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Ser uma mulher jovem...

"A minha geração usufrui de coisas pelas quais outras gerações lutaram, ainda assim lutamos para que possamos tê-las plenamente. Me sinto uma jovem mais livre, sei que ainda existem muitas coisas para serem construídas"

Sabe, para escrever este texto fiquei muito atenta ao que diferenciava o meu ser jovem enquanto mulher na sociedade atual. Pensando nisto questionei-me sobre o que era diferente de outros tempos e como vivo hoje. Sinto que agora as coisas estão sendo desconstruidas para que se construam outras, assim algumas coisas já mudaram enquanto outras estão neste processo. A minha geração usufrui de coisas pelas quais outras gerações lutaram, ainda assim lutamos para que possamos tê-las plenamente.

Sendo assim me sinto uma jovem mais livre, sei que mesmo assim ainda existem muitas coisas para serem construídas. Não se acaba com uma mentalidade secular do nada, é trabalho de formiguinha mesmo. Sei que há muitas formigas dispostas a construir um mundo de igualdade entre mulheres e homens.

Considero que enquanto jovem a gente lida com uma gama de coisas, de preconceitos, de confusões. Uma delas é o primeiro emprego, qual garota atualmente não quer a sua independência financeira? Qual não quer o seu trabalho? E considero até que, às vezes, a gente começa a se preocupar cedo demais com isto . Algumas por necessidade, outras pelo desejo de liberdade. Por causa disto acabamos passando por jornadas absurdas de trabalho. Lembro que fiquei muito nervosa com esta expectativa, eu ficava muito ansiosa. Sei que para qualquer jovem chega um momento que este fator se torna decisivo e é aguardado com muita expectativa. Outra grande expectativa é a possibilidade de ingressar na faculdade, o que também ocasiona nervosismos e se torna decisivo para algumas jovens, ainda mais quando concorremos em fatores de desigualdade. Esta dificuldade é compartilhada por todas e todos os jovens, mas vejo que enfrento algumas peculiaridades que são típicas do meu sexo. Como o medo de ir para casa depois da faculdade, quando muitas vezes somos abordadas por assaltantes somente por sermos mulheres, consideradas “frágeis”. Infelizmente já passei por uma situação similar e tenho que conviver com este medo toda vez que pego minha mochila para ir da faculdade para casa.

Outra peculiaridade que nos diferencia é o fato de nós, mulheres, sermos cobradas dentro de casa muitos afazeres e assim acabamos tendo duplas e triplas jornadas. Sem falar nas jovens mães, que também vão enfrentar outra forma de trabalho e o fato de muitos/as ainda acharem que cuidar dos filhos/as e da casa são coisas típicas das mulheres, este é mais um tabu que temos dificuldade de superar.

Vivo, como muitas jovens, o dilema de dividir o meu tempo entre o trabalho, as aulas e as tarefas da faculdade, o que é uma tarefa muito difícil. Porém considero isto como parte de uma realização pessoal, formada pelo desejo de ser independente e de me formar.

Costumo dizer que a princípio todas e todos somos machistas, pois mesmo sem querer fomos criadas numa sociedade assim. O que realmente importa é o que vamos fazer com esta realidade: reforçá-la ou repudiá-la.

Percebo que, apesar de muitos avanços, ainda nos resta muitos tabus, que são difíceis de serem superados. Um destes é sobre a construção de nossa sexualidade, a relação da mulher com seu corpo e suas vontades, reconheço que tenho também estas dificuldades. Esta relação ainda é bastante “estranha”, pois fomos criadas cheias de pré-conceitos com relação a nós mesmas e temos que desfazê-los. Isto demora um pouco. Vejo esta libertação como mais uma forma de nós sermos livres e completas.  Vejo que muitas jovens já conseguem estabelecer esta relação de si mesmas com sua sexualidade, para algumas é mais fácil do que para outras.

Considerando tudo o que foi dito acima e olhando ao meu redor, me sinto uma jovem mulher em avanço. Daquelas que pensam, que falam e não temem dizer o que querem. Que decidem e se expressam de muitas foirmas e maneiras.

Fico confusa e penso: “Afinal, o que é ser uma mulher jovem?”. Ser jovem e mulher hoje no Brasil significa percorrer caminhos e superar desafios Assim como fora em outros tempos, apesar da mudança de alguns objetivos. É também vivenciar toda a negligência relegada a esta fase da vida: a juventude. Juventude para a qual se pensa políticas que, por sua vez, não atingem quase ninguém. Poucas políticas se destinam às jovens. Assim como pouquissimas são cumpridas seriamente.

Ser jovem também é ter toda a herança de ter sido “educada” num sistema machista e sexista. A maioria das jovens não tem espaços para refletir sobre sua condição e seu papel. Nos fazem pensar que as injustiças são naturais, que não há a necessidade de questionar algumas atitudes nem de se pensar enquanto Mulher. Porém devemos ter também toda a vontade de não fazer destas condições motivos para desistirmos de nos construir enquanto mulheres, enquanto jovens.

Atualmente percebo que nós estamos desconstruindo um papel que nos era tido como natural, como ficar em casa esperando o casamento e, no máximo, estudar para sermos professoras. Estamos buscando outras possibilidades como o da jovem que trabalha e estuda, cujo objetivo não é apenas ser mãe. Assim vamos falando ao mundo que a garota de hoje pode até pensar em coisas como o casamento, mas quer viver da forma mais completa possível, explorando todas as possibilidades que o mundo oferece.

* Carla Romão, 20 anos, estudante do terceiro período de Ciências Sociais da UERJ,  professora de educação infantil, colaboradora da CAMTRA - Casa da Mulher Trabalhadora - e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

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