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Artigos de opinião

Artigos de opinião

Esquema intelectual viciado

O mal-estar brasileiro não é responsabilidade das meninas pobres

Em artigo resposta, Maria Luiza Heilborn, coordenadora do CLAM, rebate a associação freqüentemente estabelecida na sociedade entre gravidez na adolescência e criminalidade urbana

No Artigo “As Nossas meninas-mães” (O Globo, 31/03/07), o escritor Zuenir Ventura coloca o planejamento familiar como um tema tabu que, sob o nome de controle da natalidade, enfrenta fortes resistências morais e ideológicas por parte da igreja e até da esquerda. Entre outros aspectos, ele ressalta que milhares de meninas muito jovens (antes dos 14 anos) e pobres estão tendo filhos cedo demais.

Sobre esse texto, é importante destacar que há um esquema intelectual viciado em diversos articulistas da grande imprensa, armadilha que volta e meia reaparece travestida de preocupação com a infância pobre. Desta vez, foi o artigo de Zuenir, mais um a se render à equação reducionista: reprodução entre os pobres é igual à invasão das hordas de criminosos que assola as grandes metrópoles brasileiras. Ele chama atenção para o tabu do “planejamento familiar”, mas o modo como é feito revela profundo desconhecimento da realidade demográfica do país. Diminuir o número de pobres impedindo-os de nascer aparece como a salvação das mazelas sociais e da violência urbana. Mais do que isso, é a fecundidade dos mais pobres que deve ser controlada, sobretudo das mais jovens, pois são elas que “fabricam em série” os delinqüentes juvenis.

Sair deste esquema de relação causa/efeito é o que pode nos levar a ter um debate sério a respeito da gravidez na adolescência. Afirmar que estas “meninas” estão despreparadas para a tarefa de ser mãe é desconhecer que, muitas vezes, são elas que ficam em casa cuidando de irmãos menores para que suas mães possam trabalhar. É essa atribuição doméstica que, na maior parte das vezes, corta a infância no estilo do que a classe média entende, preconiza e idealiza para os seus próprios rebentos. É estar muito longe da realidade social das favelas cariocas. A falta de “condições psicológicas, econômicas ou emocionais” deve ser entendida no quadro mais amplo de “falta de perspectiva de vida” dos jovens pobres. Ignorar que problemas sociais subjacentes aos contextos das favelas, como a brutal concentração de renda, a precariedade das condições de moradia nos grandes centros urbanos, a baixa qualidade do sistema de ensino para os pobres, fatores que não permitem a essas jovens descortinar outros horizontes de realização que não seja ter um filho no colo.

Um dos problemas do texto é que, citando números absolutos, mistura fenômenos de magnitude distintas. De saída, é necessário separar as trajetórias de meninas de 13, 14 anos, daquelas que possuem 18, 19 anos. Nessa última faixa, projetos de constituição de família nem sempre mal-sucedidos constituem o horizonte das ditas meninas. Elas engravidam antes e se unem depois. De nada adianta massificar a distribuição de contraceptivos se nada for feito em relação à inclusão dos jovens mais pobres e a constituição de possibilidades reais de melhoria de vida para que possam sonhar com um futuro melhor e aspirar condições outras do que a que eles têm a sua própria volta... Há soluções alternativas mais respeitosas com os direitos reprodutivos dos pobres: creches públicas para receberem os filhos das mulheres que precisam trabalhar fora de casa, escolas de tempo integral e com diversificação de atividades que preencham o cotidiano destas crianças e jovens, tornando-os menos vulneráveis às intempéries.

Planejamento familiar só funciona, de modo democrático, com processo de educação para a vida sexual, com a capacidade de planejar condições de vida e não apenas as condições de reprodução e com um amplo debate sobre a descriminalização do aborto, como apontou o jornalista Elio Gaspari (O debate sobre o aborto faz bem à saúde, 1/04/07). É bom repetir: meninas que engravidam muito cedo já abandonaram a escola. Os dados da pesquisa GRAVAD – , pesquisa nacional realizada por três universidades públicas, UERJ, UFBA e UFRGS – mostraram que estar na escola é um elemento de grande importância de prevenção da gravidez na adolescência. Cerca de 20% das meninas que tiveram filhos antes dos vinte anos voltam a estudar depois de ser mãe. O mal-estar da sociedade brasileira tem condições de ser amenizado por ações de distribuição de renda e melhorias educacionais e de trabalho para os pobres. O desconforto não passa com a demonização dos pobres. Jovens pobres também querem sonhar.

* Antropóloga, diretora do CLAM (IMS/Uerj), coordenadora nacional da pesquisa Gravidez na Adolescência (GRAVAD)

Publicado originalmente no CLAM, em 10.04.2004

Ser uma mulher jovem...

"A minha geração usufrui de coisas pelas quais outras gerações lutaram, ainda assim lutamos para que possamos tê-las plenamente. Me sinto uma jovem mais livre, sei que ainda existem muitas coisas para serem construídas"

Sabe, para escrever este texto fiquei muito atenta ao que diferenciava o meu ser jovem enquanto mulher na sociedade atual. Pensando nisto questionei-me sobre o que era diferente de outros tempos e como vivo hoje. Sinto que agora as coisas estão sendo desconstruidas para que se construam outras, assim algumas coisas já mudaram enquanto outras estão neste processo. A minha geração usufrui de coisas pelas quais outras gerações lutaram, ainda assim lutamos para que possamos tê-las plenamente.

Sendo assim me sinto uma jovem mais livre, sei que mesmo assim ainda existem muitas coisas para serem construídas. Não se acaba com uma mentalidade secular do nada, é trabalho de formiguinha mesmo. Sei que há muitas formigas dispostas a construir um mundo de igualdade entre mulheres e homens.

Considero que enquanto jovem a gente lida com uma gama de coisas, de preconceitos, de confusões. Uma delas é o primeiro emprego, qual garota atualmente não quer a sua independência financeira? Qual não quer o seu trabalho? E considero até que, às vezes, a gente começa a se preocupar cedo demais com isto . Algumas por necessidade, outras pelo desejo de liberdade. Por causa disto acabamos passando por jornadas absurdas de trabalho. Lembro que fiquei muito nervosa com esta expectativa, eu ficava muito ansiosa. Sei que para qualquer jovem chega um momento que este fator se torna decisivo e é aguardado com muita expectativa. Outra grande expectativa é a possibilidade de ingressar na faculdade, o que também ocasiona nervosismos e se torna decisivo para algumas jovens, ainda mais quando concorremos em fatores de desigualdade. Esta dificuldade é compartilhada por todas e todos os jovens, mas vejo que enfrento algumas peculiaridades que são típicas do meu sexo. Como o medo de ir para casa depois da faculdade, quando muitas vezes somos abordadas por assaltantes somente por sermos mulheres, consideradas “frágeis”. Infelizmente já passei por uma situação similar e tenho que conviver com este medo toda vez que pego minha mochila para ir da faculdade para casa.

Outra peculiaridade que nos diferencia é o fato de nós, mulheres, sermos cobradas dentro de casa muitos afazeres e assim acabamos tendo duplas e triplas jornadas. Sem falar nas jovens mães, que também vão enfrentar outra forma de trabalho e o fato de muitos/as ainda acharem que cuidar dos filhos/as e da casa são coisas típicas das mulheres, este é mais um tabu que temos dificuldade de superar.

Vivo, como muitas jovens, o dilema de dividir o meu tempo entre o trabalho, as aulas e as tarefas da faculdade, o que é uma tarefa muito difícil. Porém considero isto como parte de uma realização pessoal, formada pelo desejo de ser independente e de me formar.

Costumo dizer que a princípio todas e todos somos machistas, pois mesmo sem querer fomos criadas numa sociedade assim. O que realmente importa é o que vamos fazer com esta realidade: reforçá-la ou repudiá-la.

Percebo que, apesar de muitos avanços, ainda nos resta muitos tabus, que são difíceis de serem superados. Um destes é sobre a construção de nossa sexualidade, a relação da mulher com seu corpo e suas vontades, reconheço que tenho também estas dificuldades. Esta relação ainda é bastante “estranha”, pois fomos criadas cheias de pré-conceitos com relação a nós mesmas e temos que desfazê-los. Isto demora um pouco. Vejo esta libertação como mais uma forma de nós sermos livres e completas.  Vejo que muitas jovens já conseguem estabelecer esta relação de si mesmas com sua sexualidade, para algumas é mais fácil do que para outras.

Considerando tudo o que foi dito acima e olhando ao meu redor, me sinto uma jovem mulher em avanço. Daquelas que pensam, que falam e não temem dizer o que querem. Que decidem e se expressam de muitas foirmas e maneiras.

Fico confusa e penso: “Afinal, o que é ser uma mulher jovem?”. Ser jovem e mulher hoje no Brasil significa percorrer caminhos e superar desafios Assim como fora em outros tempos, apesar da mudança de alguns objetivos. É também vivenciar toda a negligência relegada a esta fase da vida: a juventude. Juventude para a qual se pensa políticas que, por sua vez, não atingem quase ninguém. Poucas políticas se destinam às jovens. Assim como pouquissimas são cumpridas seriamente.

Ser jovem também é ter toda a herança de ter sido “educada” num sistema machista e sexista. A maioria das jovens não tem espaços para refletir sobre sua condição e seu papel. Nos fazem pensar que as injustiças são naturais, que não há a necessidade de questionar algumas atitudes nem de se pensar enquanto Mulher. Porém devemos ter também toda a vontade de não fazer destas condições motivos para desistirmos de nos construir enquanto mulheres, enquanto jovens.

Atualmente percebo que nós estamos desconstruindo um papel que nos era tido como natural, como ficar em casa esperando o casamento e, no máximo, estudar para sermos professoras. Estamos buscando outras possibilidades como o da jovem que trabalha e estuda, cujo objetivo não é apenas ser mãe. Assim vamos falando ao mundo que a garota de hoje pode até pensar em coisas como o casamento, mas quer viver da forma mais completa possível, explorando todas as possibilidades que o mundo oferece.

* Carla Romão, 20 anos, estudante do terceiro período de Ciências Sociais da UERJ,  professora de educação infantil, colaboradora da CAMTRA - Casa da Mulher Trabalhadora - e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Leia também: Entrevista Saida Ali

A Hipocrisia da Maioridade Penal

Agora mais que nunca assume destaque nas principais pautas do país os projetos de leis que determinam entre outras medidas a diminuição da maioridade penal, o que permitiria que uma faixa maior de jovens pudessem ser presos

Charge - Folha de S.Paulo -04.03.2007Tem tido muita visibilidade a partir de vários setores da mídia, que colocam esta questão como a solução para a violência praticada por estes jovens, o que é uma enorme falácia, já que nossa realidade prova todos os dias que ter leis combativas, não inibem a criminalidade.

O debate que deveríamos fazer, e que tem sido tendenciosamente negligenciado é a respeito da função das cadeias. Precisamos discutir se o modelo que acreditamos ser capaz de acabar com a criminalidade, é o sustentado pela repressão violenta, como temos hoje, ou o que prioriza medidas sócio-educativas que possibilitem novas formas de ver e encarar a vida.

O sistema carcerário brasileiro é caracterizado eminentemente pelas lacunas deixadas pelo poder público, os presos, na sua maioria, não têm opções de ocupação. E como várias vovós diziam “mente vazia é oficina do diabo”. O espaço que deveria estar sendo ocupado por: estudos, trabalhos, cursos, esportes... não é viabilizado pelo sistema, deixando os presos restritos a eles mesmos. Com isso constrói-se dentro destes espaços verdadeiras escolas de formação para o crime. Os que entram com bagagem ensinam, comandam, enquanto os que entram por pouca coisa se capacitam criminalmente, alguns por opção, outros por aliciamentos, uns até por osmose... para ao saírem ou mesmo lá dentro colocarem em práticas seus novos conhecimentos e construírem um novo círculo contaminado de relações, o que oxigena vigorosamente o crime organizado.

Além disso ainda há dois problemas que atingem maciçamente grandes parcelas das cadeias brasileiras, a falta de infra-estrutura e a superlotação, que proporcionam aos detentos uma condição de vida sobre-humana.

Colocada todas estas questões fica claro uma coisa de cara, o sistema prisional brasileiro não funciona. O que nos leva automaticamente a uma outra conclusão, que colocar mais pessoas na cadeia só ajuda a piorar a situação do país, principalmente quando falamos em jovens mais vulneráveis socialmente.

Outro fator nessa discussão que merece importância é a total manipulação de critérios que existem para determinar a idade ideal de diminuição. Já que existem projetos na câmara que prevêem até para 14 anos de idade a responsabilidade penal. Como é possível tratarmos uma criança que ainda tem pouco discernimento e experiência da vida da mesma forma que por exemplo um adulto de 30 que já praticou inúmeros crimes, já foi preso várias vezes.... ?  E que seja para 16 anos, onde está a vantagem em colocar tais pessoas nesta cadeia que falamos acima?

O principal argumento de defesa da Diminuição, é pelo efeito demonstrativo, ou seja a partir do momento que o jovem tiver consciência de que pode ser preso ele não cometerá delitos. Isso é uma furada enorme, porque prendemos com o passar do tempo cada vez mais pessoas, e o número de criminosos só aumentam. Numa sociedade onde impera a impunidade como a nossa, medidas como estas só servem para mascarar os problemas reais e reprimir ainda mais os pobres.

E mais, a discussão fundamental, que deveria ser destaque constante em meios de comunicação, e que hoje, por conta de um número crescente de acontecimentos envolvendo menores tinham que ter seu ápice em visibilidade é muito pouco fomentada. Refiro-me à efetiva execução do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que se fosse garantida, com certeza diminuiria vertiginosamente os índices de criminalidade e violência. Não só na faixa dos menores de idade atuais, mas sobretudo a médio e longo prazo, que contribuiria demais para a construção da formação cidadã e da responsabilidade social dos adultos de amanhã.

No entanto o tratamento dado a menores infratores, com exceção às questões legais, se manifesta na prática muito pouco diferente do modelo prisional comum. Com isso há um total abandono do que é garantido no ECA, principalmente no que tange os direitos humanos e no caráter sócio-educativo que deveria ser o pilar de sustentação deste sistema.

Fica claro que precisamos garantir não que mais punições sejam dadas, mas que principalmente sejam criadas mais oportunidades: de conhecer, de escolher, de se arrepender e voltar atrás, enfim de viver, porque somente desta forma poderemos combater de verdade as violências que sofremos cotidianamente.

Vivam e deixem viver!

*Jorge Alberto, 19 anos, estudante de Direito, morador do município de São João de Meriti na Baixada Fluminense

Leia também Redução da Maioridade Penal

"Pro Dia Nascer Feliz" nos defronta com nosso futuro

A universalização do ensino no Brasil fica muito bem nas estatísticas: 97% das crianças freqüentam escolas. Mas, ao assistir "Pro Dia Nascer Feliz", dirigido por João Jardim, em cartaz desde a última sexta, a certeza que fica é que o acesso à escola não significa muito mais além do acesso em si

Escolas destruídas, professores sem capacitação, alunos desmotivados são o resultado de uma opção de ensino que resolveu ser abrangente, pagando o preço de nivelar por baixo.

É sobre isso esse brilhante filme -sobre escolas que fingem ensinar alunos que fingem aprender. É também um filme sobre a viabilidade do nosso país e deixa claro que ela depende muito menos de PACs do que de um investimento sólido e prioritário em educação. Grande novidade.

Um estudo do próprio Ministério da Educação concluiu que o investimento de 4,3% do PIB é insuficiente para resolver este problema secular. Segundo o mesmo estudo, seriam necessários 8% do PIB para tal. Não bastasse isso, o foco do investimento em educação no Brasil privilegia a elite, ao investir pesadamente no ensino superior. Enquanto o Prouni serve de bandeira eleitoral, o Fundep mal saiu do papel.

Mas o filme de João Jardim não segue por esta trilha. Conversando com alunos, professoras e diretoras sobre o dia-a-dia de escolas em lugares tão distantes quanto Manari, no sertão de Pernambuco, ou Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e sem nunca ser panfletário ou óbvio, o filme encontra um viés próprio para nos colocar frente a frente com o nosso futuro.

Numa das seqüências mais dramáticas, assistimos a uma reunião de conselho onde professores decidem se devem ou não aprovar um determinado aluno, sabidamente sem as qualificações para passar de ano. Se o fizerem, certamente prejudicarão a futura turma da qual ele faria parte. Por outro lado, se reprovado, o aluno abandonará a escola e, por já estar com um pé no crime, certamente fará sua opção definitiva. Como resolver tal dilema? Sinuca de bico.

Numa outra seqüência, uma diretora diz que é difícil administrar uma escola onde os professores, assim como deputados, encaram seu número máximo de faltas permitidas por lei como um direito. Os alunos reclamam que, com estas faltas, fica impossível aprender.
A câmera de João vai até uma professora faltosa que confessa que, às vezes, fica em casa por não ter condições psicológicas de ser agredida sistematicamente. Sinuca de bico outra vez.

Equilíbrio do impasse

Seria muito mais simples se os culpados fossem apontados e condenados, como faz Michael Moore, mas João, que também é o montador do filme (aliás foi pela montagem que ele chegou à direção), não toma nenhum partido. E é justamente o equilíbrio do impasse que nos tira o fôlego.

O contraponto desta situação está numa seqüência rodada no Colégio Santa Cruz, escola particular de elite em São Paulo. Os alunos ali têm o tal privilégio de saltar do drama (da sobrevivência) para a tragédia (da existência humana), como diria Bertrand Russel.

Apesar da coincidência de situações com alunos de escolas da periferia, estão amparados, num ambiente propício ao seu pleno desenvolvimento.

Fica claro que serão estes os alunos que ocuparão as melhores universidades do país, em geral públicas, e revela-se que, perversamente, o sistema de ensino que deveria promover a inclusão social acaba sendo um perpetuador das diferenças.

Não me lembro de outro documentário com tamanha capacidade de nos fazer refletir sobre nosso futuro e ainda por cima emocionar como poucos filmes de ficção são capazes.

Achei que eu pudesse estar meio frágil no dia em que assisti a "Pro Dia Nascer Feliz", mas depois constatei que não fui o único a pagar o mico de derrubar lágrimas no cinema.

Em meio a questões sobre ensino, o filme ainda consegue mergulhar no universo dos adolescentes, com toda a sua carga de incertezas e esperanças diante do mundo adulto no qual estão entrando. Como uma lâmina precisa, o filme corta a alma.

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FERNANDO MEIRELLES , 51, é cineasta. Diretor de "Cidade de Deus" (2002) e "O Jardineiro Fiel" (2005), que juntos tiveram oito indicações ao Oscar, ele filmará neste ano "Ensaio Sobre a Cegueira", a partir da obra de José Saramago.

Juventude e cultura neoliberal

A cultura neoliberal teme o idealismo dos jovens. Todos os grandes revolucionários da história tinham menos de 30 anos de idade ao ousarem consagrar suas vidas a transformar sonhos em realidade

São três os recursos utilizados pelo neoliberalismo para neutralizar as motivações utópicas da juventude. Primeiro, a desistorização do tempo. Extirpar o caráter histórico do tempo, herdado dos hebreus e tão presente na mensagem de três judeus paradigmáticos à nossa cultura: Jesus, Marx e Freud. Sem o varal da história, o tempo transforma-se num movimento cíclico. A historicidade cede lugar à simultaneidade. O compromisso ao ficar. O projeto ao prazer imediato. Assim, perde-se a dimensão biográfica da vida, agora reduzida à esfera biológica.

O antídoto para este atentado à cultura é a participação política: no grêmio ou no diretório estudantil; nos movimentos sociais ou partidários; na luta por direitos humanos ou pela defesa do meio ambiente. Toda escola deveria ser um centro de formação política, sem partidarismo, mas tendo clareza de formar cidadãos e não consumidores.

O segundo recurso neoliberal é a redução da cultura ao mero entretenimento. Nada de programas televisivos que despertem a consciência ou imprimam densidade ao espírito. Valem o apelo sensitivo, o jogo de imagens, o voyeurismo, a pornografia e a violência. Nada de fazer pensar e, muito menos, ter senso crítico.

Neste caso, o antídoto é a própria cultura. Acostumar crianças a lerem livros e jovens a debaterem temas da conjuntura nacional e internacional. Educar o olhar em cineclubes e sessões de vídeos, em que filmes, capítulos de novelas e clipes publicitários são analisados criticamente.

O terceiro recurso neoliberal é o consumo como fonte de valor humano. Em si, a pessoa nada vale. Mas revestida de uma mercadoria valiosa, como carro importado, mansão e grifes, passa a ter valor. Ou seja, é a mercadoria que imprime valor às pessoas e não o contrário.

Neste caso, o antídoto é a espiritualidade. Quem abre-se ao transcendente faz a experiência de Deus, entusiasma-se no serviço ao próximo, já não busca fora de si a felicidade saboreada em seu espírito. Prefere a solidariedade à competitividade. Vive o amor, não como dever, mas como o prazer de ser feliz por fazer os outros felizes.

Teólogo, autor juntamente com Paulo Freire do livro "Uma escola chamada vida"

Fonte: Ação Cidadania

Ousadia, desejo e transgressão: as nuances da juventude gay, lésbica, bissexual e transgênero - GLBT

Antes de qualquer comentário é preciso reconhecer a complexidade existente entre as temáticas gênero, orientação sexual e sexo e o aprofundamento dessa complexidade quando associado a juventude e a classe social

Se entre as camadas médias e urbanas, alguns autores apontam para a flexibilidade das identidades sexuais, observamos que entre as camadas pauperizadas, sobretudo, as da periferia e de cidades interioranas, a forma como o indivíduo vivencia o seu afeto, desejo sexual e se projeta no cenário social irá definir como será tratado na sociedade e é sobre isso que iremos discutir nesse texto. Não ignoramos a fluidez dos desejos, das identidades sexuais e das sexualidades, entretanto, nesse texto nos limitaremos a discutir a vivência cotidiana de adolescentes e jovens que se reconhecem nos códigos existentes nas identidades gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.     

Olhando atentamente o cotidiano da juventude GLBT pauperizada é possível observar as conseqüências da violência. Um aporte teórico que nos permite analisar os resultados da exclusão e da violência encontra-se na discussão do abuso (COSTA, 2003). O termo abuso inclui prevalecer-se de, aproveitar-se de, praticar excessos que causam ou podem causar dano, assim como o uso de palavras para desqualificar, ridicularizar, fazer zombarias, injúrias, insultos, usar mal ou inconvenientemente de qualquer situação de superioridade de que se desfruta e se exceder em limites que ultrapassam o respeito pelo outro. O termo, neste sentido, inclui agressões que, mesmo não ferindo o corpo, ferem a sensibilidade, as emoções, a auto-estima e desrespeitam a identidade e singularidade da pessoa atingida, podendo causar transtornos ou desconforto emocional, que podem traduzir-se em “subalternidade” e/ou negação da identidade sexual.

Nesse caminho é importante enfatizar a conseqüência da humilhação, que pode ser tão traumática quanto os efeitos da lesão física, já que suas ações atingem a valorização pessoal, a autoconfiança e a confiança no outro. Portanto, a conseqüência última do abuso também é a homofobia[2] internalizada. Neste sentido, mais eficaz do que as ações preventivas e/ou repressivas dos aparelhos de controles sociais é a postura do indivíduo que é levado a repudiar seus desejos, em detrimento do histórico estigmatizado, não os vivenciando ou mantendo-os na invisibilidade.

Portanto, a invisibilidade adotada, encontra-se no campo da violência simbólica (Bourdieu, 2003). O exercício diário da ocultação seja na família, no trabalho, na universidade, na igreja ou na escola é motivado pela internalização nos indivíduos dos valores sociais que engendram a sua orientação sexual nos campos do pecado, do erro, da culpa, da sujeira entre vários outros adjetivos de cunho pejorativo aos quais os/as adolescentes e jovens são levados a crer sobre a sua sexualidade.

Em pesquisa coordenada pelo Grupo Arco-Íris, UERJ e Universidade Cândido Mendes em 2003, com 468 freqüentadores na 8ª Parada do Orgulho GLBT realizada em Copacabana/RJ, perguntou-se sobre os locais e os autores das agressões mais marcantes. Entre os que responderam, 50,2% apontaram os locais públicos, acompanhado do número expressivo nas dependências da casa (14,9%), a escola ficou com 11,9%, seguido de 11,2, nos estabelecimentos comerciais e 9,5% no trabalho. É importante mencionar que 25,9% entre faixa de 14 e 18 e 20,4% dos jovens entre 19 e 21 anos foram vítimas de agressões ocorridas na escola.

Ainda com a pesquisa acima, entre os causadores dos abusos foram indicados em ordem seqüencial: primeiro - desconhecidos, com 136 casos; segundo colegas de trabalho ou escola com 36 casos; terceiro - familiares com 28 casos; quarto - amigos com 27 casos; quinto - policiais ou seguranças com 23 casos; sexto - vizinhos com 17 casos; sétimo - parceiro com 13 casos; oitavo - professores ou chefes com 9 casos e por último em nona posição os funcionários públicos com 4 casos.  Das agressões sofridas pelos/as homossexuais da amostra, 42 agressões foram denunciadas a órgãos públicos, das 295 apontadas como as mais marcantes. Os resultados obtidos na pesquisa permitiram indicar que mais da metade dos entrevistados, quase 60%, já haviam sofrido algum tipo de agressão diretamente ligada à orientação sexual. Dos entrevistados, cem afirmaram não ter divulgado a agressão a ninguém, o que evidência a conseqüência mais marcante do preconceito: a subalternização e sentimento do medo. Este quadro confirma e aprofunda a observação de que a violência contra GLBT é vivenciada de forma silenciosa e que a significativa maioria das agressões não só estão impunes como sequer foram oficializadas em registros jurídicos.

Pesquisa no mesmo molde e coordenação foi desenvolvida em 2004. Diferente do ano anterior, existiram no questionário perguntas específicas a fim de mensurar a intensidade da violência contra GLBT nas escolas. Entre os freqüentadores, com 15 a 18 anos que responderam as perguntas sobre discriminação na escola (47 entrevistados), 40,4% afirmaram terem sido marginalizados por professores e colegas. Os percentuais diminuíram à medida que as faixas etárias aumentaram, mas ainda assim, permaneceram em números consideráveis, entre 19 a 21 anos (83 entrevistados/as), 33,3% e 26.8% entre os de 22 a 29 anos (179 entrevistados) sofreram discriminação no espaço escolar.

Os coordenadores chamam a atenção para o fato de a discriminação ocorrer de forma diferenciada entre os homens e mulheres. Observaram que entre os 503 entrevistados, 33.1% dos homens foram discriminados seguidos de 17.7% entre as mulheres. Os bissexuais localizaram-se em nível inferior aos homossexuais, 21.9%. Entre as/os transgêneros o percentual ficou no patamar de 25.8%, a incidência foi relativamente baixa, mas segundo os autores seria em decorrência da pouca freqüência de estudantes transgêneros nas escolas/faculdades. A discriminação contra os homossexuais de acordo com Abramoway, Silva e Castro (2004) demarcaria a diferença de um com relação ao outro, afirmando o papel daquele que discrimina e a inferioridade e desvio daquele que é discriminado.

Outra situação especifica do universo infanto-juvenil, encontra-se na descoberta das nuances do corpo e da prática sexual, no geral esse processo é compartilhado com amigos. A necessidade de narrar experiências amorosas e de ouvir relatos sobre relações sexuais é o caminho que vários adolescentes utilizam para diferenciá-los das etapas da infância. O primeiro beijo, a paquera na escola, a saída com o pretendente, a troca de telefones e a comunicação do namoro aos amigos, todas as publicidades de experiências que romantizam a vida cotidiana dos adolescentes não fazem parte do dia-a-dia dos jovens GLBT. A prerrogativa da solidão, o autocontrole dos gestos e o silenciamento oral dos desejos são as primeiras experiências que os adolescentes GLBT são obrigados, em detrimento do preconceito, a aprender. Entretanto, esse quadro é apenas um lado do prisma, em se tratando de seres humanos, o desejo é capaz de gerar ousadias e revelar caminhos.

O uso dos praticantes: a internet entre a visibilidade virtual e a invisibilidade real

As salas de bate-papo na internet ou nos telefones convencionais são habilmente freqüentadas pelos adolescentes GLBT residentes nos centros urbanos. Os usuários inventam nomes e características pessoais, esse quadro provoca o anonimato e possibilita, inicialmente, a invisibilidade. Utilizando-se do reservado[3] das salas de bate-papo é possível aos usuários o diálogo entre duas pessoas. As informações relacionadas às preferências culturais, as características físicas e os bairros onde se situam são obtidas no diálogo virtual. O objetivo do início da conversa, depois de alguns minutos é teclado e logo aparece na tela: vamos nos encontrar? A ação motiva outra reação: me dá seu número de celular?

A partir de relatos de adolescentes freqüentadores dos encontros de quartas-feiras no Shopping Madureira e da rua Almerinda Freitas (zona norte do município do Rio de Janeiro), a privacidade do aparelho telefônico celular permite que somente o usuário possa atendê-lo, não correndo o risco de ser descoberto a sexualidade pelos familiares. Portanto, na tentativa de encontrar aquele que possui interesses semelhantes, os internautas podem agendar e encontrar os seus companheiros de sala de bate-papo na visibilidade da rua, dos shoppings, dos cinemas... Tecendo as suas redes de sociabilidades, conforme podemos verificar no depoimento de Luan.

Conheci meu namorado na lista de e-jovem na internet, ficamos algum tempo nos falando e resolvemos nos encontrar (17 anos).

Outro recurso freqüente utilizado pelos adolescentes GLBT é o blogg: um diário eletrônico disponibilizado na rede de internet, freqüentado por centenas de pessoas, que ao lerem as anotações, podem comentá-las. A internet é amplamente freqüentada pelos adolescentes e jovens GLBT, mesmo entre aqueles que não possuem acesso em suas residências. A invisibilidade inicial provocada pela dinâmica virtual permite que homens e mulheres, sobretudo, adolescentes venham a construir sua rede de sociabilidade. Segundo Russo (2000), existiriam no Brasil mais de 980 sites direcionados a esse público homossexual. 

Dados apontados por Carrara, Ramos e Caetano (2003), indicam que dos 39 entrevistados entre 14 e 18 anos (faixa etária proibida de freqüentar estabelecimentos comerciais GLS), 43,6% freqüentam as salas de bate-papo de gays e lésbicas na internet seguidos de 20,5% que às vezes as utilizam. Neste sentido, o papel da internet foi redimensionado e/ou complementado pelos os/as adolescentes homossexuais, permitindo, portanto, que sua sexualidade seja vivenciada driblando o controle normativo, como podemos observar no depoimento de Daniel.

Foi na internet que busquei informações sobre homossexualidade. Usava um programa para apagar o histórico, assim minha mãe não via os sites gays que eu olhava (17 anos).

A mesma sorte ou idéia não teve Paulo: Minha mãe descobriu que eu visitava os sites gays, eu tinha treze para quatorze anos. A noite eu via tudo e de manhã minha mãe olhava o que eu tinha acessado. Um dia quando eu cheguei em casa ela pegou meu computador e jogou no chão. Mas já era tarde, conheci muita gente nas salas de bate-papo, íamos ao Shopping Plaza (Niterói) e depois à boate.

Questionado como entrava na boate, sendo menor de idade, respondeu com um sorriso, alguns segundos após a pergunta olhando em direção as mãos:

Simples, eu falsifiquei minha identidade (17 anos).

Considerações finais

A frustração de papéis de gênero e a nomeação de doença orientaram as imagens e as linguagens associadas aos GLBT. Na contemporaneidade, dada a radicalidade com que emergem as forças conservadoras, a violência ainda faz parte do cotidiano dessa população. Entendemos que a violência contra o indivíduo homossexual, assim como com os negros e as mulheres, ao longo da história da sociedade brasileira sempre esteve associada à visibilidade e a forma com que é ocupado o espaço público. Para os setores conservadores visualizar as camadas subalternizadas articulando-se e reivindicando espaço de igual valor entre os interesses que circulam a polis, opera-se como afronta à tradição.

O desejo e o sonho são elementos abstratos que unidos são capazes de materializar as transformações da vida. O desejo vem movendo GLBT a visibilizar suas especificidades em um mundo público onde a diferença é capaz de gerar hierarquias. No entanto, segundo Bhabha (1998), somente demarcando os espaços da diferença é possível visibilizar as especificidades e materializar no real, aquilo que ainda encontra-se nos sonhos. Os anos que se seguiram à década de oitenta, impulsionaram homens e mulheres a dar respostas à epidemia de Aids. Amigos, companheiros, paixões e amores foram embora sem que deixassem seus endereços, a morte ocasionada pelos transtornos decorrentes da Aids dava a partida aos que não sabendo as armas do inimigo, lutavam sem eficácia. Do nome originário câncer gay ao nome científico Aids se passaram quase trinta anos.

Os dados apresentados neste texto apontam e recomendam a importância do enfrentamento de processos de exclusão social, à medida que somente combatendo-a nos constituiremos como uma sociedade democrática. Assim sendo, o conceito de inclusão social somente será eficaz e terá sentido se levar em consideração os direitos do ser humano em práticas universalistas e agregadoras. Portanto, todo ser humano deverá ter o direito à auto-aceitação, às relações sociais positivas, orientadas pelo respeito, qualificação e acolhimento, à autonomia, à determinação de sua própria vida e realizações, à auto-estima, à razão de viver e ao crescimento pessoal e social.  São esses valores que devem orientar todos os democráticos, libertários, cidadãos, defensores da vida e do sonho.

Referencias bibliográficas: 

ABRAMOWAY, M; SILVA, L; CASTRO, M. Juventude e sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004.

BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2003.

BOURDIEU, P. A dominação masculina. Tradução Maria Helen Kuhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

CARRARA, S.; RAMOS, S,; CAETANO. Política, direitos, violência e homossexualidade: 8ª Parada do Orgulho GLBT Rio 2003. Rio de Janeiro: Palla, 2004.

CARRARA, S.; RAMOS. Política, direitos, violência e homossexualidade: 9ª Parada do Orgulho GLBT Rio 2004. Rio de Janeiro: CEPESC, 2005.

COSTA, L. S. M. da.  Abuso no curso médico e bem-estar subjetivo.  2003.  Tese  (Doutorado em Psicologia Social) -  Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.

RUSSO, R. Tesão on-line. Sex Symbol,  n. 12, p. 35, jan. 2000.

____________

[1] Esse texto originou-se da dissertação de mestrado “Os gestos do silêncio para esconder as diferenças”, defendida na Universidade Federal Fluminense em 2005.  

[2] Distúrbio psicológico que produz aversão e violência contra homossexuais.

[3] O reservado é um instrumento oferecido pelos provedores. Quando marcado pelos usuários, o acesso a rede é limitado às pessoas que estão compondo o dialogo.  O fenômeno mereceria maior atenção, é interessante observar que mesmo não estando presentes, as pessoas quando dialogando com uma única pessoa, não a faz em público virtual. 

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O desafio de universalização do ensino médio

Artigo de especialistas do Inep discute os dados referentes ao Ensino Médio e os desafios para a sua universalização no Brasil

É inegável que o Brasil conquistou avanços importantes na área educacional nos últimos anos. Alunos evadidos voltaram a freqüentar a escola, o acesso ao ensino fundamental é quase universal, mais recursos lhe foram destinados com o advento do Fundef. Foram conquistas inéditas, porém insuficientes, uma vez que não basta freqüentar a escola, é preciso alcançar os níveis de escolaridade básica e, obviamente, atingir níveis de aprendizagem adequados aos anos de estudo acumulados pelos jovens brasileiros. É o que garante, no longo prazo, a universalização do ensino médio.

Discute-se com freqüência a necessidade de universalizar o ensino médio no Brasil. O parâmetro de comparação é o ensino fundamental, que incluiu quase 100% da população de 7 anos na escola e levou à percepção de que havíamos alcançado sua universalização.
Nosso objetivo no presente trabalho é propor algumas reflexões sobre os esforços que o Brasil deve fazer para universalizar o ensino médio, aqui entendidos como assegurar 100% de freqüência da população de 15 a 17 anos nas séries adequadas a cada idade. Como, obviamente, para ingressar no ensino médio o jovem de 15 anos precisa ter concluído o ensino fundamental, a discussão sobre a viabilidade de universalizar o ensino médio nos próximos 10 anos passa, necessariamente, pela reflexão sobre o conceito de universalização no ensino fundamental.

Leia o artigo completo na página do Inep

Juventude no campo: problemas e tarefas

foto Paulo Carrano (Central do Brasil, 1997)Artigo de Mardônio Barros, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e estudante da graduação em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense. O desemprego no campo e na cidade e a necessidade de organização da juventude são questões abordadas pelo jovem

Pensar nos problemas enfrentados pela juventude no campo é pensar nas mesmas dificuldades que atingem esta geração de modo geral. Apesar das diferenças existentes entre a realidade do campo e a da cidade, não podemos perder de vista que todos nós sofremos os impactos do modelo societário imposto pela ordem capitalista.

Nas últimas décadas, temos sofrido o avanço das políticas neoliberais e da reestruturação produtiva, que geram, entre outras conseqüências, o desemprego estrutural e a precarização das relações de trabalho. Essa realidade é mundial, mas atinge em menor escala os países centrais do capital, que ainda  contam com a influência das conquistas das políticas do Estado do Bem Estar Social (Welfare State).


O número de desempregados em todo o mundo é enorme. No caso brasileiro, estima-se que o desemprego afeta 24% da população economicamente ativa. Destes, 50% são jovens com  até 24 anos de idade. Multiplicam-se as formas de ocupação precarizadas já que o aumento avassalador das forças produtivas não se reflete na melhoria da vida das pessoas. Em vez da redução do tempo de trabalho alienado, vemos a superexploração da classe trabalhadora e, portanto, aumento da desigualdade.

No campo, existem 5,9 milhões de jovens entre 15 e 24 anos de idade. Cerca de 1,8 milhão vive em situação de extrema pobreza. O nível de escolarização é muito baixo e calcula-se que 65% das pessoas que vivem no campo possuem até quatro anos de estudo.

Os indicadores sociais são alarmantes e a falta de uma política de incentivo à permanência do jovem na terra contribui para agravar o quadro. No ambiente rural, a ação do governo focaliza, principalmente, o financiamento da produção do agronegócio, um modelo que concentra território, privatiza os recursos naturais e ainda expulsa a população mais pobre.

Por outro lado, a agricultura familiar é considerada atrasada apesar de ser a principal geradora de renda e emprego e produtora de alimentos saudáveis para a população.

A opção do governo pelo agronegócio como modelo de desenvolvimento para o campo no Brasil limita as possibilidades de geração de novos postos de trabalho, visto que este modelo demanda pouca mão-de-obra. São as pequenas propriedades que mais empregam: elas são responsáveis por 80% dos postos de trabalhos e 60% do que é produzido no campo.

A situação atual da classe trabalhadora piora o quadro. O número de desempregados atinge recorde. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) já fala em aproximadamente 1 bilhão e 200 mil pessoas sem trabalho formal no mundo. Mesmo os empregados vêem seus direitos, conquistados por anos de luta, serem reduzidos sob o pretexto da flexibilização necessária para a liberalização dos mercados.

Fala-se muito em formação de capital humano para resolver o problema do desemprego. É comum atribuir a dificuldade dos jovens de ingressar no mundo do trabalho a uma suposta falta de qualificação. Este argumento transfere a responsabilidade para o próprio jovem, deslocando a atenção sobre o verdadeiro culpado.

As forças produtivas sob o domínio do capitalismo não se desenvolvem visando a libertação do trabalhador, mas sim no intuito de ampliar as possibilidades de extração de sobretrabalho e, conseqüentemente, de lucro. Apesar do aumento do desemprego, não podemos afirmar, como fazem alguns, que o trabalho ruma para a extinção. Pelo contrário, observamos o crescimento da ocupação precária e da superexploração da classe trabalhadora.

Outro problema enfrentado pela juventude da classe trabalhadora brasileira é o descenso atual do movimento de massa.

Pensar em juventude e na sua inserção no trabalho é urgente, assim como pensar nas várias demandas concretas. Partindo das discussões que já foram feitas, do conhecimento acumulado, os jovens têm a tarefa de se assumirem como protagonistas desta reflexão.

O problema da juventude não está isolado das dificuldades a que o conjunto da sociedade está sujeito. A luta pelo trabalho, como um dos direitos fundamentais do ser humano e central em sua realização, é uma tarefa importante. Mas é preciso ter em mente que este empenho deve servir à libertação do homem e não à sua exploração e desumanização.

O trabalho é central para o ser humano desde que seja concebido como força criadora de valor de uso, ou seja, de bens necessários para a realização do ser humano, e que não seja fetichizado.

Para que a juventude possa superar o estado de coisas vigente e tenha chance de garantir o direito ao trabalho, é importante estar organizada. Para conquistar seus objetivos de classe, será necessário se perceber dentro do cenário de luta de classes e identificar seus aliados.

Neste sentido, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) tem estimulado a organização da juventude do campo e sua articulação com a juventude urbana. O Movimento entende que pode haver demandas especificas, mas o mais importante é universalizar as conquistas para que estas garantam também as diversas demandas da classe trabalhadora.

A juventude tem que estar presente de forma intensa na construção de uma proposta de novo projeto de sociedade. Sua participação não deve estar restrita à votação em um candidato na consulta dos representantes, mas se estender para a atuação política concreta na construção de um projeto popular para a classe trabalhadora. Para o MST, este projeto precisa ser socialista.

Não há saída sem organização. Não há solução individual, apenas coletiva. O cerne do problema não é o indivíduo com baixa qualificação, mas sim a inexistência de postos de trabalho para todos, de educação pública de qualidade, de acesso aos direitos fundamentais ao ser humano. É preciso entender que, dentro do jogo capitalista, é assim. E é preciso construir uma alternativa.        

"Antes de ingressar, já sabia que a universidade não era para todos"

Idson Tavares da Silva é aluno da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), onde ingressou pelo sistema de cotas. Ele fala sobre preconceito, universidade e luta pela igualdade

 “Vocês têm que estudar mais que os outros [brancos] e ainda ter sorte se quiserem ser alguém na vida”. Com essa surpreendente e reveladora frase, minha professora do Ensino Médio decidiu chamar a atenção de toda a minha turma – essencialmente formada por alunos(as) negros(as) – para a disputa por vagas nas universidades públicas.
 
 Se nossas escolas "deixam" que esse tipo de atitude racista continue, estarão a serviço da reprodução dos mecanismos reforçadores dos processos de discriminação. Ao invés de problematizar, ela silencia e neutraliza a questão racial com o intuito de diluí-la, comprometendo as diferentes dimensões do fazer pedagógico e acirrando as desigualdades.
 
 Nasci e cresci na periferia de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Sou filho de pais divorciados e tenho uma família numerosa, apesar disso, fui a primeira pessoa a chegar no Ensino Superior. Antes de ingressar no Curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pelas cotas raciais, militei no movimento estudantil e nos pré-vestibulares para negros e carentes.
 
 O fator predominante que consolidou a construção da minha identidade racial foi a própria experiência de ser discriminado, uma lição fundamental para a formação de uma consciência racial. Não é em nada agradável dizer, mas devo isso a escola pública que freqüentei.
 
 Antes de ingressar, já sabia que a universidade não era para todos. Nos meus estudos de graduação, procuro entender as razões pelas quais poucos jovens das camadas populares chegam ao Ensino Superior. Foi com pesquisas e nos debates e seminários que aprendi a analisar as questões mais prementes da nossa sociedade sob a óptica racial. Nesse sentido, faço críticas ao discurso feito por pessoas que encaram a desigualdade como uma questão de pobreza, descartando o aspecto racial. Nessas falas, omite-se, por exemplo, que se nós retirarmos do Brasil o impacto da temática racial e da questão de gênero, a sociedade se transformaria em outra. As pessoas não são pobres por natureza, elas são induzidas à pobreza por artifícios cruéis de exclusão como é o caso do racismo, que existe para expropriar as minorias do acesso a todos os recursos sociais: educação, saúde, habitação, capital.
 No ambiente acadêmico, passada a euforia por ter sido aprovado numa universidade pública, o cotista, geralmente, passa por inúmeras dificuldades, todas elas geradas por esse processo de expropriação a que me refiro. Sem condições para arcar com a tarifa dos ônibus, as apostilas, os livros e a alimentação, continuar na Uerj torna-se um drama diário.
 
 A universidade é a instituição onde supostamente reina a razão, mas na prática é um espaço social dominado por preconceitos, estereótipos e estigmas. O saber científico tem um papel importante na construção de novas visões, mas precisamos reconhecer suas limitações e passar a valorizar o saber elaborado a partir da vida prática. Por isso, a adoção de cotas é importante, mas só faz sentido numa universidade aberta, dialógica e comprometida com uma transformação social efetiva. Ela enriquece o ambiente acadêmico com experiências antes colhidas e tratadas apenas como objeto de pesquisa.
 
 Nos períodos iniciais, participei de um projeto voltado para apoiar a permanência com qualidade dos cotistas da Uerj chamado Espaços Afirmados, uma iniciativa do Laboratório de Políticas Públicas (LPP/Uerj) patrocinado pela Fundação Ford. Foram realizadas oficinas dirigidas, cursos de extensão, grupos de estudo e outras atividades, que contribuíram para o bom rendimento acadêmico dos alunos cotistas. O projeto mobilizou toda comunidade universitária afrodescendente para discutir sua inserção política, identificar suas demandas e propor soluções para garantir condições adequadas de permanência. Foi uma estratégia, no mínimo, interessante, de empoderamento coletivo para efetivar nossa participação no cotidiano da Uerj. O projeto foi encerrado, após recusa de renovação da Fundação Ford.
 
 Além do Espaços Afirmados, a própria Uerj criou em 2004 o Programa de Iniciação Acadêmica (Proiniciar), com vistas a oferecer suporte ao estudante oriundo do sistema de cotas, destinando uma bolsa de estudo de R$ 190,00 por doze meses e disciplinas instrumentais que supram as demandas educacionais dos alunos cotistas.
 
 O Projeto Espaços Afirmados e o Proiniciar mantém objetivos semelhantes, mas seus resultados são bem diferentes. Enquanto o primeiro, impacta positivamente na trajetória acadêmica dos alunos cotistas, o segundo é assistencialista e ineficiente. A bolsa termina, e muitos vêem seus sonhos terminarem junto com ela. São poucos os cotistas com bolsa de iniciação científica ou monitoria, com bolsa de extensão já há um contingente um pouco maior, mas apesar das inúmeras modalidades não há bolsa de estudo para todos.
 
 A luta é incessante, pouco a pouco prosseguimos rompendo barreiras e provocando uma mudança na universidade por inteiro. Já “atropelamos” muitos preconceitos. Levantamentos da própria Uerj mostram que os alunos cotistas apresentaram melhores resultados que os estudantes oriundos do vestibular tradicional.
 
 A vida que hoje tenho, o trabalho ao qual me dedico e tudo mais foram e estão sendo conquistados através da relação estabelecida com a instituição escolar, pois aprendi a interpretar as “regras do jogo” para escapar da trajetória de fracasso destinada a todo jovem oriundo das camadas populares como eu.
 
 Aquela escola, de cotidiano estigmatizante e discriminatório, onde conclui o Ensino Médio passou por mudanças radicais. Hoje, ela é reconhecida nacionalmente por desenvolver projetos com recorte étnico/racial envolvendo alunos, professores e a comunidade. Suas ações resgatam a auto-estima dos alunos e promovem atitudes de solidariedade, cooperação, repúdio às injustiças e respeito mútuo. Tornou-se uma escola de referência, comprometida com uma pedagogia multirracial e interétnica, formadora permanente de cidadãos conscientes e ativos.
 
Orgulho-me profundamente de fazer parte dessa história de transformação e superação.

La Movilización Estudiantil en Chile: Cuando los pingüinos se salieron de la vitrina

Três artigos comentam as manifestações dos estudantes chilenos contra a filosofia, estrutura e organização do sistema escolar

Primera parte

Entre el 29 de mayo y el 8 de junio de este año las comunidades educativas latinoamericanas fuimos testigos de las multitudinarias manifestaciones de los estudiantes de secundaria chilenos (los pingüinos, por el estilo y color de sus uniformes), en contra de la filosofía, estructura y organización del sistema educativo escolar de Chile, testigo y herencia en el campo educativo y cultural de la dictadura militar que gobernó las tierras de la cueca, la empanada y el vino entre 1973 y 1990.

Para nosotros el tema podría pasar desapercibido y no tener el interés político que reviste, si las demandas estudiantiles no estuviesen centradas en aspectos que tocan muy de cerca al modelo escolar nicaragüense, copia al carbón del modelo chileno, propuesto como vitrina por el Banco Mundial, a la cual los latinoamericanos debíamos ir a ver cómo se reformaba la educación.
Con el propósito de extraer lecciones, hoy que en Nicaragua estamos a punto de cambiar gobierno y ojalá de cambiar el rumbo de la educación, en tres artículos nos proponemos comentar la riquísima experiencia chilena de estos días.

Éste es el primero.

1. ¿En qué consiste el modelo escolar chileno?

El sistema escolar chileno, igual que todos los sistemas escolares latinoamericanos, desde su fundación en 1821 por Andrés Bello, tuvo un carácter centralizado. La educación era responsabilidad ineludible del Estado. Esta tradición fue cortada de un solo tajo en los años 80, con la aplicación de una reforma educacional privatizadora, en virtud de la cual el Estado docente del pasado pasó a tener un papel subsidiario, y el mercado pasó a ser la instancia reguladora de las actividades en el ámbito escolar. La concreción de la reforma se dio en dos ámbitos diferentes y convergentes: se cambió la modalidad del financiamiento de la educación y se descentralizó la administración de la educación. El discurso que buscaba legitimar estos cambios planteaba que el Estado era excesivamente burocrático y, por ende, había que trasladar muchas de sus funciones (entre ellas la educativa) al sector privado, que era más eficiente.

Desde el punto de vista pedagógico y estrictamente educativo, se transitó de la valoración del estudiante como ser humano preñado de derechos y su formación como ciudadano(a), a la concepción de éste como consumidor de servicios culturales y factor fundamental del proceso empresarial educativo. En lo profundo, el objetivo estratégico era (y es) entregar los procesos de regulación de la educación a los mecanismos del mercado, igual que se hiciera con otros servicios públicos como la energía, la telefonía, los hospitales y la seguridad social. Así, el propósito de la equidad en educación se preveía fuera solucionado en el mercado, dependiendo de quienes por sus posibilidades económicas pudiesen comprar servicios educativos; y el propósito de la calidad educativa, como en toda empresa capitalista, se procuraba quedara en manos de quienes mostraran una mayor eficiencia administrativa, atrajeran mayor cantidad de recursos de parte de los padres de familia y a la competencia entre centros educativos.

2. El financiamiento a la demanda: la Ley de Subvenciones de 1981

Quizás la medida más importante de la reforma educacional chilena fue la relacionada con la asignación de recursos a las escuelas de parte del Gobierno, de acuerdo con la cantidad de estudiantes matriculados y la asistencia mensual de éstos a los centros escolares. La idea del financiamiento vía subvención por estudiante pretendió ofrecer el escenario apropiado para que los agentes del sector privado viesen en la educación las posibilidades para hacer negocios. De ahí que la propaganda que sirvió para vender la idea estuviese centrada en principios como: la libre competencia, el fomento a la iniciativa privada, la libertad de gestión, “la educación es un buen negocio”, en suma: el lucro y las ganancias a través de la educación.

Las principales críticas a este modelo han sido de dos tipos, por un lado se critica que a pesar de que es el Estado chileno el que se encarga de financiar a cada estudiante del sistema escolar de la educación básica y secundaria, casi no existen mecanismos de control que garanticen la correcta utilización de los recursos. “Es el único país del mundo que permite el lucro con fondos públicos y sin mayor control ni rendición de cuentas (...), así se han armado imperios. Familias se han hecho multimillonarias con esto”, expresaron recientemente, en el contexto de la lucha estudiantil(1) Loreto Egaña y Jesús Redondo, directores del Programa Interdisciplinario de Investigaciones Educativas (PIIE) y del Observatorio Chileno de Políticas Educativas (OPECH), de Santiago.

El tema sobre la falta de controles y transparencia respecto del uso de los recursos se presenta acompañado de otro tema más sociológico y más profundo sobre el cual se critica al modelo de las subvenciones educativas; éste es el referido a las formas y maneras como los centros particulares subvencionados seleccionan a sus estudiantes, críticas que desentrañan la principal insuficiencia del modelo, cual es: la contradicción entre el Derecho a la educación, (la educación como un derecho humano fundamental), y el Derecho a la libertad de enseñanza, como derecho de los empresarios privados, a fundar centros escolares como medios para el enriquecimiento personal o familiar.

Los académicos Egaña y Redondo se refieren a este tema así: “El derecho a la libertad de enseñanza ha permitido que los empresarios privados seleccionen a los alumnos que les acomodan, dejando fuera a los más pobres o aquellos con problemas de aprendizaje... Entonces, quienes no acceden a estos colegios particulares subvencionados tienen que ir a los colegios municipales, donde los tienen que recibir sin ninguna distinción… La lógica del mercado ha funcionado como corresponde, selecciona alumnos con buenas calificaciones, porque es más barato educar alumnos buenos, y los malos van al sistema público municipal”.

Betzie Jaramillo, columnista de La Nación, de Santiago, dice que algunas de las preguntas que los dueños de los centros subvencionados hacen a los estudiantes, para decidir si los aceptan o no, son las siguientes: barrio de procedencia, apellidos, rasgos étnicos, profesión y antecedentes jurídicos y sanitarios de los padres, etc. todo disimulado tras exigencias de calificaciones en anteriores colegios y certificados médicos. “Buscan prestigio --dice Juan García Huidobro, del CIDE-- distinguiéndose de los más pobres y separándose de ellos”(2)

 

Segunda Parte

En este artículo completaremos el modelo educativo chileno con la pieza que por falta de espacio quedó pendiente en el artículo anterior publicado el domingo pasado; observaremos de cerca a la LOCE y el rol que ha jugado la coalición socialista en el gobierno respecto de la misma; la insurgencia de los pingüinos (estudiantes secundarios, con sus uniformes azul oscuro y blanco) y las posibilidades de que “la tortilla se vuelva” a favor de sus demandas.

1. La municipalización de la educación

La descentralización de la educación en Chile durante el régimen militar fue la otra cara de la moneda de la Ley de Subvenciones Escolares, y consistió en trasladar la responsabilidad sobre las escuelas de la educación básica y secundaria, que históricamente habían sido administradas por el Ministerio de Educación, a las municipalidades del país. El Ministerio abandonó sus antiguas funciones relacionadas con el financiamiento, la gestión y la vigilancia pedagógica, y se quedó solamente con tareas relacionadas con el control y la evaluación de programas y proyectos.

Como muchos estudios lo han demostrado, esta iniciativa fue pensada, consciente y expresamente, como una estrategia para la segmentación de los pobres respecto de los otros sectores de la sociedad. “La famosa municipalización --dice Betzie Jaramillo-- que pretendía descentralizar la educación lo que en verdad hizo fue diseminar el sistema educacional en los más de 300 municipios del país. Unos opulentos, que pueden añadir fondos a la cuota estatal (como Vitacura y las Condes, en Santiago) y que no pasan de treinta, y otros miserables, como los que forman el cordón empobrecido de la capital, las aldeas del desierto, el altiplano rural y las islas del fin del mundo, que apenas consiguen pagar a los profesores” (1). El otro objetivo de la municipalización, tan importante como el de la segmentación social de los sectores empobrecidos, fue el de la desarticulación de los sindicatos de maestros y de las asociaciones estudiantiles y de padres y madres de familia. Así, las demandas de los más pobres por más y mejor educación serían en contra de los alcaldes y no en contra del gobierno de la dictadura.

2. La Ley Orgánica Constitucional de la Enseñanza (LOCE)

Un día antes que Pinochet dejara el poder, el 7 de marzo de 1990, la dictadura promulgó la Ley que legalizaba la privatización de la educación, las subvenciones educativas y la municipalización de la educación. La LOCE, dice el Observatorio Chileno de Políticas Educativas (OPECH) “en concordancia con la Constitución, en su Arto. 3, expresa que “el Estado tiene el deber de resguardar especialmente la Libertad de Enseñanza”. No asegura la calidad de la educación, pues fija requisitos irrisorios para el reconocimiento oficial de los colegios e instituciones privadas de educación superior. Las consecuencias de esto son: la educación funciona como mercancía y no como derecho social; los dueños de los colegios subvencionados se lucran por la venta de servicios educativos y están autorizados para seleccionar a los estudiantes segmentando el sistema escolar” (2).

3. La insurrección de los pingüinos

Todo comenzó con cuestiones aparentemente triviales y de fácil manejo, como lo fueron el pago de los pasajes en el transporte colectivo para los estudiantes y la gratuidad de las pruebas de ingreso a las universidades. No obstante, a medida que fue pasando el tiempo y en el fragor de la lucha, las demandas epidérmicas se transformaron en demandas estructurales que aludían directamente a la LOCE, principal herencia pinochetista en el campo de la educación, y que la coalición política gobernante desde 1990 nunca había pensado cuestionar, mucho menos cambiar. En este sentido, la rebelión estudiantil no es sólo un movimiento que hace crujir al establecimiento educativo, sino que también es una crítica a las formas y maneras de hacer gobierno de los socialistas chilenos, que, acomodados al modelo neoliberal centrado en el mercado, durante 16 años han gobernado al país, en éste y otros campos, con base en las leyes de la dictadura.

La insurgencia estudiantil, a la vez que sumaba nuevas causas que justificaban su lucha, poco a poco fue ganando numerosas y sustantivas solidaridades de otros sectores de la comunidad educativa chilena (magisterio, estudiantes universitarios, asociaciones de padres de familia, organismos académicos) y de entidades defensoras del Derecho a la Educación a nivel internacional, como fue el caso del Foro Latinoamericano de Políticas Educativas (FLAPE). Ante esta situación, que día a día se tornaba inmanejable, la presidenta Bachelet, con la celeridad que el caso demandaba, creó el Consejo Asesor Presidencial integrado por representantes de diferentes sectores de la sociedad chilena, a fin de que estudiaran el problema y le hicieran las recomendaciones pertinentes.

La situación era y es muy compleja en tanto la solución debe atender variados y diferentes intereses. Se han cumplido 33 años de imposición y construcción del modelo privatizador neoliberal en Chile, motivo por el cual, aunque los militantes y los motivos a favor del derecho a la educación son numerosos (la memoria del Recabarren, Neruda y el Allende profundo está siempre viva), hay muchos defensores del derecho a la libertad de la enseñanza sustentada en la LOCE, entre los que se encuentran no sólo las cámaras empresariales chilenas, los partidos de la derecha pinochetista y el diario El Mercurio, sino que también miembros de los partidos de la Concertación en el gobierno, que se han hecho millonarios a la sombra de las subvenciones a los centros educativos privados.

Por lo pronto, las organizaciones civiles representadas en el Consejo Asesor Presidencial ya se han asociado en el denominado Frente Social de la Educación y han expresado que “de no haber avances en una dirección contraria a como se han desarrollado las actuales políticas educativas, no descartamos abandonar, en determinado momento, nuestra participación en el Consejo Presidencial”. Está avisada la presidenta Bachelet, si las recomendaciones del Consejo no satisfacen las demandas de los pingüinos y del Frente Social de la Educación, las calles de Santiago les están esperando para continuar la lucha por cambiar la educación desde las barricadas. El lema ya está listo: “Si la educación es un negocio, entonces los clientes tienen la razón”.

 

CHILE: Nicaragua frente a su espejo

Con el artículo “Cuando los pingüinos se salieron de la vitrina”, publicados los domingos 18 y 25 de junio pasados, se buscó desentrañar las causas más profundas que motivaran la insurgencia de los estudiantes secundarios chilenos, en contra del modelo educativo construido por el régimen militar durante los años ochenta. Se explicaron los componentes del modelo relacionados con el financiamiento y la administración de la educación la Ley Orgánica Constitucional de la Enseñanza (LOCE), y los límites de la solución a la problemática planteada por los estudiantes secundarios y los sectores civiles respecto al Derecho a la educación en Chile. En este artículo procuraremos desentrañar la conexión del Chile pinochetista y la Nicaragua neoliberal, en el campo educativo en la actualidad.

1. Chile y Nicaragua

El modelo de financiamiento educativo, vía subvenciones a los estudiantes y la descentralización de la educación iniciado en Chile en los primeros años de los ochenta y cristalizado en la LOCE en 1990, fue transferido a partir de 1993 a Nicaragua, después de tres años de acciones políticas orientadas a desmontar el modelo de educación popular construido por la revolución sandinista en la década de los ochenta.

Chile y Nicaragua, aunque con notables diferencias culturales, venían de cumplir jornadas políticas similares de vocación socialista, cuando en 1973 y 1990 respectivamente, les cayó la loza fascista y neoliberal, que cambiarían los sentidos de sus historias y de sus educaciones.

Cuando la revolución sandinista perdió las elecciones en febrero de 1990, Chile en esos mismos días, estaba saliendo del periplo fascista de los años setenta y ochenta, dejando como herencia, un modelo educativo que ponía sus estructuras y funciones a la orden del mercado capitalista. Por la cercanía de estos procesos y la orientación privatizadora – neoliberal del gobierno de la Señora Barrios de Chamorro, el modelo económico y educativo chileno, se presentaron como la vitrina a la que había que ir a observar y tomar ejemplos, acerca de cómo administrar la educación en el contexto de la construcción neoliberal.

Los neoliberales nicaragüenses, respetando la esencia del modelo chileno, se tomaron la libertad de introducirle algunas variantes al modelo. En tal sentido, en Nicaragua, el proceso de descentralización fue mucho más radical que el de la municipalización chilena, en tanto trasladó, no a los gobiernos municipales, sino a los mismos centros educativos, muchas de las funciones que antes cumplía centralizadamente el Ministerio de Educación, con especial énfasis en el financiamiento de la educación, rubro en el cual, al parecer se trajeron a Managua los manuales chilenos, ya que su implementación no sólo obedeció a la misma filosofía y propósitos, sino que sus mecanismos fueron los mismos que se utilizaron en el país andino.

Igual que en Chile, en Nicaragua, mediante una fórmula matemática arbitraria se le puso un precio a la cabeza de cada estudiante, y esa cantidad se multiplicó de acuerdo al número de estudiantes que los centros educativos declaraban se habían matriculado anualmente, y el total era la cantidad de dinero que se transfería mensualmente a cada centro escolar de la educación básica pública del país.

2. Las subvenciones chilenas

Allá en Chile, a ese proceso se le llamó de subvenciones, aquí en Nicaragua se le llama de transferencias. Allá proliferaron los centros educativos privados que reciben las subvenciones, enriquecieron a muchos y excluyen a los hijos de los pobres; aquí fueron fuente de empobrecimiento de los sectores empobrecidos del país, que son los que hacen uso de los servicios escolares públicos, y de la incorporación del dinero, las actividades mercantiles, el sentido de lucro fácil y la corrupción, a la cultura organizacional de la escolaridad nicaragüense, pulverizando su sentido ético y axiológico tradicional

La fuente de empobrecimiento de los pobres a través de la escuela, de la negación del derecho a la educación y de la corrupción en las escuelas en Nicaragua, fueron las famosas “subvenciones chilenas”. Dado que la lógica y orientación del sistema era ( y es) reducir el gasto en educación y desresponsabilizar al Estado sobre su responsabilidad respecto a la educación como un derecho social, la cantidad de dinero mensual que se transfiere a las escuelas, es tan poca que sólo dan para pagar a los maestros (uno de los sueldos más bajos de América Latina y el Caribe), dejando fuera el pago de los servicios básicos, el mantenimiento de los edificios escolares y los materiales didácticos necesarios para la enseñanza. Ante esta situación, los directores de los centros educativos y los Consejos Directivos Escolares, no tuvieron otra salida que generar las más variadas formas de conseguir dinero para impedir el colapso de las unidades escolares y del sistema en su totalidad.

3. Privatización y Corrupción

Así surgió la privatización de la educación, mediante el cobro a las familias por la educación de sus hijos, lo que produjo no sólo un mayor empobrecimiento de la población del segundo país más pobre de América Latina y el Caribe, sino que también la reducción de la matricula y el abandono de las escuelas de los niños de las familias en situación de pobreza, lo que ha provocado que 850.000 niños, niñas y jóvenes estén fuera de la Educación Preescolar, Primaria y Secundaria en la actualidad. Pero sólo con el cobro de la cuota mensual a las familias no bastaba, motivo por el cual, hubo que convertir a las escuelas en pulperías, generando en su interior múltiples actividades mercantiles para conseguir dinero, y en ese proceso, no sólo se introdujo a las escuelas los códigos y valores del mercado capitalista, en donde maestros y estudiantes actúan como vendedores y compradores de cualquier tipo de bien o servicio, sino que también aparecieron las más variadas formas de corrupción al inflar las estadísticas escolares a fin de obtener mayores ingresos vía transferencias.

4. Hora de desalambrar

En Chile el proceso de desmontaje del modelo escolar pinochetista está en marcha. Los pingüinos, las organizaciones estudiantiles y magisteriales y el Frente Social de la Educación están en pie de lucha. En Nicaragua, los niveles de corrupción llegaron al extremo, de que en Estelí, escuelas fantasmas que nunca existieron, recibían transferencias escolares mensualmente, ante tal situación, hace unos ocho meses el Ministerio de Educación, obligado por la Confederación General de Trabajadores de la Educación (ANDEN), tímidamente comenzó a revertir algunos de los procesos perniciosos del modelo privatizador. Falta continuar con esa iniciativa y eliminarlo de raíz. En Nicaragua, el próximo 5 de noviembre habrán elecciones generales; la recuperación de la naturaleza ética de la educación y las escuelas, es un buen motivo para ir a votar y para saber por quien votar.

* Miguel De Castilla Urbina - FLAPE Nicaragua
Observatorio Centroamericano para la Incidencia en las Políticas Educativas (OCIPE - IDEUCA)

Publicado originalmente en El Nuevo Diario - Opinión Educación - 25/06/06 - Nicaragua

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