incentivando os jovens para se capacitarem o máximo possível, geralmente através dos estudos, para conseguirem um trabalho. Algumas famílias conseguem mais ajudar o jovem nesse acompanhamento. Outras dizem para o jovem estudar primeiro e ganhar a vida depois. Ou seja, de acordo com a categoria social, algumas incentivam mais na questão da sobrevivência, até porque é uma necessidade mais premente. Principalmente para os rapazes é um momento de angústia muito grande quando vai se aproximando os 18 anos, idade que traz esse símbolo da maioridade, muita coisa vai mudando e eles sentem que tem que ter uma responsabilidade grande. De modo geral, as famílias de classe média e média alta  se colocam um pouco como se fossem gestoras do futuro dos filhos. Essa quantidade de coisas que fazem nossos adolescentes, diversos cursos, é um pouco como se as famílias estivessem tentando ser gestoras de um tempo futuros desses filhos. De certo modo, todas as famílias estão se vinculando a essa realidade na qual o mercado de trabalho é muito adverso. Quanto mais capacitação você tiver, melhor vai se inserir nesse mercado. Eu trabalho com um autor que se chama Vincent de Gaulajac, ele fala muita dessa questão da sociedade como uma grande gestora. Essa idéia de gestão vai se segmentando nas instituições familiar, escolar... Sempre se pensando  nesse tempo mais tarde.

OJ – Como você vê a idéia na qual o “ócio” é visto como negativo e precisa ser combatido?

TC – Eu já trabalhei em algumas localidades onde existia um contexto social com uma violência muito grande. Aí me chamou muita atenção essa questão do ócio. O ócio sempre visto como negativo. É interessante como nesses momentos as pessoas explicitam uma série de ditados populares como “o ócio é inimigo do trabalho”, “cabeça vazia morada do diabo”. Este último ditado tem uma pregnância, uma força muito grande. Quando se trabalha com essa questão do ócio, com a idéia de que “é melhor estar aqui do que estar na rua” – muitas instituições trabalham com essa idéia –  me parece que para o jovem é muito difícil de lidar com isso. É como se ele pudesse ser representado como alguém que pode se tornar perigoso. É como se tivesse uma potência de perigo. Essa é uma questão muito complicada. Determinados segmentos de jovens, que vivem em certas localidades com um nível de tráfico de drogas e violência grande, são vistos como tendo essa potência de perigo. Cria-se um sofrimento para o sujeito e é uma coisa muito difícil de tocar. É quase como se existisse um modo de reagir a isso, que é pelo ser herói, pelo trabalhar muito, para mostrar que não é um sujeito potência de perigo. Então, o trabalho é como se fosse algo para desviar desse imaginário. Eu acho que é um trabalho que cumpre todas essas funções de construção de identidade, de sobrevivência, mas cumpre ainda mais essa função que é a de poder afastar do ócio, visto como negativo.

OJ – Para um jovem de classe média é diferente?

TC – É muito diferente. Eu acho que para o jovem de classe média o ócio não é visto com essa idéia de potência de perigo, é visto mais no sentido de questionamento sobre o que o jovem vai ser mais tarde, uma questão mais de objetivo. Talvez esse cenário que se ligue ao ócio seja mais o cenário do desemprego, de não ter uma boa colocação, de não alcançar um lugar de excelência, que está no imaginário social.

OJ – Você acha que o jovem tem um retorno pela capacitação profissional que ele procura ou é aconselhado a procurar?

TC – É importante analisar qual é o mercado de trabalho atualmente. O que se pede de um trabalhador, aí eu estou usando a idéia de trabalhador em um sentido bem amplo, é que ele tenha o máximo de conhecimento, o máximo de capacitações, e que ele seja o mais flexível possível. Tem um autor, Alan Ehrenberg, que trabalha com a idéia de que todo o indivíduo, dentro do imaginário atual é um indivíduo insuficiente, sempre tem que ter mais alguma coisa. Você sempre tem que alcançar mais. É como se nunca pudéssemos nos sentir satisfeitos com um determinado patamar. Eu acho que isso está em todos os trabalhos. Para o jovem, o mercado é muito cruel porque ele vai querer aquele que seja o mais flexível e tenha o máximo de capacitações possível. Então, sempre vai haver esse desajuste entre o que é oferecido e o que o jovem está podendo dar naquele momento.

OJ – Essa exigência não choca com a questão da educação? Como o jovem vai estudar se ele precisa se doar tanto para o trabalho?

TC – É verdade. É como se os sujeitos tivessem que ser sempre múltiplos. O tempo tem que ser um tempo enorme, não dá mais para ser só de 24 horas. Isso é uma cobrança muito grande para o jovem. Mas eu acho que a gente tem também que iluminar isso a partir do que se pede dos trabalhadores de modo geral hoje. O que se pede é que ele seja super, se atualize o máximo possível, possa acompanhar o máximo possível uma série de transformações.

OJ – Você  defende  que deva haver políticas públicas de trabalho para a juventude?

TC – Eu acho que sim. Eu não posso te falar muito sobre as atuais políticas de juventude porque eu não estou estudando muito isso. Mas, uma das críticas que eu tenho sobre as políticas de capacitação é que elas são muito pontuais para os jovens. O jovem participa de um projeto de capacitação, termina e fica muito investido no momento que ele está e depois é como se não tivesse um acompanhamento dessa capacitação. Ele termina e está de novo entregue a ele mesmo, só mais capacitado. Nós no Brasil trabalhamos ainda muito com essa idéia de pontualidade e não tem muito acompanhamento do Estado para depois disso. A idéia que é muito ilusória é de que se você está mais capacitado, você vai conseguir. Mas como é que se acompanha esse jovem nesse momento de transição? Ele fica de novo sozinho. Tem um momento que cai em um certo abismo e o jovem tem que segurar sozinho. Eu não estou dizendo que não prezo a questão da autonomia, mas é preciso poder se criar modos políticos de acompanhamento. De certo modo, nossos jovens reagem muito bem, querem sempre participar dos projetos e de repente caem de novo em um certo limbo.

OJ – Existe alguma diferença na concepção do trabalho para jovens homens e mulheres?

TC – Eu acho que, de um modo geral, a sociedade é mais complacente com as mulheres do que com os homens. Eu estou pesquisando em uma localidade de baixa renda, mas não tão baixa, não quero dizer que esses dados são conclusivos. O que o grupo de pesquisa tem percebido é que para as meninas há essa questão de ter mais tempo para poder escolher. A família tem mais paciência. É interessante que tem uma baixa renda que é parecida muito com a classe média. Para os meninos o fato de ter 18 anos é muito mais angustiante porque realmente é um marco. Agora, é como se o jovem pensasse que todos os valores que ele recebeu da família ele tem que colocar em prática, tem que ser uma pessoa que arque com as despesas dele, que tem que ajudar em casa. Eu já fiz uma pesquisa preliminar em uma favela da zona norte, onde os meninos tinham muito essa idéia de ser provedor da família. Isso era menos pregnante com relação às meninas. O modo como as meninas tinham que ajudar era mais ajudando na administração doméstica. Há pouco tempo eu fiz umas entrevistas exploratórias na praia. Começamos a entrevistar rapazes e moças. Essa questão da família ser mais condescendente, aí eu estou falando de classe média mais alta, no caso das moças a família dizer que é importante fazer o que o jovem queira, dizer para não trabalhar agora, para trabalhar mais tarde, mas naquilo que a jovem achasse que fosse bom para ela. Essa questão também passava pelos rapazes que entrevistamos, mas era uma questão onde o ter que trabalhar era mais premente, ter que ganhar dinheiro. Agora, eu acho que a questão da realização social é um marcador das expectativas das diferentes classes sociais.Tem uns que colocam a realização social em primeiro plano e para outros essa realização pessoal existe, mas às vezes nem é muito questão.

OJ – E o sonho do jovem em ter uma profissão?

TC – Eu acho que tem sonhos que fecundam a realidade e, às vezes, a premência da necessidade em categorias sociais de baixa ou baixíssima renda, essa premência não faz com que o sonho possa fecundar a realidade e o sonho fica muito nessa esfera da idealização. Enquanto que para a categoria social de classe média e media alta é possível você ter uma proximidade maior com o que você chama de sonho; eu chamaria de um projeto. E o jovem tentar ver o que pode fazer na realidade com esse projeto. Eu acho que tem uma questão que institucionalmente categorias sociais de renda mais elevada têm muito mais condições de buscar os instrumentos na realidade e ir organizando esse projeto. Em certas categorias sociais existe uma ausência de instrumentos para realização desses projetos.

OJ – Para esses jovens de classes populares, o Ensino Superior é visto como uma possibilidade para conseguir um trabalho?

TC – Para alguns sim, mas outros nem pensam nisso. As profissões midiáticas tem um apelo enorme. Eu chamo de profissões midiáticas aquelas que vão enfatizar o esporte, a imagem, as artes. Então, ser cantora, manequim, artista, ator, DJ tem um apelo muito grande.

OJ – Por que?

TC – Eu acho que tem uma influência da mídia televisiva enorme. Os exemplos de sucesso próximos são o jogador que veio de baixo, o DJ, a cantora. Tem uma série de figuras de identificação que são próximas e me parece que essas profissões de certo modo condensam alguns atributos que são muito valorizados socialmente, que é a questão do corpo, da velocidade, de conseguir uma profissão de maneira rápida. Essa coisa da rapidez, de você poder se tornar de um dia para o outro. Todos esses programas de televisão, os reality shows, é isso que eles fazem, criam celebridades de um dia para o outro. Então, essa questão da celebridade é muito presente no sonho dessas profissões. E eu acho que se elas estão tão presentes é porque outras no universo social no qual esses jovens vivem não estão tão presentes. O que, por exemplo, que eles convivem com advogado, desenhista, com psicólogo, comunicador social... Convivem com o médico e, às vezes, advogado, então pelo pensamento deles passa médico, advogado e professora porque essas profissões estão no horizonte social. Policial também passa. Ser militar para muitos é importante. Mas o que percebemos mais são as profissões midiáticas. Toda a mídia reforça isso. Existe uma ausência para o jovem que vive em determinadas localidades que tem muitas dificuldades, de encontrar perto dele propostas de outras profissões que poderiam ajudá-lo a criar algumas idéias profissionais como pólo de identificação.

OJ – A mídia atua também de forma a criar a idéia de que algumas profissões são subalternas?

TC – Eu não tenho dúvidas. Tem uma série de mensagens que vão passando. Escrevi um artigo sobre reality shows. Teve uma época que prestei atenção a uma chamada para um Big Brother, foi depois de uma moça ter ganhado o Big Brother, então ela estava linda, maravilhosa, com um copo de champagne na mão e tinham duas empregadas domésticas. Ela tinha uma atitude de desprezo com aquelas duas empregadas domésticas. As duas, então, conversavam entre si e o que elas falavam era que iria haver o Big Brother e que elas deveriam se candidatar. Repare só, se analisamos essa chamada, o que se está valorizando é essa dondoca que pede um copo de champagne e que está tendo uma atitude de humilhação, de menosprezo em relação às duas pessoas que trabalham na casa dela. E elas vêem como a única saída alguma coisa que vai passar pela televisão. Esse é um exemplo, mas têm muitos outros. Todo o trabalho tem a sua positividade, qualquer que seja o trabalho você tem que ter criatividade para exercê-lo.

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Eles não usam black-tie, de Leon Hirzman, Brasil (1984)

Pão e Rosas, de Ken Loach, Reino Unido/França/Alemanha/Espanha/Suécia (2000)

Tempos Modernos, de Charles Chaplin, Estados Unidos (1936)

O Corte, de Costa-Gavras, Bélgica/Espanha/França (2005)

Entrevista com Rafael Pops (Juventude PT)

Rafael Moraes

(Pops), 26 anos, é Secretário Nacional da Juventude do PT e possui graduação em Ciências Políticas

Observatório Jovem (OJ) – No programa de governo do candidato Lula há a seguinte proposta no ponto Juventude: "ampliar e consolidar as políticas de juventude integrando e articulando ações". Quais políticas públicas específicas para a juventude do atual governo que seriam mantidas e/ou ampliadas com um novo mandato do Presidente Lula?

Pops – Nós vamos lançar no dia 19 de outubro o caderno temático sobre juventude. Nesse caderno definimos com mais propriedade o que significa integração e ampliação das políticas de juventude. Definimos cinco grandes diretrizes. A primeira é tratar a política de juventude como uma política de Estado, que a política de juventude esteja ligada aos grandes desafios de estado, de desenvolvimento, de progresso do país. A segunda é articular políticas específicas com políticas emergenciais e políticas universais, ou seja, a juventude é um período da vida que exige políticas específicas, mas a juventude é o setor que foi atingido de maneira especial durante o neoliberalismo e durante os anos de exploração do Brasil e, que, por isso, precisa de medidas emergenciais, além disso, precisa de medidas universais como saúde e educação. A terceira é ter educação e trabalho como uma nova diretriz, que coloca uma interface mais direta entre o mundo da escola e o do trabalho levando em consideração a realidade do jovem. A quarta (diretriz) é a defesa da participação da juventude nas políticas de juventude. E, por último, a gente chamou de uma diretriz de "viver a juventude". Essa diretriz faz uma interface entre esporte, lazer, cultura, vida segura, ou seja, a juventude não viver tantas questões do risco social, como é colocado para os jovens da periferia alijados da prática do lazer, do esporte, do acesso à cultura.

OJ – Dentro dessas diretrizes, quais as políticas atuais que serão mantidas?

Pops - No programa setorial nós fizemos o balanço de que até 2003 o que havia no Governo Federal eram políticas isoladas nos ministérios, com poucas interfaces entre si. A partir de 2003, com o grupo interministerial e depois com a Secretaria Nacional de Juventude começamos a ver políticas nos ministérios e a interface dessas políticas. Esse processo de articulação precisa ser ampliado porque hoje temos muitos projetos de juventude como, por exemplo, o ProJovem, que tem as Estações de Juventude, que pode muito bem ser articulado com os Pontos de Cultura – uma outra política específica do Ministério da Cultura. Essa articulação entre as Estações de Juventude e os Pontos de Cultura é uma proposta. A ampliação do ProJovem para regiões fora das regiões metropolitanas é outra. O ProJovem é uma das políticas que mostrou uma nova interface entre educação e trabalho e que enfrenta de maneira significativa duas demandas da juventude, que é acesso à educação para aquele jovem que não pôde completar os estudos e ao mesmo tempo ter condições de ter uma formação profissional de maneira mais ampla. O ProJovem abarca, inclusive, profissões mais próprias da juventude como o DJ. Falamos também da necessidade da ampliação do ProUni e da idéia do fortalecimento do ensino técnico, que foi feito no último período. Na questão da política de Estado defendemos que o Governo Federal tenha um papel protagonista com relação aos outros entes da Federação – estados e municípios – na defesa e na articulação de um sistema nacional de políticas de juventude, que articule essas políticas nos três níveis.

OJ – Você citou o ProJovem. O programa oferece estudo aos jovens apenas até o ensino fundamental, essa expansão do Pro Jovem viria também no sentido de oferecer o ensino médio?

Pops – A princípio, o que vimos discutindo no Governo Federal é ampliar o ProJovem ainda mais, para além das capitais. O ProJovem é um projeto piloto que recentemente foi reconhecido como módulo de educação pelo Conselho Nacional de Educação, o que para nós é uma grande vitória, ou seja, os alunos têm direito ao diploma do Ensino Fundamental. A idéia é trabalhar na ampliação dessa iniciativa para um número maior de jovens, mesmo porque em algumas cidades como São Paulo, onde a prefeitura não deu ênfase a esse programa, de 35 mil jovens que poderiam ser atendidos em São Paulo, hoje temos mais ou menos sete mil atendidos. Parece que agora começaram a perceber o impacto dessa política e estão começando a avançar. Então, a ênfase no próximo período é fortalecer o ProJovem, consolidá-lo no maior número de cidades possível e sair das regiões metropolitanas, essa é a primeira meta. Agora, todos os estudos colocam para a gente que o Ensino Médio é um grande gargalo na educação. No nosso programa nós falamos que a aprovação do Fundeb e a permissão para a construção de novas escolas técnicas caminham no sentido da busca pela universalização do Ensino Médio. Mas a ampliação do ProJovem vem no sentido de consolidar o projeto, porque como ele é um projeto piloto ainda há muitas adequações que precisam ser feitas cuja necessidade é percebida de acordo com as realidades. Por exemplo, na cidade de Aracaju tem um estudo feito sobre a territoriedade da juventude, ou seja, uma Estação da Juventude colocada em determinada região atende a uma parcela da juventude da cidade, mas não atende a outra parcela por causa da territoriedade. Há uma série de arranjos inovadores nesse projeto que precisam ser maturados para conseguirmos dar um salto ainda maior nessa perspectiva. Esses arranjos podem servir, inclusive, para pensarmos um projeto para o Ensino Médio, mas atualmente trabalhamos só com o ProJovem nesse nível, inclusive porque o impacto orçamentário de um projeto como esse no Ensino Médio é muito grande. Temos uma perspectiva de avanço gradativo para a gente não criar uma expectativa na juventude e não poder corresponder com ela.

OJ – O ProJovem é um programa focal que atende a jovens que não possuem emprego formal. Essa condição será repensada?

Pops – O que a gente vem discutindo no sentido de repensar as políticas de ação é no projeto do Primeiro Emprego. O Primeiro Emprego era focal em jovens em situação de risco social. O debate que vem sendo feito e no programa falamos na necessidade de reestruturação do projeto Primeiro Emprego é que nas políticas de ações do programa é preciso ter uma perspectiva mais ampla do jovem, não trabalhar apenas com um segmento da juventude. O ProJovem é para esse segmento de 18 a 24 anos, que não terminou até a 8ª série, ou seja, são jovens que saíram do sistema educacional e que trabalhamos para eles retornarem a esse sistema e ao mesmo tempo terem uma formação profissional.

OJ – O Observatório Jovem visitou um núcleo do ProJovem aqui no Rio e pudemos perceber que essa capacitação profissional naquela unidade é precária;dentre outros aspectos, por exemplo, acontece apenas uma vez por semana e não encaminha o jovem para o mercado de trabalho...

Pops – Como eu falei, o Pro Jovem é um projeto piloto. Nós temos experiências muito bem sucedidas e experiências que precisam ser adequadas. Como eu disse, é uma modalidade de educação que foi recentemente reconhecida pelo Conselho Nacional de Educação. Então, é por isso que não queremos ampliá-lo para o Ensino Médio antes de ter consolidado esse modelo de educação para o Ensino Fundamental. È importante ressaltar também que o ProJovem é uma política que passa pelo empenho das prefeituras. Como eu já dei o exemplo, a prefeitura de São Paulo não deu nenhum peso, é o mesmo caso do Distrito Federal. Agora se pegamos como exemplo prefeituras como a de Salvador, Recife, Aracaju, são cidades onde o projeto está se desenvolvendo, tem seus problemas porque é um projeto inovador, mas vêm trabalhando nas soluções. Essas questões sobre o ProJovem precisam ser colocadas com muita atenção para reformularmos o projeto. Sabemos que não é da noite para o dia que vamos conseguir fazer um projeto que reintegre o jovem ao sistema educacional e o capacite profissionalmente com êxito em todos os lugares. Por exemplo, há um problema que foi encontrado em diversas cidades, que é a própria capacitação do profissional em educação. São questões que precisam ser adequadas. Mas de maneira nenhuma essas questões perdem ou põem em risco essa política que para nós tem um impacto social muito importante.

OJ – Vai haver algum espaço amplo para essa discussão a respeito do ProJovem?

Pops – Eu acredito muito e acho que pode ser melhorado de maneira significativa o Conselho Nacional de Juventude. Uma das atribuições dele é avaliar como caminham as políticas públicas de juventude. Eu acho que o Conselho é um espaço que tem toda a legitimidade, onde dois terços é composto pela sociedade civil. Ao mesmo tempo em que eu acredito que também seria vitorioso realizarmos uma Conferência Nacional de Juventude, que também vai avaliar as políticas públicas de juventude. São espaços muito importantes de democracia direta. Sem esses espaços de participação dos jovens, o sucesso da política para a juventude fica muito em risco, porque há uma especificidade dessa política, principalmente em termos de geração. E também, é porque uma geração de juventude é diferente da outra, que ela precisa ser permanentemente avaliada.

OJ – Qual o lugar do ProJovem em um possível próximo mandato do Lula?

Pops – A nossa defesa é que o ProJovem continue vinculado à Secretaria Nacional de Juventude e no nosso programa nós falamos na necessidade de fortalecimento da Secretaria Nacional de Juventude. O ProJovem tem uma gestão compartilhada muito grande com o Ministério da Educação, mas ele é vinculado à Secretaria Nacional de Juventude. A nossa defesa é de que o ProJovem continue ali. Na minha avaliação é importante que a secretaria tenha alguns projetos específicos de juventude. Se o ProJovem estivesse no Ministério da Educação ele seria eminentemente educação. Se ele ficasse no Ministério do Trabalho ele seria eminentemente formação profissional. E ele precisa ser as duas coisas, ele precisa ser o reingresso dos jovens no sistema educacional e precisa ser uma oportunidade de formação profissional.

OJ – A Secretaria Nacional de Juventude conseguiu cumprir esse papel de integração das políticas públicas de juventude no atual governo?

Pops – A minha avaliação é que pela primeira vez isso foi iniciado no Governo Federal. A criação da secretaria e a participação da secretaria na formulação de projetos para a juventude foram muito importantes. Agora, eu não tenho dúvidas de que o que nunca foi feito vai ser feito de maneira perfeita em dois anos de secretaria. Eu acho que há muito mais para fazer, por isso precisamos estabelecer uma Política de Estado, ou seja, que essa política passe por todos os níveis e que tenha uma forte articulação entre todos os níveis da política de juventude. O ProJovem, por exemplo, é uma medida emergencial e tem um traço de política específica, que tenta dialogar com a necessidade e a realidade do jovem. Essa articulação precisa avançar. Eu acho que de maneira inédita o Governo Federal nesses anos deu um passo importante ao criar o GT Interministerial de Juventude, onde os diversos ministérios se articularam com a secretaria e com os programas de juventude em nível federal.

OJ – O Conselho Nacional da Juventude continuaria existindo em um novo governo de Lula?

Pops – A nossa perspectiva é a de que ele continue e tenha cada vez mais possibilidade de fortalecimento, de ser um espaço protagonista da juventude, na perspectiva das políticas de juventude. Há propostas, inclusive, a serem discutidas na conferência – isso não está colocado no programa de governo – que o próprio Conselho seja eleito na Conferência Nacional da Juventude.

OJ – Os atuais membros da sociedade civil no Conselho foram indicados. Então, há uma proposta para que eles sejam eleitos na conferência?

Pops – Isso não está fechado, não está no nosso programa. Em nosso programa está colocada a importância da Conferência Nacional da Juventude. E a conferência tem um papel deliberativo, de avaliação das políticas de juventude, tudo isso. A própria conferência pode dar um rumo para o Conselho que seja a eleição dos conselheiros na própria conferência, renovados de dois em dois anos, dependendo da periodicidade da conferência, tudo isso está em aberto. Nosso programa não fecha a questão dizendo que o Conselho deve ser indicado, nem fecha a questão falando que ele vai ser eleito. Esse é um processo que vai se dar pelo próprio movimento juvenil, porque, hoje, dentro das diversas organizações e movimentos juvenis há divergências sobre como deve ser a indicação e a composição do Conselho. Por isso, o governo precisa estudar mais o movimento juvenil e a partir daí decidir qual vai ser o processo. Na minha avaliação pessoal acho que seria um grande salto para a democracia brasileira e para as políticas públicas de juventude que a gente tivesse um Conselho cada vez mais representativo e com o desenho da juventude que está representada na conferência nacional. A juventude do PT nos diversos espaços que participou sempre defendeu que o Conselho Nacional da Juventude fosse eleito na conferência.

OJ – Como seria o processo de construção dessa conferência?

Pops – O governo Lula desencadeou um processo até o final desse mandato de conferências nas diversas áreas, por exemplo, teve a Conferência das Mulheres, a Conferência Nacional do Meio Ambiente, cada uma tem o seu modelo. Eu acredito que temos que realizar todo esse processo levando em consideração as diversas especificidades da juventude. Esse modelo da Conferência da Juventude não está pronto. Mas o modelo que a juventude do PT vai fazer é que seja desde a conferência municipal, passando pela conferência estadual e chegando na conferência nacional para atingirmos o maior número de jovens das diversas realidades. A realidade de um jovem de uma cidade de pequeno porte é uma, de médio porte é outra, de grande porte é outra, ou seja, precisamos construir essa pluralidade. Se fizermos apenas uma conferência estadual, corremos o risco de estar alijando a juventude das pequenas cidades. Então, eu acredito que temos que levar em consideração todos esses níveis da juventude. 

OJ – Você também tocou no Programa Universidade Para Todos – o ProUni do atual governo. O ProUni destina vagas das instituições privadas de ensino isentas de impostos a estudantes de baixa renda. Haveria alguma política em um novo governo Lula de ampliação do acesso e permanência desses estudantes nas instituições públicas?

Pops – Claro, o fortalecimento principal que o Governo Federal vem tendo na educação superior é na demanda da universidade pública. Se você pegar, por exemplo, os orçamentos da era Fernando Henrique Cardoso até o primeiro ano do governo Lula, que foi herança do Fernando Henrique, você vai ver que houve uma curva ascendente do financiamento da universidade pública. Não temos dúvida de que precisamos ampliar ainda mais e atingir os índices do Plano Nacional de Educação. O ProUni é uma política específica, emergencial de uma parcela da juventude que está fora. Mas a solução geral é o fortalecimento da universidade pública, por isso que nós criamos dez novas universidades federais, que já estão em implantação e em muitas já está tendo aula. Ampliamos para 42 campi de interior. Há propostas que já foram apresentadas no Congresso Nacional pelo nosso governo, pelo Ministério da Educação, de mecanismos que nós chamamos de assistência estudantil, que é uma defesa histórica do movimento estudantil, da União Nacional dos Estudantes. O ministro Paulo Renato em 1997 acabou com essa receita. Até 1997 nós tínhamos cerca de 300 milhões de reais que eram voltados especificamente para bolsa alimentação, para moradia e a própria ajuda, que era uma bolsa específica para os jovens carentes terem condição de estudar, tirarem xerox, tudo isso. Era uma política muito importante da qual foi cortada a verba pelo Ministro Paulo Renato, do PSDB. No nosso projeto da reforma universitária, que já está na Câmara dos Deputados, há a vinculação de 9% da receita da universidade somente para a política de assistência estudantil porque nós achamos que isso é uma forma de democratizar o ensino superior.

OJ – Mas esse percentual não é muito pequeno?

Pops – Sim

OJ – Aqui na UFF já temos cerca de 14% da receita destinada à assistência estudantil e ainda assim é muito pouco, não temos, por exemplo, uma moradia universitária...

Pops – Eu não tenho dúvida que algumas universidades, pela vitória do movimento estudantil, conseguiram manter a assistência. Mas eu pego, por exemplo, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que não tem receita nenhuma, não tem nenhum restaurante universitário, não tem política de moradia. Eu te falo o seguinte: hoje, das 58 universidades que temos, cerca de 20% apenas tem política para assistência estudantil e a maioria delas de maneira precária. A briga maior não é nem pela vinculação desses 9%, mas por uma rubrica específica para assistência estudantil. Isso trata mais do tema de educação do que do tema de juventude, nosso programa de juventude trata mais das questões específicas da juventude. Mas essa iniciativa da assistência estudantil é fundamental, é uma briga histórica. Agora, eu não tenho dúvida que para a maioria das universidades que não tem essa receita ter a partir de agora vai ser um avanço. Para a realidade da (Universidade) Federal Fluminense eu não tenho dúvida de que há a necessidade de ampliar cada vez mais o orçamento da universidade para permitir que a política de assistência estudantil seja estendida a um número maior de jovens.

OJ – O programa de governo do PT fala em fortalecer o ensino profissionalizante. O que sabemos que acontece e é uma realidade bastante cruel é que o jovem pobre não pode escolher como um jovem de classe média, por exemplo. Este jovem pode decidir entre fazer um ensino profissionalizante e a universidade ou as duas coisas. O jovem pobre geralmente só tem a opção do curso técnico. Como você vê essa questão?

Pops – A nossa perspectiva de articulação das políticas públicas é minimizar esse impacto que os jovens das camadas populares têm por não ter escolha. Hoje, você sabe quem vai conseguir chegar à universidade – apenas 9% da juventude chega – na própria maternidade. Essa realidade precisa mudar. Por isso que nós queremos articular os programas de educação para eles terem porta de entrada e porta de saída. Por exemplo, um jovem de 18 a 24 anos que sai do sistema educacional e que entra no ProJovem pode sair posteriormente no Ensino Médio e ter a porta de entrada no ProUni ou no projeto que encaminhamos ao Congresso Federal e que está paralisado, que é a reserva 50% das vagas para estudantes oriundos das escolas públicas na sua integralidade. Um jovem que entrou nessa perspectiva do modelo educacional de porta de entrada e porta de saída é fundamental porque o grande problema hoje dos jovens das camadas populares é que eles não têm a oportunidade de estudar. O jovem tem que começar a trabalhar, o estudo do Dieese mostrou isso, que 70% dos jovens que estão estudando e começam a trabalhar abandonam os estudos. Então, precisamos desenvolver políticas para o jovem não abandonar os estudos. Para coibirmos esse problema hoje, precisamos trabalhar em duas frentes. Primeiro, trazer esse jovem que saiu do sistema educacional. Segundo, que esse jovem que esteja no sistema educacional tenha uma complementação de renda, como o próprio ProJovem dá, que permita a ele não abandonar o Ensino Médio e, que, através de mecanismos como o ProUni e como a reserva de vagas ele tenha acesso ao ensino superior ou, se por opção dele, ele tenha acesso ao ensino técnico. Como o próprio estudo do Dieese coloca, a evasão é um problema e precisa de políticas específicas. Mas só essas políticas específicas não resolvem porque o jovem chega ao Ensino Médio e não consegue entrar na universidade pela própria porta do vestibular. Nisso o ProUni tem um papel significativo. Por exemplo, eu pego o caso da Débora, uma estudante de São Paulo. Ela tentou vestibular quatro vezes na universidade pública, já estava abandonando a tentativa de fazer o vestibular e estava na cabeça dela que o ensino superior não era coisa para ela. Mas através do ProUni ela teve a oportunidade.

 OJ – Como fica a qualidade de ensino que esse jovem atendido pelo ProUni vai ter nas instituições privadas, já que sabemos que a maioria dessas universidades não possuem o tripé ensino-pesquisa-extensão?

Pops – Aí entramos num problema que trata, inclusive, muitas vezes, das cotas para os negros, da reserva de vagas nas escolas públicas, já que o Pro Uni é uma medida emergencial. Nós herdamos um modelo do governo anterior no qual mais de 70% das vagas são ofertadas pelo ensino particular e menos de 30% são ofertadas pelo ensino superior federal público, ou seja, nós temos uma defasagem de vagas no ensino público muito grande. Então, se quisermos ingressar já esse jovem, permitir que desde já esse jovem ingresse no ensino superior e não fique alijado, vamos precisar de políticas que tenham vínculo com a iniciativa privada porque esse foi o modelo anterior. Ao mesmo tempo, nós ampliamos o número de vagas. O governo Lula vem mudando essa proporção que vinha crescente até a gente entrar no Governo Federal. Agora ela estabilizou e a quantidade de vagas nas universidades públicas vem crescendo. Era uma política na qual ficava amarrado, como iríamos democratizar? Só pela universidade pública teria um impacto muito pequeno. Por exemplo, de três milhões de jovens que entram na universidade, um milhão entra na universidade pública, com a reserva de vagas que queremos aprovar nós vamos colocar esse número em 5 milhões, mas ainda é pouco perto da juventude que está fora, da juventude das camadas populares. Por isso, montamos um mecanismo que é o ProUni, um mecanismo emergencial. E na outra ponta o ProUni serve para ser um mecanismo de regulamentação do ensino superior privado porque a partir do momento em que o ProUni oferece vagas que as universidades privadas precisam colocar no MEC, a fiscalização do MEC aumenta, tanto na filantropia, quanto nas outras especificidades. Todas as nossas iniciativas param no Congresso Nacional porque o ensino superior privado não quer nenhuma regulamentação do ensino superior privado. O Ministério da Educação vem, de maneira muito enfática, buscando esses mecanismos de fiscalização, fazendo o processo do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) , que é uma avaliação diferente do que foi o Provão e mecanismos mais duros de regulamentação do ensino superior privado.

OJ – Quando você fala que o ProUni é um programa emergencial isso quer dizer que ele teria um prazo para terminar?

Pops – Não tem um prazo específico na norma da lei para terminar até porque ele é um mecanismo de regulamentação da filantropia, ou seja, a lei brasileira, a Constituição Brasileira estabelece que é permitido universidades filantrópicas, (e) que (estas) precisam dar uma contrapartida social. Até a existência do ProUni essa contrapartida social era definida pelo dono da universidade, pela reitoria da universidade, e , muitas vezes, por critérios duvidosos. A partir do ProUni essa contrapartida social, essas vagas são dadas ao Estado e o Estado cria um mecanismo de seleção e prioriza os setores populares. Na perspectiva que a juventude do PT defende ele deve ser ampliado, o lobby da instituição privada diminuiu de 20% das vagas para 7% , nós achamos que deve ser 20% de vagas, retomar o programa original.

OJ – Você citou também o Programa Primeiro Emprego, ele continua?

Pops – O programa tem três frentes de ação – o Consórcio Social , a frente de economia solidária e a frente que passava pela formação profissional e o vínculo com o emprego direto. Essa questão da geração do emprego direto no Primeiro Emprego foi muito aquém do que se necessita da política de juventude. E em nosso diagnóstico ela foi aquém por dois motivos. Primeiro, é preciso ampliar o leque da juventude, trabalhar só com jovens do risco social, que tem baixa formação, acaba não conseguindo atingir uma política de emprego. Segundo, uma política de emprego para a juventude só tem um grande impacto com crescimento econômico do país, e por isso, o país precisa crescer cinco, seis por cento para conseguirmos alavancar uma política de emprego maior do que já aconteceu. Porque dos seis milhões de empregos gerados no governo Lula, 2,3 milhões foram para a juventude. Então, para o êxito do programa Primeiro Emprego é preciso um crescimento ainda maior. A reformulação que a juventude do PT e o Ministério do Trabalho tem pensado em diversos níveis é a reformulação do (perfil do) jovem a ser atendido pelo Primeiro Emprego. É preciso ampliar para além do jovem que corre o risco social, para uma parcela maior da juventude, que abarca, inclusive, a juventude universitária.

OJ – Então, a perspectiva de vocês é a de que os jovens estudem e também trabalhem?

Pops – A perspectiva que temos da política mais geral é a de que o jovem do Ensino Médio tem que ter a educação como prioridade da sua formação. O Programa Primeiro Emprego deve dar a oportunidade para jovens que precisam ter acesso à formação profissional de forma mais rápida, que precisam ter acesso ao emprego de forma mais rápida. Por exemplo, quando o programa abarca a juventude universitária, são jovens que já passaram por todo o sistema educacional. Então, o foco do Primeiro Emprego não é apenas uma etapa do sistema educacional, mas toda a juventude, inclusive o jovem recém formado na universidade que passa por diversas dificuldades de conseguir emprego. Nós não vamos combater o desemprego apenas com a qualificação. Então, é essa reformulação que precisa ser feita no Primeiro Emprego. Ele tem que ter a formação profissional e tem que ampliar o leque dos jovens a serem atendidos porque só a formação não garante ao jovem o primeiro emprego, é preciso crescimento econômico, é preciso uma qualificação em níveis de ensino médio e universitário.

OJ – O que você acha que a juventude mais precisa hoje?

Pops – Hoje os maiores gargalos da política de juventude são dois: educação e trabalho. Ter acesso à educação, buscar cada vez mais a universalização do ensino médio, das oportunidades de acesso à educação e da permanência do jovem em todo o sistema educacional deve ser uma prioridade do Governo Federal. Além da geração de emprego e renda para a juventude, principalmente para aquele jovem que acaba sendo a fonte de sustento de toda a família. Então, precisamos criar interfaces entre educação e trabalho para permitir essa oportunidade para o jovem se inserir de maneira digna na sociedade brasileira.  

Entrevista com Kamyla Castro - Juventude Tucana

Kamyla Castro (PSDB)Kamyla Castro, 27 anos, é Presidente Nacional da Juventude Tucana e graduada em Análise de Sistemas

Observatório Jovem (OJ) - O tema da juventude aparece no programa de governo de Geraldo Alckmim, mas não há um ponto específico sobre o tema. Por quê?

Kamyla Castro (KC) – A juventude está inserida em diversos segmentos, por isso não há um ponto específico no programa. Mas está sendo feita uma discussão sobre elevarmos esse segmento específico da juventude quando percebemos que a juventude hoje é uma temática nacional em todos os âmbitos governamentais. Hoje existem várias secretarias estaduais de juventude. Essa é uma percepção que está sendo vista com bons olhos para que possamos fortalecer ainda mais esse trabalho no plano de governo do doutor Geraldo.

OJ – Qual foi o lugar da juventude nos dois governos do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso?

KC – Foi no governo Fernando Henrique que começaram alguns projetos para a juventude. Os Centros de Juventude, o Agente Jovem para o Desenvolvimento (sic) foram dois focos onde a juventude teve uma inserção muito fortalecida. Percebemos que ainda precisa haver um fortalecimento. Temos hoje a experiência do doutor Geraldo em São Paulo, o Ação Jovem, que é um programa que tem um conteúdo fantástico. Infelizmente temos que tocar no assunto, mas o governo Lula imitou, assimilou elementos do Ação Jovem e colocou no ProJovem.

OJ – O que prevê o Ação Jovem?

KC – O Ação Jovem vem buscar os jovens que estão fora da escola dando uma alternativa para que eles retornem, com garantia de inserção em cursos profissionalizantes e com uma ajuda de custo para que ele possa retornar e garantir as suas atividades. Mas a diferença que a gente atribui é que o Ação Jovem foi assinado em 2002 quando o doutor Geraldo assumiu o governo do Estado de São Paulo. Já o ProJovem, está sendo construído quando o Lula está terminando o seu mandato e está sendo usado como ferramenta eleitoreira. É uma mesadinha do governo Lula para a juventude, para que assim sejam garantidos votos.

OJ – O ProJovem garante o ensino desses jovens até a 8ª série e não prevê uma continuidade para o Ensino Médio, o Ação Jovem também?

KC – O Ação Jovem tem sido um piloto em São Paulo onde nós estamos agora analisando a grande possibilidade de reiterá-lo também para o ensino médio.

OJ – Mas o Ação Jovem funciona desde quando?

KC – Desde de 2002, com o início do governo de Geraldo Alckmin em São Paulo.

OJ – O que seria o "Programa Nacional de Transporte do Estudante" previsto no plano de governo de Geraldo Alckmin?

KC – Seria uma espécie de incentivo para o estudante ir a escola diante da dificuldade que ele tem de transporte, mas, sobretudo, funcionaria como uma garantia real da presença do aluno na escola.

OJ – Qual a abrangência desse programa?

KC – Eu não tenho esses dados tão detalhados como você imagina, mas eu posso buscar. Como você mesmo citou, o programa de juventude está segmentado em vários eixos, algumas pessoas ficaram mais a parte desses detalhes.

OJ – Mas a juventude do PSDB participou da elaboração do programa?

KC – A juventude do PSDB contribuiu. Nós realizamos o Conselho Político Nacional, em Belo Horizonte, no dia oito de junho, com a participação de mais de 12 estados, com a juventude do PSDB representada. Na ocasião nós fizemos a discussão dessas propostas e encaminhamos à coordenação de programa de governo para que elas fossem implementadas.

OJ – O Conselho Nacional de Juventude criado pelo governo Lula seria mantido no governo do PSDB?

KC – Entendemos que o Conselho Nacional da Juventude tem uma extrema importância principalmente pela discussão, pela oportunidade do diálogo entre governo e a sociedade. Porém, nós vimos alguns erros onde pretendemos trabalhar. Pretendemos continuar, mas de modo que o conselho seja discutido de uma forma melhor.

OJ – Quais são os erros verificados por vocês?

KC – Percebemos que o Conselho foi muito de discussão e nada de execução. Embora o Conselho seja um canal de diálogo, as reuniões aconteceram com espaços de tempo muito grande e não houve consenso. Avaliamos também que o Conselho teve muitos conselheiros, 70 e tantos (são 60 os conselheiros do CONJUV), quando ele poderia ter um número mais reduzido de conselheiros e uma representatividade mais elevada.

OJ – A composição do conselho é outro ponto no qual gostaríamos de tocar. De que maneira esse conselho seria formado?

KC – Pretendemos ter a representatividade de todos os movimentos de juventude, amplamente representados nos seus estados, e também todas as etnias, todas as representatividades naturais dos estudantes, enfim, todas as representatividades que já estão sendo absorvidas hoje. Porém, que nós discutíssemos de forma mais ampliada os direitos da juventude e como podemos executá-los de uma forma mais ampliada.

OJ – O Conselho Nacional de Juventude no governo Lula foi constituído por indicação, o governo Alckmin manteria essa forma?

KC – A gente sempre preza pela questão da democracia. Nosso partido é o partido da social democracia brasileira onde a gente acima de tudo quer fazer jus a essa causa e pensamos a oportunidade de que esse Conselho seja amplamente discutido pela sociedade. Que ele seja de uma forma seletiva, para que ele tenha uma representatividade natural e naturalmente represente a sociedade.

OJ – E a Secretaria Nacional de Juventude também criada no atual governo, seria mantida?

KC – A secretaria nós também compreendemos que é um canal importantíssimo pela representatividade da juventude. Porém, nós entendemos que além de uma política de estado natural, a secretaria deve ter um status real de ministério. Isso não está ainda decidido, é uma opinião da juventude do PSDB. Nós compreendemos hoje que a temática da juventude não só compreende os jovens, mas o universo que a juventude ocupa de fato tem uma dimensão muito grande, que é a questão das políticas públicas, dimensão esta segmentada em diversos eixos. Compreendemos que a juventude pode ter uma representatividade muito maior no governo de Geraldo Alckmin.

OJ – Alguma outra política do atual governo seria mantida e/ou modificada?

KC – Não chego a confirmar nesse momento.

OJ – No programa consta que o Pro Uni seria aperfeiçoado...

KC – É, aperfeiçoado. É também uma temática importantíssima, mas estamos estudando uma maneira de ampliá-lo. O que também temos percebido é que há uma necessidade da criação de um "Fundo Nacional de Juventude". Existe hoje o Fundo da Infância e da Adolescência, mas a gente compreende que há a necessidade do "Fundo Nacional da Juventude" para que possamos realmente entender que seria fundamental alguns recursos para financiar algumas idéias. Por exemplo, a criação de um selo para empresas que façam doações ou o incentivo fiscal, ou seja, onde a gente possa entender que para a participação dos jovens eles precisam ser agentes das políticas públicas. Mas também não há como ter participação juvenil sem que a juventude participe das decisões.

OJ – Então, esse fundo proveria as ações do governo no campo da juventude?

KC – É, seria uma forma de verificarmos essas políticas como tendo um caráter integrador de ações de vários setores do Estado e da Sociedade. Seria para financiar alguns projetos não só provenientes da secretaria de juventude, mas dos diversos pilares da sociedade.

OJ – Ainda sobre o ProUni, você falou que ele seria aperfeiçoado. O ProUni destina vagas de instituições privadas de ensino, que possuem isenção de impostos, a estudantes pobres. Além do aperfeiçoamento dessa política, está prevista no programa de governo de Geraldo Alckmin alguma outra proposta com relação à expansão de vagas para esses mesmos jovens em instituições públicas?

KC – O interesse é que sim, que realmente tenha essa oportunidade para esses jovens. Porém, nós percebemos que precisamos também trabalhar com a questão do Ensino Médio e Básico para que esses alunos cheguem à universidade com uma formação mais qualificada. Mas, nós entendemos que o ProUni é importante e que nós precisamos dar continuidade e estudar ainda a ampliação dessas vagas.

OJ – Mas ampliação de vagas nas instituições de ensino privadas ou públicas?

KC – Nas instituições privadas, mas também com a possibilidade de expansão das vagas nas públicas.

OJ – O que seria o Protec previsto no programa do candidato Geraldo Alckmin?

KC – É um programa de bolsas de estudo que permite o acesso de pessoas de baixa renda ao ensino técnico oferecido por instituições particulares de comprovada qualidade.

OJ – Em nível de Ensino Médio?

KC – Sim, a princípio seria em nível de Ensino Médio. Porque o programa se destina justamente a aquelas pessoas de baixa renda que estão um pouco afastadas da escola e teriam a oportunidade do ensino técnico como uma medida profissional.

OJ – No subitem "emprego dos jovens" estão previstos os "contratos de formação", você saberia me explicar como funcionaria na prática essa proposta?

KC – Esta também eu vou deixar para te responder posteriormente.

OJ – Com relação às políticas de emprego para a juventude em um eventual governo do PSDB, o que está previsto?

OJ – Essa é uma das maiores ações de real importância para a gente. O governo Lula prometeu 10 milhões de emprego e na realidade foi um programa pífio o programa "Primeiro Emprego", que não saiu do papel. E o que a gente demanda hoje é criar condições para o país voltar a crescer pelo menos 5% ao ano durante a próxima década. Isso para que a economia possa absolver os milhares de jovens que entram no mercado todos os anos. Então, nesse primeiro momento, a expectativa maior é criar condições para o país voltar a crescer pelo menos 5%, dando essa oportunidade para que a juventude possa se inserir no mercado de trabalho.

OJ – Esses jovens seriam capacitados para esse mercado por meio de projetos como o Protec?

KC – Isso. Seriam capacitados mais nessa linha de cursos profissionalizantes. E naturalmente também inserindo o jovem no ensino superior para que ele tenha condições reais de formar a sua juventude, e tenha condições reais de ir para o mercado de trabalho mais qualificado.

OJ – O que parece ser cruel é que o jovem pobre não tem opção de escolha como um jovem de classe média, por exemplo, que pode escolher entre um ensino profissionalizante e a universidade ou participar das duas coisas. O jovem pobre, em geral, só tem a opção do curso técnico. Como a juventude do PSDB vê isso?

KC – A princípio seria o ensino técnico pela real necessidade inicial, mas nós compreendemos o real direito para todos os ensinos, não só o ensino técnico. Então, nós entendemos que deve haver direitos e oportunidades para todos os níveis. Porém, garantimos nesse primeiro momento uma oportunidade de curso profissionalizante porque é a primeira necessidade.

OJ – O que você considera que a juventude mais precisa hoje?

KC – Educação, emprego...segurança, três pilares fortíssimos.

OJ – Por que a juventude demanda segurança hoje?

KC – Falta de oportunidade. Sempre digo que a ociosidade é a mãe de todos os vícios. Nossos avós, nossos pais sempre dizem que a juventude é o futuro do Brasil, mas para nós o futuro da juventude começa agora, entendemos que é uma política de juventude futurista. Mas os jovens já têm esse entendimento sobre todos os aspectos das políticas públicas nos seus estados, nos seus municípios. E a juventude é um dos pilares mais importantes do programa de governo e do governo do Geraldo Alckmim – essa gestão que tanto se aproxima, onde a juventude finalmente vai ter essa oportunidade de direitos, de deveres. Entendemos também que não só com direitos, mas também com deveres nós vamos garantir as oportunidades e as ações para que a juventude possa ter a real importância em nosso Brasil.

 

Kamila Castro acrescentou as seguintes questões por e-mail:

A juventude receberá atenção especial no contexto das ações de educação, segurança, emprego, empreendedorismo, esporte, lazer e cultura. Um dos objetivos centrais é qualificar o jovem para inserir e contribuir para o processo de desenvolvimento do país. Vamos priorizar a formação básica, com incentivos para manter o jovem na escola ( a taxa de evasão é elevadíssima) e a formação profissional e tecnológica. O jovem brasileiro precisa estar qualificado para ingressar no mercado de trabalho e ou iniciar seu próprio negócio.

O desemprego entre jovens é muito elevado. Uma das explicações é a própria falta de qualificação, que será atacada com programas consistentes de educação tecnológica e capacitação técnica. Outro obstáculo está associado à própria legislação, que cria dificuldades para a criação de empregos em geral, com efeitos mais perversos sobre os jovens. O governo Geraldo Alckimin promoverá, em conjunto com o setor privado, ações para estimular a criação de postos de trabalho para os jovens, assegurando os incentivos adequados para eliminar as distorções vigentes.

No contexto da formação e emprego dos jovens, o governo estimulará a inserção dos estudantes das universidades, em particular das públicas, em empregos, como ocorre nos países da Europa e nos Estados Unidos.

O Prouni será mantido e aperfeiçoado para assegurar que os bolsistas estejam em instituições de ponta, que oferecem cursos e formação de qualidade e com perspectivas de mercado.

Na área da segurança, serão implementadas ações integradas de prevenção à criminalidade, em áreas selecionadas objetivamente a partir de indicadores de criminalidade, tendo como foco o jovem. O objetivo é impedir que os jovens caiam nas mãos dos criminosos, assegurando-lhes condições para se inserir na sociedade por meio do trabalho, esporte, lazer e cultura.  

A juventude nos programas de governo de Alckmin e Lula

Kamyla Castro (PSDB)

Rafael Pops (PT)

O Observatório Jovem entrevistou representantes das candidaturas Alckmin e Lula à Presidência da República sobre o tema da juventude. Esta iniciativa busca contribuir para o debate de propostas neste segundo turno das eleições presidenciais. Entrevistamos a Presidente Nacional da Juventude Tucana, Kamyla Castro, e o Secretário Nacional da Juventude do PT, Rafael Moraes (Pops)

Uma das propostas para a juventude presente no programa de governo de Geraldo Alckimin, segundo Kamyla, é a criação do Fundo Nacional de Juventude que contaria com doações de empresas privadas. O ProUni, iniciado no atual governo, teria continuidade e seria aperfeiçoado. O combate à ociosidade juvenil é apontado como medida capaz de prevenir a criminalidade. O Secretário Nacional da Juventude do PT, Rafael "Pops", reconhece avanços e dificuldades que precisam ser superadas num segundo mandato e enxerga a necessidade de que as políticas de juventude atinjam um espectro mais amplo do que aquele referido ao denominado "jovem em risco social". A articulação entre Educação e Trabalho é apontada, então, como a pedra de toque numa possível nova administração federal sob o comando do PT. As duas entrevistas foram realizadas por telefone e gravadas. A representante do PSDB, após a entrevista, nos enviou outras considerações por e-mail que foram acrescentadas integralmente ao final do texto. Leia, formule sua opinião e dê prosseguimento ao debate comentando as entrevistas de Kamyla e Pops.

Fala Jovem! Juventude e Trabalho - Uma parceria Jornal da Cidadania e Observatório Jovem

Reunimos oito jovens de idades, lugares e condições financeiras diferentes para um bate-papo sobre suas experiências e o que esperam do futuro no mundo do  trabalho. Será que suas expectativas, dificuldades e sonhos são semelhantes?

Taiane Ribeiro, 16 anos – estuda no 2º ano do ensino médio no Colégio Estadual Sônia Kell e joga futebol. Mora em Santo Cristo na comunidade Morro do Pinto e é menor aprendiz no Ibase.

Meriane Pereira da Silva, 17 anos – cursa o 2º ano do ensino médio no Colégio Estadual Souza Aguiar. Nunca trabalhou.

Gustavo Cavalheiro de Azevedo, 18 anos – está no 3º ano do ensino médio no colégio Santo Alberto Magno, mora em Botafogo. Procurou emprego, mas sem certificado de reservista, não consegue.  Se alistou, mas não serviu.

Júlio César Meira Matos, 19 anos – estudante universitário, 2 º período de economia. Reclassificado pela Uerj para Estatística. Já trabalhou em telemarketing. Não trabalha no momento e será pai no fim do ano.

Vanessa Nogueira, 20 anos – terminou o ensino médio. Faz curso de Telemarketing, Hotelaria e Vendas em um projeto social e curso de inglês. Mora em Santo Cristo na comunidade da Providência. Não trabalha no momento.

Alan Luís Guimarães de Souza, 20 anos – estudou até a primeira etapa do ensino fundamental. Tem dois filhos. Desde que parou de estudar trabalha vendendo balas no sinal na Barra da Tijuca.

Diogo Reis, 21 anos – aluno da Escola Estadual Raul Vidal, mora em Rio do Ouro, em São Gonçalo, é vendedor ambulante de picolés na praia de Itapuaçú, Niterói.

Iara Amora, 22 anos – estudante de Direito da UFRJ, coordenadora do Núcleo de Juventude da Casa da Mulher Trabalhadora (Camtra). Faz curso de inglês.

Quando começaram a trabalhar ou a pensar nisso?

Gustavo – Comecei aos 16 anos, porque queria ser  independente, ter meu próprio dinheiro e responsabilidade.

Júlio – Foi aos 17 anos, atuando em telemarketing, mas só trabalhei um mês. Agora estou procurando emprego.

Diogo – Aos 13 anos, como empacotador em supermercado. Mas, na época, só ganhava caixinha, não era nada formal. Aos 16, trabalhei em construção civil. Fazia isso na parte da manhã, estudava na parte da tarde. Atualmente, trabalho como vendedor de picolés. É um serviço pesado, mas ao mesmo tempo é livre. Não precisa ficar obedecendo patrão e é bom para mim. Moro com minha família, com minha avó, não dependo muito do trabalho, por isso tenho me dedicado mais aos estudos para entrar na faculdade.

Taiane – Comecei aos 15 anos. Moro com minha mãe e minha avó. Tenho um irmão falecido, um pai e um avô. Morreu um em cada ano. Eu fazia biscoito de farinha de trigo, açúcar e canela e vendia na escola. Minha mãe fazia doce e eu vendia também. Depois, resolvi trabalhar de outra forma. Foi quando fiz um curso na FIA [Fundação para a Infância e a Adolescência] e vim trabalhar como menor aprendiz no Ibase. Comecei para ajudar minha mãe em casa e para ter algumas facilidades. Não acho que trabalhar significa conseguir independência.

Vanessa – Eu nunca trabalhei para receber salário. Participo de um projeto social em uma ONG e comecei a participar de pré-vestibular. Estou lá há três anos. Este ano, pretendo trabalhar.

Meriane – Eu estou pensando em trabalhar. Quero ser independente, morar na minha própria casa.

Alan – Trabalho desde os 10 anos de idade. Hoje, tenho duas filhas. Pago aluguel, vou levando a vida do jeito que Deus quiser. Quero um dia arrumar um emprego.

Iara -  Foi no começo da adolescência e queria sair, ter certas coisas que minha mãe não podia me dar. Foi meio para conseguir fazer o que quero e  não tirar do sustento da casa.

Foi preciso convencer a família ou foi necessário arrumar emprego?

Vanessa – Meu pai sempre me falou para estudar e depois trabalhar. Ele dizia: “faço de tudo para você estudar”. Mas hoje, tenho 20 anos, já esta na hora. Então, ele está mais tranqüilo.

Diogo – Lá em casa já foi o contrário. Era trabalhar para depois estudar. Minha mãe se separou do meu pai e fui morar com minha avó aos 3 anos. Desde pequeno, a idéia era trabalhar e o estudo ficaria em segundo plano. Eu passo uma dificuldade tremenda, falo para ela “vó, tenho que estudar, cursar a faculdade” e ela diz que é besteira, que tem um monte de gente que cursou faculdade e está desempregada, disputando vaga para gari. Essa relação é complicada, é uma briga tremenda.

Julio – Eu trabalhei na época em que meu pai se separou da minha mãe. Eles tinham posições diferentes. Para minha mãe, é preciso trabalhar para depois estudar; e para meu pai, é preciso conciliar os dois. Eu trabalhei quando morava com meu pai e ela não estava interferindo muito. Saí, porque estava atrapalhando os estudos.

É difícil trabalhar e estudar?

Taiane – É. Antes de trabalhar no Ibase, eu saía da escola, tomava banho, dormia, almoçava. Agora, não posso. Faço futebol às quartas e quintas, das 19 às 21h. Então, saio do Ibase, vou para o treino, tomo banho, janto e vou fazer os trabalhos da escola. É cansativo, mas estou conseguindo conciliar. Na minha escola, tem três pessoas que trabalham por indicação da escola. Elas têm toda a liberdade do mundo. Saem mais cedo das aulas. Eu saio às 12h50 para estar no Ibase às 13h. Os professores não querem saber: eu tenho que assistir aula e pronto. Eu já avisei que trabalho, mas está sendo difícil.

Diogo – Para quem estuda à noite, é um pouco diferente. Eu estudo à tarde, mas, como faço parte do grêmio da escola, faço o intercâmbio. Vejo que à noite os professores contribuem, entendem quando a pessoa chega mais tarde por causa do trabalho. Mas depende da escola.

Vanessa – No ano passado, eu saía da escola para ir para o pré-vestibular. Estudo no Largo do Machado e o pré é na Praça Onze. Pegava o metrô porque é mais rápido, mas eu tenho que almoçar. Aí, falava para o professor que ia sair 10 minutos mais cedo para almoçar. Tinha semanas que conseguia, outras não. Aí, você não sabe se sai mais cedo do colégio ou se chega atrasada no trabalho.

Iara – Quando comecei a trabalhar ainda estava no ensino médio. A época em que considerei mais difícil estudar e trabalhar foi durante o pré-vestibular, pois não tinha tempo para me dedicar aos estudos. Agora, na faculdade, por um lado, é mais tranqüilo, pois não tem cobrança de presença e horários, mas, por outro, percebo que meu rendimento não é igual a de outras pessoas que só estudam.

Gosta do trabalho que faz?

Alan – Eu acho bom ter responsabilidade. Minha diversão é trabalhar, não tenho tempo nem de jogar futebol. Trabalho de domingo a domingo, vendendo chocolate, pipoca; quando está chovendo vendo guarda-chuva. Eu gosto porque é o que sustenta a minha família. Não posso falar que não gosto. Sem isso, minha família ia passar perrengue. É lá que sobrevivo. Prefiro ter um trabalho fixo em vez de ficar no sinal, passando humilhação. Muitas pessoas do sinal já trabalharam em outros lugares; algumas são formadas, mas trabalham por necessidade. Se eu arrumasse um trabalho para viver tranqüilo, não ficaria lá não.

Taiane – Eu gosto de trabalhar aqui, num lugar que é tranqüilo. Também tem alguma coisa a ver com o que eu quero fazer na faculdade: produção cultural.

Diogo – Não gosto do meu trabalho, de jeito nenhum, mas gosto de ter um trocado no bolso para fazer um lanche, sair com namorada. Muitas pessoas trabalham ali para ter uma remuneração melhor. Estão ali para ter uma grana, para ter um dinheirinho a mais.

Que tipo de trabalho buscam?

Julio –  Estágio. Estaria aprendendo mais sobre a minha profissão. Seria mais proveitoso. Em princípio, o salário não ia contar muito, mas depois que tivesse uma experiência de estágio, procuraria um que pagasse melhor. Quando trabalhei, não tinha contrato de atendente de telemarketing, mas de estagiário. Pagava pouco, eles se aproveitam disso.

Diogo – Para mim, o trabalho ideal seria aquele que eu gostasse de fazer.  Eu gosto de atuar no movimento, por isso seria trabalhar num instituto como o Ibase, trabalhar na escola, ensinar. Pretendo fazer licenciatura. É algo que gosto de fazer.

Conhece a lei do estágio? Como tomou conhecimento?

Iara – Tenho um colega que arrumou um estágio de 8 horas por dia. São 40 horas semanais! A bolsa é bem baixa. Essa história das 8 horas me chamou muito a atenção. Perguntei como foi isso, se ele tinha assinado contrato, mas disse que não.

Diogo – Eu conheci através da minha militância política. Comecei no PDT, depois fui para o PT e agora estou no PSOL. Então, conheci a CLT  [Consolidação das Leis Trabalhistas]. Hoje o trabalhador tem direito a 40 horas semanais, mas existe uma tentativa de acabar com isso para a  economia crescer, para os bancos lucrarem mais etc.

Gustavo – Esse negócio de direitos aprendi com a vida. Meus irmãos são mais velhos e alguns já trabalham. Talvez por causa disso saiba algo. Tem que ter carteira de trabalho para arrumar emprego.

Quais são as dificuldades para arrumar emprego?

Gustavo – Se tiver a partir de 18 anos, algo que dificulta muito é o fato do empregador ter que garantir trabalho depois que a pessoa sai do serviço militar. Tem muita gente que nem contrata. E, sem o certificado de reservista, só a carteira não adianta nada. Essa situação da exigência do certificado de reservista não ajuda nem um pouco, mas ninguém faz nada, ninguém luta, se mobiliza, para mudar isso.

Julio –  Isso não ajuda em nada. Você vai pra lá, fica um ano ralando pra caraca, não ganha quase nada, aí quando você tem esperança de entrar, é mandado embora. Quando serve, ganha 50% de um salário mínimo.

Taiane –  Acho que a primeira é falta de experiência que exigem. Como é que eu vou ter experiência?

O que é melhor: trabalhar com patrão ou por conta própria?

Diogo – Sem patrão. Empresa é mais exigente, a competição é maior. Por exemplo, bancário. Ele tem que produzir, vender. Não ia me adaptar a isso. Eu pretendo fazer concurso público, trabalhar para o povo, essa é a minha meta. Patrão não dá.

Julio – Depende muito. Tem uns trabalhos com patrão que valem a pena, outros não.

Iara – Trabalhar com patrão, de carteira assinada, tem estabilidade. Em caso de ficar doente, ficar grávida, por exemplo. Trabalhando por conta própria é mais complicado. Quando trabalhar com patrão significa um emprego formal, sem dúvida as garantias e os direitos adquiridos são fundamentais. É muito problemático para quem trabalha por conta própria quando adoece ou para as mulheres quando engravidam, porque ficam sem garantia.

Taiane – Em um estágio, se você engravida,  pode ser mandada embora. Não tem as mesmas leis do trabalho. O estágio também tem esses problemas.

Alan -  Ter patrão, dependendo do patrão, pode ser muito bom. Meu pai trabalha há anos e nunca reclamou. Depende da situação e da pessoa que emprega. Tem pessoas que descontam tudo, comida etc. Meu sonho é ter um trabalho fixo, arrumar um patrão bom, eu cumpriria horário, trabalharia corretamente. Cada um cumprindo a sua parte. Hoje, e se eu ficar doente? Sorte que eu nunca cai de cama.

Qual a remuneração ideal para vocês hoje?

Diogo – Se eu tivesse emprego hoje, o salário ideal seria de uns R$ 500. O salário ideal é aquele com o qual você consegue sobreviver. Já uma família como a do Alan, para ter conforto, precisaria de  R$ 2.500, por aí.

Vanessa  – Li esta semana que o ideal para uma família viver bem é de R$ 1400. Esse seria o padrão ideal para uma família como a dele, para ter uma vida normal, para poder viver tranqüilo, ir num cinema no fim-de-semana. Para mim, que não pago aluguel, não pago nada, R$ 500 estaria bem legal. O dinheiro é mais para ir ao cinema, ir a praia, curtir a vida.

Iara - Acho que uma boa remuneração para uma pessoa que mora com a família, mas ajuda em casa, estaria em torno de R$1.000.

Meriane – .Eu moro com a família, então uns R$ 600, R$ 700 estaria bom.

Gustavo – Se eu ganhasse um salário mínimo já estaria bom, preciso só para as minhas despesas.

Vocês sentem que têm apoio do governo para conseguir o primeiro emprego? Vocês conhecem algum outro projeto de estímulo ao primeiro emprego?

Diogo – Principalmente este governo está abrindo várias oportunidades de trabalho, que eu considero um avanço. Mas para conhecer, para conseguir, tem que correr muito atrás. Por exemplo, abriu inscrição para o Pró-Jovem, era em tal lugar, foi para o Camburi, depois quando a gente chegou lá, era em outro lugar, mandou para a Secretaria de Educação. Não é fácil ter acesso àquilo ali. Mas se você for persistente mesmo, correr atrás, bater nas portas, acaba conseguindo.

Taiane –  Tem a FIA, que é a Fundação de Infância e Adolescência, tem a PAR, que oferece cursos, acho que é só o que eu conheço.

Vocês acham que o jovem deve ganhar uma bolsa de estudo e ficar só estudando sem precisar trabalhar? E se a bolsa acaba?

Vanessa – Nunca trabalhei, mas agora, aos 20 anos, buscando o primeiro emprego, querem que eu faça estágio e eu, já com essa idade, vou querer ganhar como estagiária? Não. Poderia ter feito estágio antes. Mas a garantia de conseguir esse primeiro emprego, que não fosse para ganhar menos do que a pessoa recebia com a bolsa, ou menos do que, no meu caso, meu pai está me dando, seria legal.

Gustavo – Mas isso é algo que você conquista, não vem de repente, leva um tempo.

Taiane – Você deixa de receber a bolsa porque arruma o primeiro emprego, fica um mês e é mandada embora, o patrão não gosta de você, e aí? Como vai conviver com essa mudança, com certeza, a bolsa faria diferença, permitiria que você ajudasse em casa, no seu transporte e de repente, acabando, como ficaria? Isso acontece muito de os jovens ficarem só um mês e depois serem mandados embora.

Diogo – Seria interessante, mas a pessoa teria que ter responsabilidade, mostrar que está inserido mesmo, não é para gastar o dinheiro todo no shopping, é para aprender e usar isso para ajudar a comunidade. E, ao mesmo tempo, aprender a lidar com um ambiente de trabalho, envolvendo pessoas, gente, mantendo relações, crescendo.

Taiane – A pessoa poderia fazer isso tudo o que você falou, mas é complicado. Por exemplo, a maioria das pessoas que estuda de noite não quer nada, está estudando à noite porque é mais cômodo, isso não é mentira. Quando precisam de nota, pedem ajuda ao professor, a maioria das pessoas que eu conheço é assim. E aí, quando acabasse essa ajuda?

Meriane – Eu não concordo com o que Taiane falou. Eu estudo à noite e percebo que a maioria das pessoas é muito dedicada com os estudos, trabalha de dia, mas estuda à noite de verdade, não acho que o que ela falou está certo.

Diogo – Concordo com Taiane no sentido da necessidade da fiscalização, caberia àquela escola beneficiada com o projeto de bolsa  fiscalizar se a pessoa estaria participando de verdade ou não. Teria que haver também uma seleção. Não daria para dar isso para todas as pessoas, só para as mais interessadas.

Julio – A experiência que tive na Estácio, são pessoas com uma situação bem mais difícil, o pessoal dos primeiros períodos logo procura estágio e muitas pessoas, a partir do terceiro período,  que estudavam de dia, preferem ir para a  noite para trabalhar. Foi o que observei, que as pessoas  da noite são mais dedicadas do que os alunos da manhã. Posso dizer porque estudava à noite.

Iara – De alguma forma, por mais que seja válida a idéia de só estudar, a gente sabe que no Brasil só a formação não garante emprego. Com essa bolsa, seria suficiente? Essa pessoa conseguiria estudar para depois trabalhar? Essa é uma questão para se pensar.

É mais fácil para homens ou para mulheres conseguir o primeiro emprego? Por que elas ganham menos?

Júlio – Acho que para mulher. Acontecem muitas inscrições para empregos de forma diferenciada, para mulher e homem. Elas ganham menos porque ainda há machismo, preconceito. É o que acontece com as mulheres. Homens e  mulheres negras ganham menos ainda.

Diogo – Depende do tipo de trabalho. As mulheres são mais aceitas no telemarketing, ainda que tenham homens nessa área. Na construção civil, tem mais homens. No setor administrativo, se formos observar os cursos superiores de administração, o número de mulheres está aumentando. Acho que as mulheres estudam mais, são mais eficientes e ganham menos, mas estão em profissões mais populares, é preciso ficar de olho nessa questão.

Vanessa – Ainda impera muito o machismo, mas depende também no que você vai trabalhar. As mulheres, em algumas áreas, são mais eficientes, mas sempre ganham menos. Os homens sempre vão dizer que fazem alguma coisa a mais para justificar isso.

Iara – Isso está muito relacionado à questão do estilo do trabalho. O trabalho das mulheres ainda está muito relacionado com a questão do cuidado, trabalham como babá, como domésticas. Foi feita uma pesquisa há pouco tempo, pegando o Instituto de Educação como exemplo. A pesquisa mostra que no ensino infantil há mais professoras, que não são tão bem-remumeradas. Conforme vai aumentando o grau de ensino, esse trabalho vai se tornando mais bem-remunerado, e a maioria são homens. Isso mostrou que, mesmo ocupando os mesmo cargos, os homens são mais bem pagos. Ainda tem muito no imaginário do empresário o fato de que uma mulher, de carteira assinada, vai custar mais, pois pode ficar grávida, e aí ele vai ter que substituir por outra pessoa depois.

Júlio –  Você não acha que os homens se mobilizam mais, lutam mais por seus direitos? Por exemplo, no recente protesto em São Paulo contra a Volskwagem, eles mostraram a disposição para lutar por seus direitos, eram basicamente homens. Você não vê a mesma atitude por parte das mulheres.

Diogo –  O sindicato dos metalúrgicos é formado basicamente por homens. Já no sindicato dos professores, as mulheres participam mais. Nas comunidades pobres, são as mulheres que defendem seus filhos contra o caveirão e também contra o tráfico, são elas que ficam na linha de frente buscando seus direitos, mais do que os homens. Nas situações-limite, o homem explode e a mulher vai, diplomaticamente, se articulando, conseguindo o que quer.

No caso do trabalho de rua, como você faz, Alan, como fica a situação das mulheres?

Alan – O perigo é o mesmo, a exposição é a mesma. Elas fazem mais panfletagem do que vendem doces. Todos nós recebemos do público uma atitude de discriminação, muitas vezes, elas são maltratadas. Corremos risco quando atravessamos por entre os carros, quando a guarda municipal vem em cima da gente. Tem gente que nos trata bem, quando nos vê, já abre a janela, já nos conhece. Mas a maioria das pessoas nos olha com um olhar diferente, fecha as janelas, achando que vamos roubar.

Se vocês pudessem fazer um curso para melhorar as suas condições na busca por um emprego, o que seria?

Vanessa – Faço inglês e informática, acho que se eu fizesse um outro idioma seria bom.

Júlio – Queria fazer um curso técnico na área da petroquímica, na Bacia de Campos, no estado do Rio. É uma área boa, que paga bem. Eles ficam 15 dias trabalhando e praticamente um mês em casa. Qual é o outro trabalho que oferece isso?

Meriane – Queria estudar inglês e aprender a usar o computador, essas coisas.

Gustavo – Queria fazer um curso de idiomas, já fiz inglês uma vez, e seria muito bom voltar.

Diogo – Queria fazer um curso de recursos humanos. É um curso caro, custa cerca de R$ 300, mas serve para tudo, é útil em qualquer emprego, acho que todo mundo deveria fazer.

Taiane – Queria fazer línguas e alguma coisa voltada para a cultura. Quero fazer produção cultural. Estava procurando algum curso gratuito na área de cultura, mas não tem. O que eu achei custa R$ 350, não dá para fazer. Os cursos gratuitos, em geral, são de informática.

Iara - Acho que os cursos necessários hoje em dia são informática e idiomas.

Alan – Minhas irmãs fizeram curso na Fundação São Martinho, todas fizeram estágio, mas tem que estar estudando. Eu, como parei de estudar, não pude fazer.

Como vocês se imaginam daqui a 10 anos?

Alan – Imagino que já estou com a minha lojinha, ganhando melhor, podendo dar tudo o que as minhas filhas precisam. Meu sonho é abrir um comércio, uma lojinha, pode ser de roupa, de comida, uma coisa que seja minha.

Vanessa – Já estarei independente, morando sozinha, terei terminado a fisioterapia e estarei fazendo cinema, que é o meu grande sonho. A fisioterapia é só uma forma de eu me manter financeiramente, mas vou curtir mesmo é quando puder fazer cinema.

Julio – Já terei terminado minha faculdade de estatística e estarei trabalhando numa grande empresa, como a Petrobras ou o IBGE.

Meriane – Não sei o que eu quero ser hoje, mas acho que até lá vou saber.

Gustavo – Estarei formado em Direito, e trabalhando. Se gostar mesmo, fico nisso, senão, mudo.

Diogo – Estarei dando aula de História e Geografia. Quero ajudar os jovens a terem uma formação política melhor. Como aconteceu comigo: quando estava na 6a série, foi um professor de Geografia que me despertou a curiosidade para política, ele foi perseguido na escola. Lembro dele até hoje. Também quero ser um exemplo para os estudantes. Quero dar aula em escola pública, não em colégio particular.

Taiane –  Quero ser campeã do mundo pela Seleção Brasileira de Futebol, quero jogar muito, se Deus quiser. Quero estar formada em Produção Cultural e continuar trabalhando aqui no Ibase, na minha área. Também quero casar, ter filhos. Sonho também em criar algum projeto social em que possa realmente ajudar as pessoas e que lembrem de mim para sempre.

Iara – Acabarei a faculdade de Direito daqui há dois anos e meio. Espero pode atuar  em prol dos movimentos sociais, nos sindicatos, movimentos de mulheres. Embora eu saiba que esse não é um campo de trabalho tão grande. Outra coisa que me interessa muito é trabalhar na Defensoria Pública, pois acho que é um dos órgãos governamentais que ficam mais próximos da realidade, mais próximo das pessoas.

Participaram do debate:

AnaCris Bittencourt e Jamile Chequer – Jornal da Cidadania/Ibase
Paulo Carrano (moderador) e  Raquel Júnia - Observatório Jovem
João Roberto Lopes – coordenador do Ibase convidado

A seguir, algumas dicas de pesquisa:

• Sobre o programa primeiro emprego do governo federal: www.mte.gov.br/FuturoTrabalhador/primeiroemprego/

• Sobre o Pró-Jovem: www.projovem.org.br

• Sobre o Curso Preparação para o Mundo do Trabalho, Fundação São Martinho: www.saomartinho.org.br

• Fundação para a Infância e a Adolescência (FIA): www.fia.rj.gov.br

Ação afirmativa na universidade

Pesquisadora do Observatório Jovem Mônica Sacramento estuda impacto da política de cotas na Escola Superior de Desenho Industrial da Uerj

Mônica Sacramento concluiu sua dissertação de mestrado em 2005  “Ação Afirmativa: o impacto da política de cotas na ESDI”, onde analisou as experiências vividas por alunos negros ingressantes através da política de cotas nos vestibulares de 2003 e 2004 na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Uerj. A pesquisa, traça o perfil destes jovens, as motivações que os levaram a escolher a carreira de design, suas experiências e estratégias de permanência na universidade pública. Mônica acompanha o debate na mídia desde 2001 e hoje é uma das pessoas que lutam pela implantação da Lei de Cotas no Brasil.

A escolha da pesquisa

Minha entrada no mestrado na Universidade Federal Fluminense coincide com o ano da promulgação da Lei de Cotas na Uerj. Neste sentido,  interessava-me saber como seria a experiência da Lei de Cotas e sua aplicação. Ao acompanhar o debate na mídia observava a polêmica provocada pela medida e para além da análise da Lei, decidi pesquisar qual seria o impacto da Lei num curso considerado como de prestígio pela  sociedade como odontologia, medicina, desenho industrial, onde a presença negra é reduzida ou praticamente nenhuma. Minha escolha recaiu sobre o curso de Desenho Industrial da Esdi (Escola Superior de Desenho Industrial) da Uerj.  Este curso possui características peculiares: é um campo que caminha entre a arte, a produção industrial e o mercado de consumo. Considerado como de prestígio, possui horário integral nos dois primeiros anos e demanda a compra de inúmeros materiais. Saber quem eram os/as jovens negros/as que transitariam nesse campo bastante elitizado tornava-se fundamental para análise da experiência da modalidade de cotas nas universidades públicas.

A Esdi

A Esdi foi fundada como escola independente na década de 60 aninhada pelo estímulo desenvolvimentista do governo JK. Somente na década de  70 a Esdi foi incorporada à Uerj. A Esdi, desde sua fundação, possui grande prestígio abrigando em seus quadros docentes que constituem-se como referências no campo do design. Atualmente vem ganhando maior visibilidade em função de inúmeros prêmios e parcerias com empresas e instituições internacionais.
O curso da Esdi possui cinco anos de duração e oferece habilitação integral em design de produto e comunicação visual. Os dois primeiros anos são integrais. O campus tem uma característica especial, pois está instalado em um conjunto prédios numa vila na Rua Evaristo da Veiga, no coração da Lapa. Há uma outra arrumação geográfica em comparação ao campus da Uerj.

O design

Vivemos a sociedade da forma, ou seja, hoje em dia tudo é design, dos objetos mais simples aos mais sofisticados: uma cafeteira, uma cadeira, o mobiliário urbano etc. A questão é que as pessoas em geral não têm noção disso, sendo o design associado a produtos para um público elitizado. Para desenvolver os projetos é necessário  ter contato com arte, cultura geral, imagem, discussão de estética e bens de consumo. Tudo isso passa pelo universo do design e da formação destes profissionais. Então, como os estudantes negros/as iriam dar conta disso tudo?  Fui a campo descobrir...

“No vestibular de 2003, com as cotas,  o curso de Desenho Industrial, por exemplo, alterou fortemente o percentual de alunos negros (pretos e pardos)  que antes era incipiente”.

A Lei de Cotas em 2003

 A Lei foi colocada da seguinte maneira: 40% de vagas, cotas para os negros (entendidos pretos e pardos), 50% de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas e mais 5% de vagas para alunos deficientes ou pertencentes a outras minorias. Em princípio, a universidade entendeu que essas leis seriam justapostas, no entanto, o que ocorreria era que as leis seriam sobrepostas. Na verdade, existia o vestibular estadual e o vestibular de cotas. O pessoal que não declarou ser negro ou comprovou estudo em escola pública, entrou pelo vestibular estadual. Nas outras duas categorias foi feito o seguinte: primeiro se preencheu 50% de vagas de cada curso com alunos de escola pública e desses, 40% que se declararam negros. Então, na verdade uma cota se sobrepôs a outra. Como em alguns cursos não havia declaração de negros que preenchessem as cotas buscou-se preencher as vagas com alunos do vestibular estadual para cumprir a lei. No primeiro vestibular do curso de Desenho Industrial, por exemplo, o percentual de cotistas (totais) ficou em torno de 70%. Imagine o caos provocado na sociedade! Já em outros cursos, como o de enfermagem, por exemplo, rapidamente se conseguiu fechar os percentuais. Mas, em curso de prestígios, a universidade teve que pinçar do outro vestibular.

O vestibular de 2004

No vestibular de 2004 em função das discussões na universidade e de campanha na mídia marcada por posicionamentos contrários às cotas a lei passou por reformulações. Reduziram-se os percentuais das cotas para 20%, 20% e 5%. A Uerj também instituiu o critério de “carência” onde além de comprovar os últimos três anos de ensino médio feito em escola pública, os alunos deveriam declarar uma renda per capita inferior a 300 reais. Por conta do índice de carências, basicamente, em alguns cursos a quantidade de vagas ficou proporcional à quantidade de candidatos. A Lei então sofreu outra reformulação no tocante a renda que hoje é de 520 reais per capita.

A dissertação

Foram distribuídos questionários a todos os estudantes das turmas da 2ª e 3ª série para traçar o perfil dos estudantes de desenho industrial. Posteriormente foram entrevistados 12 jovens negros/as e ingressantes através dos vestibulares de 2003 e 2004, através das cotas raciais. A pesquisa revela que a escolha da carreira para estes jovens caminha na linha tênue observada no próprio campo, entre arte e produção industrial. Nesse sentido, os jovens conjugam a possibilidade de expressão (criatividade) com a possibilidade de ascensão social. Outro dado diz respeito a representação de sucesso: Para os/as jovens de 2003, o sucesso está associado à conclusão do curso. Para os/as estudantes de 2004, que possuem nível econômico menor, é a própria entrada na universidade que é vista como um grande sucesso. As turmas se preocupam com a inserção no mercado de trabalho. Quanto à presença na universidade pública observa-se um impacto maior nos/as jovens da turma de 2004 que a consideram como um grande acontecimento em suas vidas. Isso comprova que existe uma demanda por vagas na universidade que precisa ser atendida. Há um número grande de jovens que estão em idade de inserção no ensino superior e de profissionalização para o mercado de trabalho. É preciso que se faça alguma coisa para que esses jovens possam acessar a universidade.

“Os elementos da cultura popular entram na universidade. Cabe a esta se adaptar a esses jovens e tentar responder às demandas que eles apresentam”

Os jovens na universidade

A entrada na universidade representa para os/as jovens negros uma possibilidade de mudança social e traz visibilidade para suas questões. Também representa o fortalecimento ou resgate de sua auto-estima. Relatam que conseguiram respeito dentro dos grupos dos quais participam, e abriram possibilidades de pensar em projetos futuros. Alguns já pensam em fazer outra faculdade, mestrado ou doutorado. Passam a acreditar que é possível um outro futuro e que eles/as, assim como tantos outros jovens,  têm direito a planejar projetos pessoais e profissionais considerando a entrada na universidade como possível.

Modos de estar na Esdi...

Os/as jovens negros trazem conteúdos que são absolutamente particulares e diferenciados do público que até então freqüentava a universidade e desta forma mudanças estão em curso. A universidade necessita criar possibilidades para estes alunos, não só no espaço geográfico (bibliotecas equipadas, salas de informática, bandejão) como no espaço curricular. Os elementos da cultura negra e popular estão na universidade. Cabe a esta como centro de ensino, se adaptar a esses jovens e tentar responder às demandas que eles apresentam. Estar na Esdi para estes jovens redimensiona suas experiências e suscita reflexões... Um exemplo disso foi o trabalho no qual os/as jovens tinham que propor uma intervenção na arquitetura do campus. Um dos grupos criou um barraco com os restos de madeira da marcenaria. O trabalho apresentava elementos da cultura dos/as jovens, muitos deles negros e moradores de periferia. A universidade ,então, incorporou à sua linguagem um conteúdo que é de classe popular, revelando o pertencimento racial, uma vez que no Brasil a pobreza tem cor. Um outro trabalho que serve como exemplo, foi a criação de uma estampa que continha o rosto do humorista Mussum e onde ao redor estava escrito “todo mundo é pretis!”. A imagem foi estampada em vários cartazes em elementos do cotidiano negro como o trem, a saia da baiana e exposta na universidade. Estes elementos, portanto, adquiriram visibilidade e lugar que antes estava ausente da universidade. Ouvi relatos emocionantes. Um dos jovens disse que nunca tinha ido a um museu em seus 26 anos e que agora, a partir da entrada, não deixava de ir. Isto porque alguns espaços para a população negra ainda são impeditivos. Quando você começa a mudar o seu repertório cultural é um ganho maravilhoso. Um outro aluno relatou em relação à respeitabilidade que hoje não é mais parado em duras de policiais e tratado de forma diferenciada em função de sua condição de universitário. Ouso dizer que daqui a algum tempo vamos perceber essa sedimentação, esse fortalecimento da identidade dos/as jovens negros/as numa apropriação de espaço e mudança de conceitos benéfica para toda a sociedade.

“A entrada, o acesso e permanência desses jovens na universidade incomoda muito às elites porque nos obriga a pensar qual é o nosso pertencimento racial. Problematizamos a questão, pois estava naturalizado que os negros ocupariam posições inferiores na sociedade.”

O desafio de romper com o preconceito

Um dos argumentos usados contrários às cotas é de que o nível da universidade iria  baixar com o ingresso através delas, além de preconceito, é bobagem. Penso em quantos talentos estamos desperdiçando? Há estudos que mostram que o desempenho dos jovens que entram na universidade por cotas é igual ou superior aos que não são cotistas. Impressionante é que ao perceber que pode ser reprovado em uma matéria, o/a jovem cotista não desiste e permanece cursando a disciplina havendo uma incidência muito pequena de reprovação por faltas ou trancamento. Eles/as têm noção do quanto aquele espaço é importante e estão empenhados em aproveitá-lo. Então, penso que com estes argumentos, culpamos e punimos a vítima por uma deficiência do Estado que é a ausência de uma escola pública de qualidade para todos. A sociedade exige um esforço heróico de superação desses/as jovens ao continuar repetindo que as chances são iguais para todos. A entrada, o acesso e a permanência desses jovens na universidade incomoda muito às elites porque nos obriga a pensar qual é o nosso pertencimento racial. Problematizamos a questão, pois estava naturalizado que os negros ocupariam posições inferiores na sociedade. Na minha opinião, o que incomoda à sociedade nesta questão das cotas é a desnaturalização dos papéis e o fato de estarem perdendo privilégios. Discute-se que isto não é legítimo mas na verdade isto está na Constituição. O Brasil é signatário de vários acordos internacionais que abrem espaço para a criação de políticas públicas que incidam sobre as discriminações. A política de cotas não é uma novidade para os brasileiros. Já tivemos a “Lei do Boi” (Lei 5.465/68) que determinava cotas para agricultores e seus filhos nas escolas de veterinária ou agronomia. Isto já era reserva de vagas. Temos lei para o percentual de mulheres representativas nos partidos. Temos cotas para deficientes. Então qual é o problema das cotas para os negros? A sociedade brasileira nega o seu racismo estrutural. Com as cotas há uma rediscussão desses papéis e práticas, benéfica tanto para brancos como para negros. Para os/as jovens negros/as é um marco pois adquirem visibilidade, passam a acreditar no seu potencial, a ousarem e descobrirem que podem ser cientistas, acadêmicos e intelectuais.
 
O debate sobre as cotas hoje

A discussão sobre as cotas já se ampliou e hoje está ultrapassada. A Lei de Cotas é um produto da luta do Movimento Negro, pois desde a década de 30 o MN luta pela criação de políticas que interfiram na questão racial através da educação. Hoje em dia são 35 universidades no Brasil que já adotam o sistema de cotas. Essas universidades criaram as cotas através dos seus conselhos universitários. Algumas somente com políticas de permanência aos que já tinham tido acesso, outras criando o acesso.
Há um mérito da medida inicial de 2003, da Uerj, que é popularizar esta discussão, de todos falarem sobre isso. Penso que o grande mérito da questão foi essa discussão de que tipo de democracia racial temos no país. E daí várias campanhas surgiram. Nas novelas há sempre essa discussão, mesmo que às vezes maniqueísta. Ver negros em papéis que não são subalternos é muito bacana, pois se vai acostumando o olhar das pessoas. E precisamos sempre desconstruir a naturalização dos papéis. Um negro de terno no shopping não pode somente ser segurança. A Lei acaba mexendo com estruturas sociais de brancos e negros que estão muito arraigadas.

O papel da Escola

As crianças vivem o racismo dentro da escola, pois esta não problematiza a desigualdade racial. Aprendem e naturalizam os lugares sociais. A escola não dá conta disso, não enfrenta essa discussão.  Daí a necessidade de leis que questionem e revertam este quadro como a Lei de Cotas, a lei 10.639 e o estatuto da Igualdade Racial.
Devemos entender que para cada pessoa que é discriminada existe uma outra que acha que deve discriminar. Um constrói um ethos de inferioridade enquanto outro de superioridade. A questão racial passa também pelo padrão estético. Somos ensinados a assumir o comportamento de rejeitar o padrão que a sociedade diz que é feio, desqualificado. Então para os/as negros/as construir identidade valorizativa é um processo doloroso e cheio de dificuldades pois ser negro/a numa sociedade que nos associa ao que é negativo e que discrimina, faz com que muitas vezes nossa auto estima e padrão estético se aproxime do que é valorizado numa questão de sobrevivência. Se estivéssemos num ambiente que nos estimulasse a perceber essas diferenças como fundamentais na humanidade seria diferente. Mas, num ambiente onde essa diversidade é vista hierarquicamente, tudo que for relacionado ao negro (trança, roupa colorida etc) torna-se negativo. A construção da identidade racial não é imediata e a escola pouco contribui para isso. 

“Esta Lei é uma pista para a discussão de uma nova cidadania que desconstrói também a cordialidade do brasileiro onde todos parecem se dar tão bem e tudo acaba em “samba”.

Lei 10.639

Esta Lei foi promulgada em 09/01/2003 por conta das reivindicações do Movimento Negro. A proposta da Lei é a inclusão nos currículos da Escola Básica (série inicial até o ensino médio) tanto em escolas particulares como em escolas públicas, da história da África e dos africanos, da luta dos negros e das contribuições dos afro-descendentes no campo social, econômico e político. A Lei inscreve-se num conjunto de medidas afirmativas para essa discussão sociorracial. Quando se resgata a história da África e dos africanos, a relação com a escravidão e a história da diáspora negra, traz um sentido de raiz, de pertencimento para todos os afro-brasileiros.  Sabemos que um dos aspectos dos países da África é a pobreza, mas não é somente isso. São 56 países com situações políticas diversificadas, situações étnicas diferenciadas. A África do Sul, por exemplo, é rica dentro de sua particularidade. A gente costuma ter aquela idéia geral, transformando a África num país e não a considerando como um continente. Isso é um aspecto que esta Lei pretende discutir e desconstruir. A luta dos negros ao longo da história também é fundamental. Eles resistiram muito à escravidão. Nos livros há sempre o negro numa posição de passividade diante do feitor. Nunca se mostra a reação. Sabemos que vários movimentos de revolta foram arquitetados pelos negros, mas isso não entra na história oficial. E aí ensinamos às gerações que o negro é pacífico. Isto é diferente de passividade. E sempre se coloca que o negro é passivo diante da tortura e da submissão.
Esta Lei é uma pista para a discussão de uma nova cidadania que desconstrói também a cordialidade do brasileiro onde todos parecem se dar tão bem e tudo acaba em “samba”.

Somos todos afro-brasileiros!

A biologia diz que não existe uma raça pura. Quando falamos de raça falamos de um conceito sociológico que é a hierarquização social dessas raças para justificar uma atuação política-econômica No aspecto biológico somos todos afro-brasileiros, pois somos todos miscigenados. Só que vivemos num país onde o racismo é muito severo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a discriminação se dá pela ascendência. Aqui a classificação se dá pela marca que é a cor da pele, a textura do nariz, o cabelo etc. O preconceito é de marca e vivenciado em todos os lugares e posições sociais. Todas as políticas que incidem sobre a discriminação racial acabam fortalecendo a reação contra o racismo. Quando criamos uma Lei estamos corrigindo uma desigualdade. Os negros têm tanto direito quanto os brancos. Então não se trata de favores e sim, de cumprir a igualdade de direitos numa atuação transformadora.  

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SANTOS, Renato Emerson dos e LOBATO, Fátima (orgs) Acoes Afirmativas: Politicas publicas contra as desigualdades raciais.Rio de Janeiro, DP & A, 2003.

SISS, Ahyas. Afro-brasileiros, cotas e Açao Afirmativa: razoes históricas. Rio de Janeiro: Quartet, Niterói: Penesb, 2003.

SILVA, Petronilha Bestriz Gonçalves e SILVÉRIO, Valter Roberto(orgs). Educação e Ações Afirmativas:entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003.

QUEIROZ, DelceleMascarenhas. Universidade e Desigualdade:brancos e negros no Ensino Superior. Brasília: Liber Livro Ed., 2004.

"A Cena Carioca com Muito Charme"

O pesquisador do Observatorio Jovem Carlos Henrique Martins fala sobre a dissertação de mestrado Os Bailes de Charme como Espaços de Lazer e Sociabilidades na Cidade do Rio de Janeiro

Por Karine Mueller e Raquel Júnia

Para a dissertação de mestrado concluída em 2004 o pesquisador do Observatório Jovem Carlos Henrique Martins foi a 102 bailes Charme na cidade do Rio de Janeiro. Mas o namoro com o “Movimento Cultural” é mais antigo, Carlos é “charmeiro” há 20 anos. Na entrevista ao Observatório Jovem, o pesquisador fala sobre a relação da juventude com o Charme e também sobre como esse movimento  permance distante de uma cultura do consumo.

Observatório Jovem (OJ) - Como é a participação dos jovens nos bailes Charme?

Carlos Henrique (CH) - Eu freqüentei os bailes Charme durante muitos anos e não via os jovens. Mas eu percebia isso com um olhar de freqüentador, sem a preocupação de um pesquisador. Esse fato começou a me chamar atenção porque o Charme existe há 25, 26 anos, e se não houvesse a presença do jovem, o movimento teria acabado ou, pelo menos, reduzido a freqüência dos bailes. Pensei que deveria haver uma forma de renovação e que esta passasse pela juventude. Então comecei a observar que o Charme se caracterizava como um movimento de adultos. As músicas são, em sua maioria, da década de 80 e 90 e hoje tem um movimento forte ligado à New Jack e outras expressões de Black Music, como eles chamam, e também ao Hip Hop. Mas era preciso ter a presença dos jovens! A partir daí comecei a andar pelos bailes já com um outro olhar e a identificá-los. Eles não estão em maioria, mas estão presentes em um número considerável. Geralmente são levados por pessoas da família ou então por pessoas mais velhas, ou ainda pela própria musicalidade do Charme, que faz com que esses jovens procurem descobrir onde toca aquele tipo de música com a qual eles se identificaram na relação intergeracional na família. Na pesquisa trabalhei com alguns jovens – quatro rapazes e dois grupos de dança – um masculino e um feminino. Encontrei esses grupos de dança em um Charme de Rua, em Padre Miguel. 
 
OJ - Qual era a idade desses jovens?

CH - Nesses grupos de dança os meninos tinham entre 15 e 24 anos e as meninas entre 13 e 21 anos.

OJ - Como eles se envolveram com o Charme?

CH - A maioria se envolveu por meio da família, embora hoje eles estejam cunhando um outro movimento musical que de certa forma hibridiza o Charme e o Hip Hop. Eles chamam de Dança de Rua e fazem questão de diferenciar do Street Dance. A Dança de Rua seria uma junção de diversas formas de dançar, com aspectos do Jazz, do Ballet Moderno e do próprio Street Dance. No movimento cultural do Charme há várias subdivisões musicais. O Flash Back são as músicas dos anos 80, o Mid Back as músicas do final dos anos 80 e nos anos 90 surgem o Slow Jam e o New Jack, dentre outras nomenclaturas. Os jovens estão mais voltados para o New Jack e o Hip Hop. Eu cunhei um nome para entender melhor o envolvimento dos jovens – o New Charme. Isso é algo que as pessoas se incomodam em enxergar. Nos bailes, hoje é perceptível, tanto nos de adultos, quanto nos de jovens, a música com a base musical toda do Charme e a linguagem do Hip Hop e o contrário também, a base do Hip Hop e o cantar mais melódico do Charme.

 OJ - No início do Charme não havia essa mistura?

CH - Não existia essa palavra para identificar um movimento cultural pontuado, principalmente, pela música e pela dança. Quem cunhou essa palavra foi o DJ Corello, em março de 1980. Na década de 60, o movimento negro nos Estados Unidos começou a ter uma força muito grande pelo reconhecimento dos direitos civis. Não que isso comece em 60, sabemos que a resistência dos negros dos Estados Unidos é bem anterior. Mas em 60, a música começa a entrar de forma muito contundente nessa causa. Diversos movimentos musicais são lançados e se espalham pelo mundo inteiro. No Brasil, por uma questão de identificação com os negros daqui, pela influência do Black Power e dos Panteras Negras e de outros movimentos mais fortes, nós acabamos assimilando esse movimento cultural.A identificação dos negros dos Estados Unidos com os negros daqui era forte, mas nos EUA eles eram muito mais politizados e nós muito menos até por uma questão fácil de entender – estávamos vivendo uma ditadura. Eles viviam uma outra ditadura, a ditadura branca. Aqui no Brasil passávamos por um momento em que a expressão era muito complicada. O movimento cultural era feito nos guetos, embora eu não goste dessa expressão. Dessa forma é que entra aqui, de maneira marcante, o Soul. Nesse momento, já na década de 70, acontece também a explosão da Discoteca. A mundializaçao da Discoteca na minha avaliação atua como uma forma de inibir um pouco a eclosão da musicalidade negra, já que o movimento da Discoteca acaba seguindo para a comercialização, o consumismo, a mundialização da cultura estadunidense e um embranquecimento da música negra, se é que podemos dizer dessa forma. Então permance por um tempo esse namoro do Soul com a Discoteca. Aí começam a criar outros ritmos derivados da Discoteca. O DJ Corello começa a fazer experiências de outras formas de Black Music. Ele introduz a musicalidade do Charme e as pessoas começam a gostar. Ele não tinha dado um nome para essa experiência, mas observou que quem dançava tinha um movimento corporal bem diferenciado. Em um baile no Mackenzie, no bairro do Meier, o Corello convida: “vamos agora ouvir um charminho para você balançar o seu corpo bem devagarinho”. Essa estória do “charminho” ficou na cabeça das pessoas e elas passaram a falar: “agora eu vou pro Charminho, vou ouvir um Charme, vou lá no Corello que vai ter Charme”.Recebi uma crítica de um DJ, dizendo que eu não poderia, na minha dissertação, ter chamado o Charme de movimento musical, confundindo-o com o Jazz, o Samba ou coisa parecida. Respondi que em nenhum momento eu chamei o Charme de estilo musical, mas de movimento cultural que tem como força marcante a dança e a música, que é uma música específica.
 
OJ - É uma música específica?

CH - As músicas são compostas de forma específica. Elas têm, dentre outras características, um ritmo que é quaternário, muito bem delineado e marcado. Os arranjos são muito bem organizados e chamam a atenção. O trabalho vocal tende sempre a ter uma maravilhosa performance vocal do artista, o que não impede de haver determinadas músicas que não tenham vocal. O que eles chamam de Smooth Jazz é uma música muito mais instrumental, com altíssimos arranjos de sax e trompetes.
 
OJ - São sempre músicas em inglês?

CH - Agora tem um grupo de cantores e DJs  muito bom trabalhando a questão do Charme em português. Mas a grande marca é de músicas em inglês.

OJ - Você chegou a pensar porque se manteve essa marca da música estrangeira?

CH - É uma pesquisadora da Unirio, Leila Beatriz Ribeiro, que fala sobre essa questão da valorização estrangeira. Um ponto fundamental por trás disso é a identidade do negro e a valorização da auto-estima. O Charme, na verdade, está relacionado ao charme para se vestir. Na década de 80, independente do calor que estivesse fazendo, os homens iam para o baile de terno e/ou sobretudo, as mulheres de longo, saltão e cabelo arrumado... Isso foi até os anos 90. Eles copiavam essas roupas das capas dos discos, dos artistas. Era o máximo você estar parecido com um artista. Essa pesquisadora fala dessa questão da auto-estima e da força que a palavra tem em inglês no sentido de dar muito mais valor e identidade ao negro do que as palavras em português. Ela utiliza como exemplo as palavras negro e black. Negro carrega um significado de desqualificação na cultura brasileira muito grande, já black tem um peso diferente.

OJ - Essas músicas são compostas lá fora?

CH - Houve um momento em que essas músicas eram garimpadas. O DJ era tão mais famoso e valorizado quanto mais raro fosse o disco que ele apresentasse, então o grande lance do DJ era colocar as últimas músicas dos artistas mais famosos. Quem tinha isso, tinha ouro! Alguns DJs tinham contato lá fora e os LP’s vinham "a peso de ouro". Hoje é feita a pesquisa na internet. Mas mesmo assim ainda existem pessoas que competem entre elas no sentido de ver quem é que consegue as músicas mais raras.  Esse é o lado bom, que é o da renovação, mas tem o lado ruim que afeta o baile. Alguns DJ’s se esquecem que estão tocando para o público e tocam para si. Eles tocam a seqüência que gostariam de ouvir e nem sempre aquilo está atendendo ao gosto da platéia. Um dos jovens que eu entrevistei fala sobre isso. Ele diz que é uma vaidade tão grande que "às vezes fica um bando de trinta, quarenta DJ’s torcendo para que o colega se dê mal na performance dele". E aí, quando o DJ coloca uma música nova é para provocar os outros colegas que o estão assistindo.

OJ - E as músicas em Português, como são feitas?

CH - Em alguns momentos, são utilizadas bases musicais de músicas conhecidas com as letras em português. Em outros momentos, são feitas releituras de determinadas músicas estrangeiras com a tradução em português. Além do grupo que mencionei, que está compondo músicas de Charme em português, há DJ’s que só tocam músicas em português. Eu conheço, pelo menos, três. Também se apropriam de músicas e mudam o andamento, Sampleam. Pegam Djavan, por exemplo, e colocam no andamento da Black Music. Isso faz muito sucesso nos bailes.
 
OJ - Você disse que o movimento da Black Music nos Estados Unidos era bastante ligado à questão política e que aqui no Brasil, em parte, devido à ditadura, esse viés político não fluia...

CH - Não fluia da maneira como a gente pensava e esperava que fosse. Mas aqui também havia movimentação e resistência. Quais eram as dificuldades pelas quais os negros passavam no Brasil? O contexto de ditadura, o fato de serem negros, de morarem, a maioria deles, em favelas... Na década de 70 havia o Black Power nos Estados Unidos que acabou influenciando no modo de vestir aqui no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Aqueles que usavam o cabelo de estilo Black Power eram parados na rua e ganhavam porrada da polícia porque ela forjava um flagrante, afirmando, por exemplo, que eles estavam escondendo maconha dentro do cabelo.

OJ - Mas, e hoje? Existe um significado de resistência no Charme como parece existir no Hip Hop?

CH - Eu acho que essa resistência do Hip Hop está um pouco "folclorizada". As pessoas idealizam o Hip Hop no Brasil e no Rio de Janeiro como uma postura política. Eu não estou vendo isso nesse momento. Eu estou vendo muito mais uma cultura voltada para o consumismo, assim como o Funk. Enquanto o Funk de São Paulo é muito mais de protesto, de posição e de marcar presença, o Funk aqui do Rio é muito mais glamouroso e também apontado como estando à serviço da apologia ao crime e ao tráfico. Há várias linguagens interpretativas do Funk que eu não vejo como postura política. Assim eu observo também com o Hip Hop. Em qualquer evento que queiram chamar a juventude, principalmente se forem pobres e negros, colocam o Hip Hop como ingrediente. Difícil negar o poder da Indústria Cultural. Então, não é que as pessoas que gostam do Charme sejam despolitizadas, elas podem ter outros instrumentos de luta, mas não o movimento cultural do Charme. O Charme é voltado muito mais para o lazer e  para uma forma de preservação de uma cultura que identifica determinados grupos dentro de determinados espaços.

OJ - O Charme não se enquadra nos processos da Indústria Cultural ?

CH - As pessoas que produzem Charme, tanto os jovens, quanto os DJ’s, se apropriam dos objetos de consumo oferecidos pela Indústria Cultural, mas não transformam o Charme em um produto de consumo. Essa não produtivização para o consumo garante a autenticidade, ainda que hibridizado. Por outro lado, isso dificulta a própria expansão do Charme como movimento cultural, diferente do Hip Hop, por exemplo.

OJ - Que já é apropriado pela indústria cultural...

CH - Sim, e de uma maneira bastante avassaladora. O Charme não resulta em produto, ele não tem produtos prontos para consumo. O Hip Hop tem toda uma vestimenta, todo um ritual, um estilo que serve de marca identitária. É uma cultura juvenil mundializada. Ou seja, ele produz consumo. O Charme não tem isso. Trabalham muito na clandestinidade na produção dos CD’s e dos DVD’s de Charme. O Cd é composto, principalmente, de músicas baixadas pela internet e é vendido nos próprios bailes, embora haja pouquíssimos lugares de venda desses produtos.

OJ - Por que não tem Baile Charme na Zona Sul?

CH - Porque, bem objetivamente, na Zona Sul não tem negro nem pobre, na sua grande maioria. Você não tem DJ´s de Black Music que morem e que transitem na Zona Sul. Não sei até que ponto também interfere o preconceito dos donos das casas para permitir ou não o acesso desses DJ´s a esses espaços - e, com eles um grande grupo de freqüentadores negros. Além disso, na medida em que o Charme não é uma expressão cultural bastante difundida na mídia, as pessoas talvez nem conheçam e, por não conhecerem, não gostam. Ou pode ser que as pessoas até gostem, mas não ouvem mais falar.  Em vários lugares nos quais eu fui conversar a respeito do Charme as pessoas se espantavam: “ué ainda existe Charme?” Porque elas lembram do Baile de Charme dos anos 80 e acham que aquilo acabou.
 
OJ - Onde são realizados hoje os Bailes Charme do Rio de Janeiro?

CH - No centro, em Rocha Miranda, Padre Miguel, Realengo, Bangu, Irajá, Meier, Engenho de Dentro, Bento Ribeiro, Madureira, Duque de Caxias...

OJ - O funk e o Hip Hop também eram culturas específicas dos negros e pobres moradores de espaços populares. Mas depois se tornaram moda e as pessoas da Zona Sul vão para a favela participar do baile Funk. Você percebe que o Charme caminha para essa miscigenação com a cultura branca? Além desse baile no Bola Preta, tem também um na Carioca...
 
CH - Eu não gosto muito de fazer essa separação. Até porque eu sou branco e estou lá há muitos anos. Você se referiu ao baile que acontece no Tangará na última sexta-feira do mês. O grande barato é que aquilo começou como um movimento de resistência negra no sentido de não ter espaços culturais negros. É por isso que quando eu falo de resistência eu falo de uma forma de resistência politizada, mas que não necessariamente esteja reivindicando questões específicas. Por exemplo, foi a partir da música que esse grupo que freqüenta e freqüentou o Tangará denunciou a falta de espaço para determinados segmentos sociais, dentre eles, os pobres e os negros. Esse baile começou com um som na rua. Aí as pessoas ligadas aos movimentos negros começaram a se reunir nesse bar. O bar acabou porque o prédio entrou em obras e até hoje não voltou a funcionar, mas o som continuou. Um encontro que reunia 200, 300 pessoas, hoje reúne duas mil pessoas. Isso para quem está chegando é uma novidade. Mas para quem já estava ali como a gente, o sucesso nos está expulsando. Nesse momento pode ser que descaracterize. Perca a identidade no sentido de que era uma expressão de encontro da Black Music e passe a ser quase uma atração turística.
 
OJ - Esse grande público interfere na característica das músicas e da dança?

CH - Não interfere porque acaba não tendo dança. Pela quantidade de gente, você fica sem espaço para dançar.
 
OJ - Então não se parece com um Baile de Charme típico, já que não tem dança?

CH - Exatamente. Não tem dança porque não tem espaço. Quando se consegue um espaço é um micro espaço para se dançar. Outro agravante é a grande quantidade de vendedores ambulantes. Isso se deve, entre outras coisas,ao próprio empobrecimento da cidade. Antes havia dois, três, hoje há uns 30.
 
OJ - Então será que não está tendo esse movimento em direção ao que aconteceu com o Funk há alguns anos e também com o Hip Hop?

CH - Não consigo prever.
 
OJ - De virar moda...

CH - O que eu posso dizer é que tenho observado uma retomada do crescimento do número de bailes e não necessariamente do número de freqüentadores. Fazem muitos bailes ao mesmo tempo e os charmeiros não conseguem ir a todos os lugares. Obviamente vão ter que se dividir, no que se dividem, esvaziam os bailes, principalmente se for cobrado. Mas por outro lado, por exemplo, em Madureira há cinco bailes aos domingos, todos cheios.
 
OJ - O Charme continua tendo relação com a auto-estima da população negra?

CH - Eu não acho que seja mais pela questão da auto-estima, mas um ponto de identificação com a comunidade negra. Ou seja, mais um local, onde os negros sabem que vão se encontrar. Vejo o Charme mais situado como um espaço de lazer para a comunidade pobre e negra. Muitas vezes, ter um baile Charme perto de casa ou no bairro ao lado significa uma possibilidade de lazer barato, onde o sujeito vai estar com pessoas que ele gosta e onde ele vai retomar a questão da musicalidade, da memória, da dança, e, principalmente, o espaço da sociabilidade. E, o que parece ser melhor, em segurança, no caso da cidade do Rio de Janeiro.
 
OJ - Existe algum traço de violência nesses espaços?

CH - Não. Eu freqüento o Charme há 15 ou 20 anos. Para a pesquisa eu fui a 102 bailes. Nesse tempo todo eu vi três brigas, as três foram mulheres brigando por motivos pessoais. Me intriga profundamente como isso acontece num contexto em que os jovens e adultos estão envolvidos com violência e aquele espaço do Charme fica tão preservado. Isso é assim em todos os lugares, tanto no centro da cidade, quanto na Cidade de Deus, por exemplo.
 
OJ - Como é a relação entre os jovens e os adultos?

CH - Os jovens conseguem estabelecer o Charme como espaço de sociabilidade, conseguem organizar e elaborar as suas identidades a partir da musicalidade, da dança e da própria relação com os adultos. A intergeracionalidade é forte. Mas há momentos em que essa relação se dá de maneira conflituosa.
 
OJ - Por que?

CH - Porque em determinados espaços, por exemplo, os adultos não aceitam a presença de jovens porque assim como eles podem representar a continuidade, eles podem representar também a transformação e a mudança. A forma como o jovem está vestido, por exemplo, pode identificar essa diferenciação.
 
OJ - Mas tem uma classificação etária para entrar nos bailes?

CH - Não, em alguns bailes há segurança na porta para verificar se as pessoas estão armadas, mas não se verifica a idade. Inclusive, um fato interessante de se observar é que principalmente nos bailes happy hour, que começam no fim da tarde, há uma grande quantidade de crianças. 
 
OJ - E elas dançam também?

CH - Dançam. É maravilhoso! Isso é a certeza da continuidade do Charme, mesmo que seja para a transformação.
 
OJ - Você falou no Charme como um espaço gerador de um processo de sociabilidade muito grande. Como são as relações afetivas?

CH - Existem normas ocultas que são de alguma forma introjetadas por essas pessoas que freqüentam os bailes. Por exemplo, o princípio de não mexer com a mulher do outro. Uma pisada no pé é motivo para se pedir desculpas, as pessoas não se olham de cara feia. Outro exemplo, a socialização da bebida é algo marcante. A mesa funciona como um espaço de socialização. Quatro grupos diferentes dividem uma mesma mesa, aí, depois de um tempo, uns já estão enchendo os copos dos outros.
 
OJ - De onde você acha que vem esse modo diferente de festejar?

CH - Talvez sejam as normas, os códigos. Vira uma norma quase introjetada de que nesse espaço é possível dividir as coisas com as pessoas. Dividir o espaço das mesas. A questão do dançar, por exemplo. Se você é nova, as pessoas fazem questão de ensinar os passinhos básicos.
 
OJ - Mesmo se a pessoa é branca?

CH - Mesmo sendo branca. Não observo esse tipo de preocupação entre os frequentadores.
 
OJ - Você vai continuar trabalhando com o Charme?

CH - Meu projeto de doutorado é trabalhar com memória de jovem. Porque nessas andanças eu pude entender que essa relação intergeracional é estabelecida pela memória. E o que eu observo é que não tem nenhum trabalho discutindo ou investigando a construção da memória do jovem. A abordagem está sempre voltada para o idoso e para o adulto. O que eu quero investigar é exatamente isso, que o jovem possui uma memória, independente, de longa ou curta duração, mas que essa memória é construída a partir da experiência vivenciada também na relação intergeracional. No caso do espaço do Charme, o gosto do jovem, por exemplo, é influenciado diretamente pela relação intergeracional. Foi o pai, a tia, o avô, o vizinho, foi alguém do grupo afetivo que apresentou a musicalidade ao jovem e fez com que ele, aos poucos, se apaixonasse pelo Charme. Hoje isso está sendo feito inclusive com as crianças, mas não de uma forma "religiosa". As crianças vão ao Charme com prazer. Nessa relação eu comecei a observar a possibilidade de entender a construção da memória, uma relação com a experiência do adulto e o projeto do jovem. Quero falar sobre como essa memória pode influenciar não só na sociabilidade, mas, principalmente, na elaboração da identidade juvenil a partir das relações intergeracionais.

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