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De olho na mídia

De olho na mídia

Juventude e eleições: para além dos ovos e tomates

Está no ar a "Campanha do Pacto MTV sobre as eleições: prepare ovos, tomates e, principalmente, a pontaria", com críticas aos políticos em geral, ao governo e à oposição. É interessante como ela está suscitando um instigante debate na imprensa e entre grupos de jovens

Regina Novaes

Está no ar a Campanha do Pacto MTV sobre as eleições: prepare ovos, tomates e, principalmente, a pontaria. A pontaria da Campanha atinge os políticos em geral: do governo e da oposição. Esta crítica generalizada seria para induzir o voto nulo? Mas, que segmento da juventude se deixaria induzir? Quais deles compartilhariam dos pressupostos da Campanha? Afinal qual seria o público alvo da Campanha? Estes são alguns pontos que estão suscitando um instigante debate na própria imprensa e entre grupos de jovens. O que deve ser muito bom para os objetivos publicitários da MTV. O que também pode ser muito bom para a reflexão sobre a diversidade da juventude atual e sobre a chamada "linguagem jovem". Vamos por partes.

Um dos detonadores do debate foi uma carta à imprensa. E esta carta tem uma história. A Campanha Ovos e Tomates esteve na pauta, em julho, na última reunião do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), composto por 20 membros do poder público e outros 40 da sociedade civil. Depois de ouvir as opiniões de muitos dos presentes, o Conselho resolveu não formalizar nenhuma apreciação sobre a Campanha. Naquele momento, valeu o argumento da cautela. Sendo o Conselho um órgão de Estado, ligado à Secretaria Nacional de Juventude, que faz parte da Secretaria-Geral da Presidência da República, qualquer apreciação poderia ser lida como algum tipo de censura ou, até mesmo, entendida como expressão de interesse eleitoral imediato.

Contudo, os conselheiros da sociedade civil presentes na reunião acharam por bem fazer uma carta à MTV e à imprensa. Nesta carta não há nenhuma afirmação que a Campanha da MTV seja um libelo ao voto nulo. Nela não há nenhum pedido para que a Campanha seja tirada do ar. Ao contrário, reconhece-se que a emissora pode tratar o tema como bem quiser e, para tanto, usar recursos publicitários que desejar. Os signatários apenas manifestam a preocupação com a veemência da mensagem veiculada, que condena, a priori, o processo eleitoral. Ao mesmo tempo, solicita-se que o tema "juventude e eleições" entre para valer – com toda sua controvertida riqueza - nas pautas dos meios de comunicação que têm uma função pública a cumprir.

Claro que a referida carta só foi divulgada na íntegra nos sites de organizações não-governamentais (ONGs) ou de grupos políticos. Com os cuidados com que foi escrita, ficou muito extensa e pouco espetacular para ser divulgada na íntegra pela grande imprensa. Mas, foi bastante citada. Algumas matérias jornalísticas compreenderam bem seu objetivo e entraram no debate trazendo novos pontos de vista. Mas, também houve outras reações que, fragmentando a "Carta do Conselho", revelaram vários (pre) conceitos vigentes sobre os espaços de participação dos jovens de hoje. Assim sendo, das entrelinhas surgiram veredictos contra a iniciativa. Assinada pelo movimento estudantil, pela UNE, a carta só poderia ser autoritária ou, no mínimo, paranóica? Assinada por ONGs, expressaria a chatice das "campanhas cidadãs" em oposição à sofisticação publicitária da MTV - reconhecido laboratório da linguagem televisiva jovem? Os signatários são conservadores, se não fossem como poderiam criticar a MTV que em sua programação tanto tem contribuído para derrubar tabus morais e preconceitos raciais? Tais questões não são banais, é verdade. Mas, para debatê-las, é preciso ultrapassar nosso estoque corrente de classificações e adjetivos. É preciso conhecer mais o que se passa com a "juventude de hoje" e, se possível, se deixar surpreender.

Enquanto projetamos sobre a juventude o desencanto com as eleições atuais, presente em uma parcela da sociedade brasileira, as informações sobre o alistamento eleitoral, divulgadas recentemente pelo TSE mostram um aumento de 39%, em relação a 2002, do número de eleitores de 16 e 17 anos, faixa etária em que o voto é facultativo. Foi nesta faixa etária o maior crescimento proporcional de eleitores. Certamente estes números não falam por si, mas eles são no mínimo intrigantes (e fornecem uma pauta e tanto para meios de comunicação). Com a mesma indagação na cabeça, vale citar a pesquisa Juventudes Brasileiras, recentemente divulgada pela Unesco, que revela que 68,8% dos jovens de 15 a 29 anos acreditam que o voto pode mudar a situação do país e que 66,6% deles afirmaram não ser aceitável não votar nas eleições.

Por outro lado, a despeito das estatísticas que buscam dar conta do todo, há muita informação qualitativa disponível. São múltiplas as experiências de participação juvenil existentes no Brasil. Não se pode pensar nos grêmios estudantis, nos centros acadêmicos, nas juventudes partidárias e sindicais de hoje com os olhos de décadas atrás. Hoje – distinguindo-se e/ou identificando-se com aqueles espaços usuais da política - há posses de Hip-Hop, há jovens reunidos em diferentes tipos de ONGs e em movimentos sociais específicos. Redes de jovens mulheres, da juventude negra e indígena, de jovens rurais, de jovens pela livre orientação sexual, de jovens com deficiência atuam buscando inscrever seus direitos em diferentes espaços. A Rede dos Jovens do Nordeste, que há anos tem feito uma campanha pelo voto consciente, se organiza através do recorte regional. Grupos culturais, religiosos e esportivos também fazem parte de um cardápio amplo e plural. Mas, há momentos em que as fronteiras (sociais e identitárias) existentes entre eles se suspendem produzindo combinações inéditas e desafiantes interlocuções. Alguns destes momentos surgem e ecoam no interior do Conselho Nacional de Juventude, onde se busca valorizar as diferentes formas de participação juvenil.

De fato, são múltiplas as expectativas da juventude brasileira. O convite é para que se conheça mais sobre as criativas e pouco divulgadas experiências em curso. Conhecendo, fica difícil dizer, a priori, que estes grupos não estejam produzindo em uma "linguagem jovem", a não ser que se considere que tal linguagem seja monopólio de alguém ou de algum canal.

Para terminar, vale citar uma pesquisa realizada sob a coordenação do Ibase e Polis, em conjunto com outras ONGs, em sete regiões metropolitanas brasileiras. Nesta pesquisa, amplamente divulgada, a grande maioria dos jovens entrevistados diz desacreditar dos políticos, mas acreditar na política e dela querer participar. Esta última frase pode parecer um mero jogo de palavras ou um enigma. Mas, pode ser vista também como um convite dos jovens para que não se economize reflexão e para que faça um debate que possa resgatar o sentido mais profundo da política. Para além dos ovos, tomates e eleições.

Regina Novaes é antropóloga, secretária nacional adjunta de Juventude e presidente do Conselho Nacional de Juventude.

Publicado na Agência Carta Maior, em 12/09/2006

Dieese: 45,5% dos desempregados são jovens

Pesquisa em 6 capitais brasileiras revela desigualdade de oportunidade de emprego de acordo com a renda da família a qual o jovem pertence. Os dados mostram também que as pessoas entre 16 e 24 anos cumprem extensa jornada de trabalho

Os jovens entre 16 e 24 anos representaram 45,5% do total da mão-de-obra desempregada nas maiores cidades do País em 2005, somando 1,4 milhão de pessoas. Os números são da pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), com base em dados do Distrito Federal e das regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo. Já os jovens ocupados somavam 3,2 milhões, o que significa 20,7% do total de empregados.

De acordo com o estudo, a população jovem era de 6,5 milhões de pessoas em 2005, correspondendo a 23,8% da população acima de 16 anos residentes nessas áreas. Desse total, 4,6 milhões fazem parte da força de trabalho local. Eles correspondem a 25% da população economicamente ativa das áreas pesquisadas.

Na avaliação do Dieese, a taxa de participação dos jovens foi bastante elevada e muito próxima da taxa das pessoas com 25 anos ou mais, embora os porcentuais se diferenciassem entre as regiões pesquisadas, com maior engajamento dos jovens nas áreas com um mercado de trabalho mais dinâmico.

Assim, em São Paulo, Belo Horizonte e Distrito Federal a população jovem apresentou maior participação no mercado de trabalho, correspondendo a parcelas superiores àquelas registradas para o total da população com 25 anos e mais. Já em Recife e Salvador, a situação foi inversa, ou seja, os jovens participaram relativamente menos no mercado de trabalho, com relação ao total da população com 25 anos e mais.

Perfil

A pesquisa elaborou um perfil geral do jovem ocupado, que é normalmente do sexo masculino, possui ensino médio completo, tem dificuldade de conciliar trabalho e estudo, desenvolve suas atividades no setor de serviços, cumpre uma extensa jornada de trabalho (acima de 39 horas em todas as regiões analisadas), é assalariado e tem carteira de trabalho assinada. O rendimento situa-se entre um e dois salários mínimos.

O Dieese afirmou, no entanto, que é nítida a desigualdade de oportunidades ocupacionais quando se leva em consideração o grupo de renda familiar a que pertence esse jovem ocupado. Notadamente, a realidade ocupacional dos jovens oriundos das famílias mais pobres situa-se muito aquém desse perfil, uma vez que a grande maioria apenas trabalha e não estuda, possui o ensino fundamental incompleto e recebe rendimentos médios inferiores a um salário mínimo.

A pesquisa concluiu ainda que a influência da condição de renda da família sobre o perfil ocupacional dos jovens é clara e, a partir dessa constatação, afirmou que "é importante a elaboração de políticas públicas que, de um lado, promovam uma melhor distribuição da renda no País e, de outro, busquem o desejável equilíbrio entre a formação escolar e profissional e a inserção do jovem no mercado de trabalho".

Publicado pela Agência Estado em 14 de setembro de 2006

Juventude que canta, dança e representa

A juventude tem muitas vozes e quer que elas sejam ouvidas. Uma delas são as ações sociais. A cultura é a diretriz, muitas vezes, dessas ações

O contato com a arte e as manifestações culturais pode se limitar ao entretenimento e lazer ou ir além: servir como instrumento de expressão social e construção da identidade, promoção da inclusão social, resgate de tradições culturais e sensibilização para o aprendizado. Além disso, pode até se transformar em profissão e geração de renda. Jovens descobrem no envolvimento com as manifestações artísticas uma forma de ampliar horizontes e transformar a realidade.
 
Agência Quixote Spray Arte

O hip hop é uma das manifestações mais articuladas de expressão cultural da juventude. Uma de suas expressões artísticas mais conhecidas é o grafite, que expressa a ideologia do hip hop por meio das artes plásticas. Existem ainda outros três elementos que compõem a cultura: a música rap, a dança break e o DJ que traz a música para dançar.

Fortalecendo essa definição, o projeto Agência Quixote Spray Arte, uma iniciativa do Projeto Quixote, realiza há cinco anos, na cidade de São Paulo, um programa de promoção de cidadania entre jovens e adolescentes em situação de risco social.

“Descobrimos que o jovem adora a linguagem do grafite, da livre expressão da arte, e é algo muito legítimo da juventude, um potencial muito grande de atração e comunicação entre eles. Pela Agência, percebemos um potencial de empregabilidade e de geração de renda através do grafite em parceria com a criatividade e a expressão artística”, explica Graziela Bedoian, coordenadora da Agência.

O Projeto Quixote, antes da criação da Agência, já organizava atividades relacionadas ao hip hop. Em parceria com grafiteiros(as) de São Paulo, foram realizadas diversas intervenções urbanas pela cidade.

Destaque dessa iniciativa foi a pintura feita no Carandiru em 2001. Com a temática da luta contra a Aids, o grupo de grafiteiros(as) da Agência Quixote, do lado de fora, e os internos do presídio, de dentro, realizaram uma grafitagem simultânea nos muros do antigo complexo presidiário. Hoje, as intervenções de grafite ocorrem na região da Cracolândia, no centro de São Paulo.

Cerca de 50 jovens em situação de risco social são atendidos(as) pelo projeto como parte das atividades do Quixote. “A garotada que atendemos é, na sua maioria, muito assediada pelo tráfico de drogas ou pela delinqüência, que acabam prometendo um dinheiro fácil e rápido. Muitas vezes, nessa competição, não tínhamos nada de atrativo e interessante para fazer. Esse foi um dos pontos que nos motivou a criar a Agência, uma oportunidade real de integrar a cultura e a geração de renda”, explica Bedoian.

A Agência é um programa de educação para o trabalho por meio do grafite, mas que gera renda com a venda dos serviços. “Nós temos um grupo de aprendizes, a cada ano entra uma turma. Nesse grupo, eles passam por um programa pedagógico que, além de oficina de grafite, oferece aulas de informática, oficina de cidadania e elaboração de projetos. A intenção é passar uma experiência mais profissional da expressão artística”, diz ela. Além das intervenções urbanas, os(as) alunos(as) da Agência Quixote Spray Arte fazem trabalhos de confecção de camisetas, telas e cartões de natal. “Começamos a gestar um livro que vai marcar esses cinco anos de experiência, nossas vivências, resultados e os significados desse tipo de iniciativa para a juventude. A idéia é registrar a experiência para servir para outros, pois, hoje, o grafite é uma ferramenta pedagógica que muitas pessoas utilizam”, conclui.

Centro de Multiculturalismo Comunitário

O objetivo inicial do grupo de rap N.U.C (Negros da Unidade Consciente) era a realização de palestras e oficinas culturais gratuitas para jovens do bairro do Alto Vera Cruz, região leste de Belo Horizonte. Hoje, com cinco anos de projetos, a iniciativa ganhou espaço e notoriedade no estado.

Intitulado Centro de Multiculturalismo Comunitário – Programa de Formação Cultural, o projeto atua na ampliação do capital cultural e nas oportunidades de desenvolvimento da juventude da comunidade.

“O projeto surgiu da necessidade de estimular a autovalorização dos(as) moradores(as) da periferia, do estímulo à autoprodução da cultura. A idéia é fortalecer as dezenas de grupos culturais existentes na comunidade, dando-lhes condições de inserção no mercado, e tornar a cultura e a educação vetores de inserção social”, explica Francislei Henrique, integrante do N.U.C e um dos coordenadores do Centro.

O Centro de Multiculturalismo Comunitário atende cerca de 450 jovens, na sua maioria negros(as), criando condições de inserção no mercado cultural por meio de cursos e oficinas de capacitação. Também põe tais jovens em contato com os(as) mais diversos(as) profissionais das áreas de produção cultural, formação artística e profissionalização técnica, potencializando os(as) jovens artistas do bairro e criando novas oportunidades de trabalho.

As oficinas e os cursos contemplam áreas específicas da produção cultural: música eletrônica, oficina de DJ, oficina de hip hop, sonorização e iluminação, técnica vocal, musicalização, elaboração de projetos e captação de recursos.

“A falta de diálogo e de uma discussão mais ampla possibilita que o quadro de desinformação e de exclusão da periferia se agrave muito. Por isso, promovemos atividades culturais, buscando essa inserção e capacitando os atores para enfrentar o mercado com conhecimento”, conclui.

Escola de Música da Baixada Fluminense

Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Noel Rosa, Cartola e Jacob do Bandolim. Esses são alguns dos ídolos de jovens entre 10 e 19 anos, moradores(as) de São João de Meriti, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, que encontraram na música a solução para o cotidiano sofrido e sem perspectivas que levavam. A Escola de Música da Baixada Fluminense há nove anos utiliza o chorinho e o samba de raiz para resgastar a auto-estima de uma juventude sem diretrizes, além de formar músicos(as) capacitados(as) para o mercado cultural.

“Os alunos chegam à escola sem nenhuma noção de música, sem nunca terem visto de perto ou manuseado um instrumento. A maioria nunca ouviu falar de Jacob do Bandolim ou de Pixinguinha. A principal fonte de informação desses jovens é o rádio e a televisão, que não destinam muito espaço. Explicamos a importância desses artistas para nossa raiz cultural e o motivo da escola em trabalhar somente com esses ritmos, pois, para os outros, já existe uma informação disseminada”, explica Lena de Souza, diretora da escola.

A Escola de Música surgiu da Associação dos Compositores da Baixada Fluminense, que, a partir de uma pesquisa, juntou vários compositores(as) da área que faziam música no estilo de Cartola, Nelson Cavaquinho e outros artistas. Durante o trabalho na associação, perceberam que as crianças ficavam nas ruas sem muitas opções de lazer e entretenimento.

“Reunimos 30 amigos, cada um doava R$ 30 por mês. Com esse dinheiro, conseguimos alugar uma casinha, bem pequeninha, e dávamos uma ajuda de custo para os professores e as pessoas que trabalhavam na escola. Sobrevivemos assim durante três anos, numa casa com uma sala e dois quartos”, conta.

Hoje, a escola é patrocinada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e atende cerca de 170 jovens da comunidade, com aulas de violão, cavaquinho, clarineta, flauta, piano, teclado, bandolim e percussão.  Não existe nenhum pré-requisito para ingressar na escola de música. Mesmo que o(a) jovem não esteja estudando, ele(a) firma um compromisso de retorno para a escola e tem um prazo de cinco meses para voltar a estudar.

“No início, eles pensam em formar um grupo de pagode e ficar famosos, mas a escola trabalha com partitura. À medida que vão entrando na música desses mestres, vão se encantando. A briga, hoje, é pela partitura de Benedito Lacerda, Jacob e Pixinguinha. Eles querem tocar bem, se aperfeiçoar, ensaiar bastante”, diz.

Os(as) alunos(as) chegam à Escola de Música muito jovens, na faixa dos 9 anos de idade. Quando chegam em torno dos 17 anos, por ser uma região muito pobre, obrigatoriamente necessitam ajudar financeiramente suas famílias. Com isso, muitos(as) acabam abandonando a escola de música para trabalhar como ambulantes, biscates, camelôs. Para driblar esse percurso, a escola destina vagas de monitor(a) e instrutor(a) para os(as) alunos(as) que mais se destacam. Por esse ofício, recebem uma ajuda de custo e, assim, conseguem se manter no projeto.

Outra opção de renda que os(as) alunos(as) da escola encontram é por meio do projeto Integração Comunitária, no qual os(as) jovens têm a oportunidade de acompanhar musicalmente grandes nomes do samba de raiz brasileiro, como Monarco, Luís Carlos da Vila, Jair do Cavaco e Nei Lopes. “A gente faz uma roda de feijão e esses músicos são sempre acompanhados pelos jovens da Escola de Música, eles nunca trazem seus músicos. Isso valoriza o aprendizado desses alunos. Eles recebem um cachê e também fazem propaganda do trabalho deles, fortalecendo que a música também é uma profissão”, comenta.

Grupo Cultural do Alto José do Pino

Numa comunidade da Zona Norte do Recife chamada Alto José do Pino, o grupo Poesis realiza, há mais de quatro anos, uma série de eventos culturais no bairro, como recitais de poesias, cortejos poéticos e encontros de cultura. Formado por oito integrantes entre poetas, artistas, músicos e cantores(as), o grupo visa impulsionar a juventude local por meio da cultura popular.

“Partimos da idéia de que as grandes transformações sociais, muitas vezes, negligenciam as pessoas simples do dia-a-dia, não conseguem transformar as pessoas por dentro. Nosso trabalho vai desde a mudança estrutural até a pessoal, utilizamos a arte para valorizar a expressão social e cultural da juventude”, explica Maurício Gonçalves, integrante do grupo Poesis.

Durante o ano, são realizados quatro grandes eventos que reúnem teatro, dança, música, poesia e performance. No mês de março, o grupo sai pelas ruas da comunidade do Alto José do Pino em busca dos(as) jovens atores e atrizes locais e dos(as) poetas suburbanos(as) e marginais, para um grande encontro artístico em locais públicos da comunidade, que reúne cerca de 450 pessoas.

Em agosto, o grupo realiza o Agosto a Poesis, um tributo às pessoas que conseguiram sobreviver aos obstáculos impostos na realidade das periferias do Brasil. “A comunidade, como a maioria das favelas do país, tem um problema sério de violência. Fazemos uma atividade de cortejo pelas ruas do bairro para lembrar os jovens que morreram e, ao mesmo tempo, agradecer e tentar resgatar os que continuam vivos”, conta. O terceiro evento ocorre no mês de novembro, também com a mesma característica e objetivo, a atividade é realizada na véspera do Dia de Finados. No mês de dezembro, o grupo realiza a atividade Natal Verdadeiro, com a distribuição de presentes e atividades culturais para a comunidade.

Além dos eventos temáticos, o Poesis realiza, no último domingo de cada mês, o Recital ao Pôr do Sol, na praça pública do bairro. Utilizando apenas um equipamento de som e microfone, o grupo e o público participante recitam poesias performáticas. Para Maurício, “a atividade beneficia muitas pessoas, a juventude principalmente, porque é realizada no meio da rua e todos podem se manifestar livremente e expressar sua alegria e tristeza”.

“Existe uma característica naturalística no grupo, meio mística. Por isso, a escolha do pôr do sol para a realização dos recitais. As poesias sempre são interpretadas e performáticas. Os recitais de poesias são alternados com apresentações de teatro com artistas da própria comunidade e com jovens da companhia de teatro do Alto José do Pino. A música fica a cargo das bandas e grupos locais. Hoje, conseguimos mobilizar todo bairro em torno das atividades culturais, os resultados são muito positivos”, conclui ele.

Eletro Cooperativa

A cidade de Salvador é característica por abranger diversas manifestações culturais. Uma delas, talvez a mais tradicional, são os blocos afros. Buscando a inclusão social de jovens, preferencialmente negros(as), há dois anos surgiu a organização de cidadania ativa Eletro Cooperativa, que oferece cursos e oficinas para capacitar a juventude dos blocos afros e de comunidades pobres de Salvador. Tendo como principal elemento a tecnologia, visa à formação cidadã e à geração de renda por meio da inclusão musical digital.

Localizada no centro histórico de Salvador, o Pelourinho, a sede fica numa das ruas mais antigas do bairro negro da cidade. As batidas dos tambores se misturam às das bases eletrônicas da Eletro Cooperativa, unindo tecnologia e ancestralidade cultural – ao todo, cerca de 400 jovens participam das oficinas.

“Na Bahia, a maioria dos jovens é ligada a alguma atividade musical. Muitos querem se aperfeiçoar, mas não têm condições para isso. Eles possuem o talento para arte, desenvolvem algum trabalho, mas não conhecem a parte teórica, essencial para a sobrevivência e o sucesso no mercado musical. Utilizamos um elemento novo, a música eletrônica, aliada a ritmos tradicionais que impulsionam a juventude como o hip hop, o afoxé e o samba”, explica o DJ Mário, professor da Eletro Cooperativa.

A seleção dos(as) participantes é feita pelos blocos afros de Salvador e por entidades que trabalham na região do Pelourinho. Os(as) estudantes participam de aulas práticas e teóricas sobre a produção digital de música, aulas de teoria musical, discotecagem,  produção fonográfica, suporte à composição, arranjo, gravação, edição e masterização. Recebem uma bolsa para se manterem nas oficinas, que dura, em média, seis meses. É oferecido também um apoio pedagógico aos(às) participantes para garantir ao máximo o aprendizado nas atividades, além de um trabalho de cidadania que inclui noções de empreendedorismo juvenil.

“Os alunos têm a oportunidade de aprender e praticar tudo o que é ensinado nas oficinas. Temos um suporte técnico que possibilita o aprimoramento de toda a teoria aprendida. Eles concluem o curso capacitados para atuar como profissionais no mercado musical”, conta Mário.

Recentemente, os resultados das oficinas de música digital resultaram em sete CDs totalmente realizados pelos(as) alunos(as) da Eletro Cooperativa, além de um portal na Internet que abriga rádio digital e ambiente para divulgação e download gratuito de músicas. Entre os destaques do lançamento estão o CD Exijo respeito, do grupo de hip hop Afrogueto, e o CD Eletropercussivo, da Eletropercussiva, primeira banda formada por alunos(as) da cooperativa, que mistura elementos de hip hop e percussão.

“O lançamento dos trabalhos é uma oportunidade, além de toda a formação que recebemos, de inclusão no mercado musical. A qualidade das músicas e o aprendizado acumulado na Eletro Cooperativa são fundamentais para a carreira dos alunos formados pelos cursos”, conclui.

Projeto Batucatá

O som é uma mescla de vários ritmos musicais, como o afoxé, o lundu e o funqueado; a apresentação é feita com instrumentos de maracatu; um dos objetivos é a valorização da cultura afro-brasileira. Esses são alguns elementos que compõem o Projeto Batucatá, da organização de cidadania ativa Cataventos, um grupo de percussão que existe há um ano e atende cerca de 30 jovens, entre 15 e 23 anos de idade, moradores(as) de Sobradinho II, cidade-satélite de Brasília.

“Misturamos diversos ritmos musicais buscando uma releitura da música popular brasileira. Elaboramos o repertório de forma que o público perceba a transformação musical característica do grupo. Para complementar tudo isso, adicionamos alfaias de maracatu, caixas malacachetas e tamborins – oriundos das escolas de samba do Rio de Janeiro –, cuícas, timbais e congas”, explica Marcus Vinícius de Brito, um dos coordenadores do Batucatá.

A Cataventos já abrigava um projeto de percussão, porém sem muitos recursos e poucos(as) alunos(as). Além disso, a estrutura de trabalho era bastante precária e sem foco de atuação. Com algumas parcerias, as oficinas de percussão foram remontadas e foi criado o Batucatá. “Decidimos continuar com alguns alunos que quiseram dar prosseguimento, recolhemos mais alguns jovens em situação de risco social na comunidade e começamos o projeto. Com os instrumentos e os objetivos que almejamos, ficou mais fácil trabalhar a cultura afro-brasileira com eles e desenvolver os ritmos musicais”, conta.

O projeto Batucatá, além de ser um grupo musical de percussão, busca resgatar a auto-estima da juventude focando a atuação no resgate da cultura afro-brasileira. De acordo com Marcus, esse resgate social é muito mais importante do que a notoriedade nacional com uma banda de percussão. O grupo quer ser conhecido pelo trabalho que realiza em prol da juventude.

“A idéia é realmente fazer um trabalho de mudança e resgate social, e não uma banda que fará shows pelo país. Com essa filosofia, objetivamos atingir mais e mais jovens, envolvendo-os em uma atividade cultural que possa resgatá-los dos caminhos tortos oferecidos pela vida. A cultura pode ser a chave para esse resgate, mesmo com as dificuldades que encontramos em atuar no mercado cultural em Brasília, que não possui um histórico cultural forte como Recife e Salvador”, diz.

Apesar do pouco tempo de atuação, o grupo já é bastante solicitado para apresentações musicais, em virtude da qualidade musical e do discurso de afirmação da cultura afro. O grupo Batucatá quer ser característico também por essa abordagem, é por meio dela que resgata jovens da comunidade, dando-lhes esperança de dias melhores.

“Se não atuarmos fortemente na base, lá na raiz do problema, perderemos a cada dia mais e mais jovens. Acreditamos que a cultura seja esse ponto de atuação, nosso ponto de partida para as ações. O jovem precisa de estudo e de conhecimento, principalmente de suas origens, da sua ancestralidade, sobretudo o jovem negro. Por isso, fazemos um estudo dos ritmos que vieram da África e o que eles originaram aqui no Brasil, algo que está sendo esquecido. O samba, o maracatu, o baião e diversos outros ritmos têm o  poder de impulsionar e despertar o jovem para o bem. Apenas utilizamos essa força para realizar nosso trabalho”, finaliza.

Atitude

Protagonismo juvenil. Este é o foco de atuação da organização Atitude, criada em 2003 na cidade de Porto Alegre. Organizando oficinas, debates, sessões de cinema, intervenções culturais em seminários e congressos, busca discutir e modificar a condição da juventude. Participam desses eventos artistas, estudantes, trabalhadores(as), militantes, acadêmicos(as) e jovens que querem construir um novo mundo pautado pela troca, diferença, conhecimento, justiça e respeito e que trabalham para isso. São pessoas com desejo de criar a liberdade para a juventude.

“A cultura cumpre um papel fundamental no protagonismo juvenil. Um grupo de ativistas juvenis se organiza para lutar contra a opressão que sofremos, mas também para organizar espaços coletivos onde a produção e o esta¬¬belecimento de contraponto sejam ferramentas para que possamos estabelecer ações que priorizem a juventude”, explica Márcio de Oliveira, integrante da organização.

O grupo de jovens que compõem a Atitude foi formado na realização do ato político-cultural pelo desarmamento e contra a redução da maioridade penal em frente à fábrica de armas em Porto Alegre. São cerca de 20 ativistas de várias áreas e diversos(as) colaboradores(as) eventuais, com experiência em manifestações e atuação juvenil. A organização desenvolve projetos sociais e pesquisas no campo das políticas públicas de juventude e assuntos ligados à condição juvenil e suas relações com a sociedade.

Hoje, as principais atividades da organização giram em torno do audiovisual. “Utilizamos alguns conceitos de vídeo aliados a técnicas de alguns diretores, que facilitam as atividades e oficinas que realizamos, por meio da visibilização dos jovens. Técnicas como direção, produção e outras são conhecidas na prática com breve exposição de cuidados e de como se constrói e visualiza uma idéia via lente de uma máquina”, diz Márcio. Em seus cursos, a Atitude já capacitou 114 famílias pobres da periferia de Porto Alegre nas técnicas de vídeo.

Os(as) jovens participantes das oficinas de vídeos, em sua maioria, são moradores(as) de comunidades como o Morro da Cruz e a Vila dos Papeleiros, localidades da capital gaúcha em que vivem jovens em risco social efetivo. “O cinema é um ponto de atuação para o resgate desses jovens. Nos cursos, refletimos sobre arte, dramaturgia, produção de filmes. Estamos ali para oferecer as ferramentas e permitir que eles realizem as produções”, explica.

Grupo Parafolclórico Moqueio Tupinambá

O grupo se destaca no estado do Pará pela expressividade da cultura popular. Localizado na Ilha de Mosqueiro, cerca de duas horas de distância da capital Belém, reúne há sete anos a juventude local em torno da preservação da cultura e das manifestações artísticas paraenses.

“Os bois-bumbás, os grupos folclóricos e as quadrilhas juninas são algumas das manifestações que enriquecem o folclore da Ilha de Mosqueiro, todas com o objetivo de preservação das atividades culturais, visando atingir a juventude da ilha para que se integre mais com a cultura regional, além de gerar uma ocupação para os jovens”, explica Esmeralda de Oliveira, integrante do grupo.

O nome do grupo, Moqueio Tupinambá – que é uma homenagem a tribos indígenas da ilha –, surgiu a partir de oficinas de artesanato e marcenarias oferecidas a jovens da comunidade e da necessidade de entretenimento e lazer local. “A partir das oficinas, uma turma de meninos, juntamente com o instrutor do curso, decidiu formar um grupo musical que recuperasse a história cultural do Pará. Assim surgiu o Moqueio”, conta.  

Hoje, o grupo reúne cerca de 30 jovens, entre 14 e 26 anos de idade, músicos(as) e dançarinas. As apresentações ocorrem em eventos particulares e acontecimentos sociais em escolas, igrejas e instituições. O trabalho do grupo é voltado para a dança e performance teatral, por meio das quais são apresentadas diversas lendas do folclore paraense (boto, Matita Pereira, pretinha de Angola etc.), danças e ritmos regionais do Pará como carimbó, lundu, siriá, marujada, vaquejada, entre outros.

Além da dança e do teatro, o grupo Moqueio Tupinambá, em parceria com o Instituto Universidade Popular (Unipop) e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Emaús (Cedeca Emaús), participa de cursos de formação de política ambiental e de oficinas sobre temas ligados aos direitos sexuais e reprodutivos.

“Os cursos contribuem para o crescimento e a formação pessoal dos integrantes do Moqueio e enriquecem os debates internos do grupo. Além da dança, tentamos nos engajar em outras áreas, levando nosso discurso e trabalho para os mais variados segmentos. Apesar de sermos um grupo folclórico, temos estes temas – a violência doméstica, a questão ambiental e o preconceito – presentes em nosso cotidiano, no grupo folclórico ou fora dele”, conclui.

*Jornalista, colaboradora do Ibase

Publicado na Revista Democracia Viva, nº30, Jan/Mar 2006

Cursos pagos em universidades públicas são contestados na Justiça

Universidades Públicas de todo o país oferecem cursos pagos e violam o princípio de gratuidade do ensino. A reportagem mostra como essa prática vêm sendo contestada por alunos e professores

Ações judiciais vitoriosas em Goiás, Rio de Janeiro e Ceará obrigam instituições de ensino superior a restituir mensalidades e suspender cobrança.

O Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos Estaduais e alunos de universidades públicas vêm movendo ações, em todo o país, para tentar impedir que essas instituições, em convênio com fundações privadas, cobrem por cursos de pós-graduação lato sensu. Muitas dessas ações são exitosas, fazendo com que as universidades devolvam o dinheiro adquirido com as taxas ou se abstenham de condutas ilegais.

A Universidade Estadual de Goiás (UEG), a Fundação Universidade Estadual de Goiás (FUEG) e a Fundação Universitária do Cerrado (Funcer) foram condenadas pela Vara das Fazendas Públicas de Anápolis, em dezembro de 2005, a restituir, solidariamente, os valores já pagos pelos cerca de 6 mil alunos de cursos seqüenciais. Além disso, a Justiça Federal determinou que ambas as fundações se abstenham de indeferir a renovação de matrículas dos alunos “inadimplentes”.

O problema surgiu em 2000, quando a FUEG, mantenedora da UEG, lançou uma série de cursos seqüenciais e, por meio da Funcer, passou a cobrar mensalidades por eles. Em 2002 alguns alunos entraram com um mandado de segurança na Justiça Federal, pedindo a extinção da cobrança de mensalidades e a regularização dos alunos inadimplentes. O pedido foi deferido. Nos anos subseqüentes, outros alunos seguiram esse caminho e foram igualmente vitoriosos.

Em função da denúncia dos estudantes, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MPE-GO) ingressaram com ações civis públicas na Justiça Federal, nos anos de 2003 e 2004, com o intuito de obrigar a UEG a interromper a cobrança de mensalidades. A antecipação de tutela foi então concedida pela Justiça Federal.

A FUEG recorreu da decisão, questionando a competência da Justiça Federal para julgar o caso. Em agosto de 2003, os interessados na ação sofreram um aparente revés quando a liminar de antecipação de tutela foi cassada e o caso foi para o âmbito da Justiça Estadual. O MPF declinou de sua competência e a Justiça Federal remeteu os autos à Justiça Estadual (Vara das Fazendas Públicas de Anápolis). No entanto, esta terminou por julgar procedente a ação.

Irregularidades da Funcer
De acordo com o advogado Antonio Soares, que representa os alunos na ação, a Funcer foi criada como associação e não como fundação, e teria sido registrada a partir de uma ata com três assinaturas falsificadas. Além disso, a entidade não poderia ter estabelecido convênio com a UEG, já que não possuía autorização do Ministério da Educação nem do Conselho Estadual de Educação para atuar como instituição de ensino. Outro ponto crítico envolvendo a criação da Funcer é o fato de seus “instituidores” serem os principais dirigentes e professores da UEG. Assim, acabaram por firmar convênio com eles mesmos, caracterizando uma situação explícita de conflito de interesses.

De acordo com a diretora-executiva da Funcer, Vera Maria, quando a instituição foi criada ocorreram equívocos na gestão administrativa, que já teriam sido corrigidos. Ela admite que a Funcer só foi registrada como fundação, por meio de escritura pública, em 2003, apesar de existir desde 2000. “Por isso não temos como cobrar mensalidades dos alunos que ingressaram anteriormente a este ano. Já os que vieram depois, têm concordado em pagar os cursos”.

Soares, contudo, informa que o capital inicial da fundação surgiu da doação de R$ 50 por instituidor, somando uma quantia total de R$ 1.950, posteriormente alterada para R$ 1.800. Somente na convocação da primeira turma do curso seqüencial de Gestão Pública foram ofertadas 1.420 vagas, e cada aluno pagou R$ 180 de mensalidade. Dessa forma, o faturamento da Funcer apenas no primeiro mês foi de 1.420 x R$ 180 = R$ 255.600. Desse modo, o “capital inicial” de R$ 1.800 se transformou em R$ 255.600.

De posse desses dados, os alunos solicitaram à Vara das Fazendas Públicas de Anápolis, em setembro de 2003, a decretação da nulidade do convênio entre a Funcer e a UEG; a suspensão da exigência de pagamentos relativos aos cursos seqüenciais; e o direito de os alunos concluírem os cursos. A Funcer contestou. Em janeiro de 2006, os alunos impugnaram as contestações da fundação. A ação continua tramitando na Justiça Estadual.

Rio de Janeiro e São Paulo
No Rio de Janeiro, uma recomendação do MPF proibiu, em 2002, a cobrança de taxas de matrículas em mestrados profissionalizantes (stricto sensu) na Universidade Federal Fluminense (UFF), na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE). As duas primeiras, no entanto, passaram a oferecer os cursos pagos por meio de empresas, burlando assim a recomendação do MPF. Ou seja, empresas contratam as universidades com o objetivo de pós-graduar seus funcionários. Com essa finalidade, pagam a mensalidade de todos eles.

Tais empresas financiam também, em tese, o pequeno número de vagas gratuitas destinadas ao público externo. Segundo Luiz Otávio Laxe Vilella, procurador-geral da UFF, “isso é feito para garantir o princípio de igualdade legal”. O MPF desconhecia a manobra das universidades. No caso da ENCE, porém, a cobrança foi suspensa: os cursos de especialização e mestrado profissionalizante são oferecidos gratuitamente.
Em São Paulo, no campus da USP localizado no município de Bauru, o procurador da República Pedro Antônio de Oliveira Machado aguarda o julgamento de uma apelação encaminhada ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região em 2002. Machado é o autor de ação movida no ano de 2000 na Justiça Federal, na qual obteve liminar proibindo a realização de sete cursos de especialização pagos ofertados pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) e promovidos pela Fundação Bauruense de Estudos Odontológicos (Funbeo).

O procurador constatou, entre várias irregularidades, que professores em regime de dedicação integral (RDIDP) ministravam cursos pagos sem a devida autorização da USP. Além disso, esses docentes haviam constituído empresas para receber as respectivas remunerações, pagando menos impostos. A fundação recorreu e o caso acabou passando também pelo MPE. Em abril de 2002, o juiz que havia concedido a liminar, Heraldo Garcia Vitta, decidiu a ação em favor da Funbeo, levando Machado a recorrer à segunda instância.

Ceará e Pernambuco
O Ministério Público Federal do Ceará ajuizou, em 2002, ação civil pública contra a Universidade Federal do Ceará solicitando liminar que determinasse, entre outras coisas, a suspensão do oferecimento de cursos lato e stricto sensu mediante cobrança de mensalidades. A sentença, que saiu em fevereiro de 2005, indeferiu o pedido, justificando que na verba destinada à universidade pela União não está incluso o custeio de cursos de pós-graduação lato sensu. O juiz responsável pela decisão, Leopoldo Fontenele Teixeira, acredita ainda que o ensino mais barato é o que mais se aproxima do gratuito. O MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região, mas ainda não houve julgamento.

Ainda no Ceará, o MPF entrou com um pedido de liminar em 2002 contra a Universidade Vale do Acaraú (UVA, instituída sob a forma de fundação estadual), requerendo a suspensão da cobrança de taxas de matrícula semestrais em cursos de graduação e em qualquer outro serviço educacional prestado aos alunos. A sentença foi expedida pela 10ª Vara da Justiça Federal em junho de 2003, acatando o pedido de proibição da cobrança das taxas e exigindo a devolução aos alunos dos valores já recebidos.

No mesmo ano, a UVA recorreu da decisão, conseguindo, em 2004, que a neutralidade somente existisse para alunos isentos do pagamento do Imposto de Renda. O procurador Alessander Sales, do MPF, recorreu, em 2005, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para conseguir o restabelecimento integral da sentença de 2003.

Em Pernambuco, o MPF promoveu, em 2003, uma ação civil pública contra a União, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Fundação de Apoio à Universidade Federal de Pernambuco (FADE), para impedí-las de cobrarem pelos cursos de especialização e obrigá-las a restituir aos alunos os valores recebidos.

Em março de 2004, a Justiça Federal expediu sentença julgando, entre outras considerações, que é possível a cobrança das mensalidades e taxas nos referidos cursos, desde que com correção de diversas irregularidades apontadas no documento. Tanto o MPF quanto a UFPE entraram com recurso.

A Procuradoria Regional da República da 5ª Região emitiu um parecer, em março de 2005, reafirmando a posição de que a UFPE deve garantir a gratuidade de todos os cursos que oferece. Além disso, o documento afirma que as especializações oferecidas em convênio com a FADE, que utilizam o espaço físico e boa parte dos docentes da universidade, apresentaram problemas na prestação de contas e irregularidades no uso dos recursos provenientes das mensalidades.

Parte da arrecadação, que deveria financiar a própria UFPE, foi destinada à FADE e aos professores, que recebiam remuneração acima do que a universidade regularmente paga na graduação ou na pós-graduação stricto sensu. O caso agora será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5).

* Reportagem publicada originalmente no Dossiê Nacional 1, de maior de 2006, uma publicação especial da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes-SN).

Reproduzida na Agência Carta Maior (www.cartamaior.com.br) em 26 de agosto.

Pesquisa mostra como se constrói imagem negativa dos jovens pobres

Pivete, trombadinha. Essas expressões revelam o quanto crianças e adolescentes pobres têm sido vistos com temor pelo resto da população. Pesquisadora da Uerj mostra como essa imagem ruim teve origem ainda no período escravocrata

Pivete, trombadinha, moleque de rua. Essas expressões revelam o quanto crianças e adolescentes pobres têm sido vistos com temor pelo resto da população. Olhar temeroso que leva muita gente a pedir medidas punitivas cada vez mais rigorosas e até mesmo a redução da idade penal para coibir as infrações cometidas por esses adolescentes. Há cerca de 25 anos estudando a questão da criança e dos direitos humanos, a pesquisadora Esther Maria de M. Arantes acredita que as raízes desse pensamento estão em nosso passado escravocrata.

É o que ela explica em Adolescência, ato infracional e cidadania no Rio de Janeiro: 1900 a 2000; a construção do adolescente como perigoso, pesquisa apoiada pelo edital de Direitos Humanos da FAPERJ. Na contramão do rigor punitivo, ela acredita que nas saídas para a questão, o país deveria voltar-se para um modelo de desenvolvimento que priorizasse o social.

“Nossa pesquisa procura mostrar como se constituiu esse perfil e como o menino aprisionado por práticas de exclusão se vê sem perspectivas”, diz a pesquisadora, coordenadora do programa de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Esther Arantes se fundamenta na história para explicar que, enquanto perdurou a escravidão no Brasil, os que eram vistos como fonte de problemas à ordem social eram os chamados “sem eira nem beira” (mendigos, desclassificados e vadios), que não tinham lugar na estrutura dual daquela sociedade dividida entre senhores e escravos.

Com a abolição, juntou-se a eles a massa de ex-escravos, que também passava a ser vista como trabalhadores subalternos ou classe perigosa. Não por outro motivo, uma das primeiras medidas adotadas pelo 1º Código de Menores logo após a proclamação da República foi a redução da idade penal para os nove anos. Além disso, regulamentava-se o trabalho infantil, permitia-se a retirada do pátrio poder por motivo de pobreza e o envio dessas crianças, que passavam a ser definidas como menores abandonados material e moralmente, aos internatos correcionais. Iniciativas com que se procurava controlar jovens em situação de pobreza ou abandono.

Quadro que não mudou muito ao longo do tempo. Em 1905, numa inspeção às casas de detenção do estado, Franco Vaz constata numa delas a presença de 18 menores, cujos delitos variavam entre “ter atirado uma pedra num comerciante que o agredira”, "ter sido apanhado perambulando ou dormindo na rua". Mais surpreendente é a recomendação de seu relatório. Vaz acha que a idade penal precisa ser aumentada, mas que os menores “abandonados moralmente” deviam permanecer em um internato correcional até os 18 anos, “para a sua proteção”.

O grande avanço legal chega com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei complementar à Constituição de 1998. “Com ele, deixa de existir o menor carente ou infrator como objeto do assistencialismo ou das penas da lei, e passamos a ter crianças e adolescentes como sujeitos plenos de direitos”, explica Esther. Pelo estatuto, por exemplo, infrações leves incorrem em medidas não privativas de liberdade, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida. “Todas estas medidas devem ser tentadas antes da privação de liberdade, que de acordo com o estatuto é reservada apenas para os atos infracionais cometidos mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de atos infracionais graves ou  pelo descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta”, fala a pesquisadora.

Segundo a pesquisadora, o estatuto garante à criança e ao adolescente direitos de cidadania que devem ser assegurados pela implementação de políticas sociais públicas que permitam uma vida com dignidade. “É uma luta histórica. Mas apesar das esperanças depositadas na Constituição de 1988, especialmente no que se refere a direitos humanos, a realidade não correspondeu às nossas expectativas, uma vez que, com o processo de globalização já em curso, privilegiando o pagamento da dívida externa em detrimento da aplicação de políticas públicas, muitos desses dispositivos terminaram deixados de lado”, explica.

Na prática, embora os pais não possam mais ser destituídos do pátrio poder por motivo de pobreza, isso continua acontecendo, sob a alegação de “negligência”, o que muitas vezes mascara situações de extrema carência da família. “O problema não é só da criança, mas familiar. Pais que não têm condições básicas de se manter, não terão como manter os filhos”, fala.

“Houve avanços e recuos nesse meio tempo, como a universalização do ensino fundamental. Mas não se conseguiu estender essa universalização do ensino ao adolescente, mantendo-o na escola, não se extinguiu o trabalho infantil, que ainda é fonte de renda familiar, e aumentou o extermínio de jovens do sexo masculino”, prossegue.

Situações que podem ser apontadas no estudo realizado em 2001 com 50 adolescentes internados no Instituto Padre Severino, no Rio de Janeiro. Nele, identificou-se o seguinte perfil: 82% dos adolescentes estavam fora da escola quando praticaram o último ato infracional; 96% começaram a trabalhar ainda criança para garantir sustento próprio ou da família; 50% perderam um ou mais membro da família (pai, mãe, irmão) por mortes violentas (acidentes ou assassinatos) ou por doenças graves mas passíveis de tratamento (tuberculose, hanseníase, complicações do pós-parto, Aids); 50% eram considerados reincidentes e 34% e 10% foram acusados de tráfico e uso de drogas, respectivamente.

Expectativa e realidade: o duro cotidiano das instituições para menores

O curioso é observar que ao ser preso pela primeira vez, esse jovem tem a expectativa de um reingresso na escola e de preparo para o trabalho. O que os aguarda, porém, é uma realidade bem diferente. “Quando os críticos do Estatuto da Criança e do Adolescente acham que ele é brando demais, ou que ´pivetes` têm que ser presos, é porque não conhecem o cotidiano dessas instituições. Semelhantes a prisões, o dia-a-dia em algumas destas unidades é de extrema crueldade e sofrimento físico e mental”, fala a psicóloga, que coordenou recente inspeção nacional dessas unidades em todo o país, trabalho feito em parceria pelas Comissões de Direitos  Humanos do Conselho Federal de Psicologia, e pela Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Nos resultados, publicados e apresentados no início de mês junho, na X Conferência Nacional de Direitos Humanos em Brasília, além das fotos que falam por si, o que emerge é a superlotação das unidades, a constatação dos castigos corporais e celas fortes, a ausência ou precariedade das atividades socioeducativas, e adolescentes apresentando sofrimento mental. As falas dos internos do Instituto Padre Severino, no estudo anteriormente mencionado, são eloqüentes: “Não acho nada bom ficar o dia inteiro trancado, olhando para a cara de homem. Cadeia só dá mais ódio (14 anos)”; “Do jeito que os caras tratam os menores, não recupera ninguém. O menor fica é revoltado. Os caras dão tapas na nossa cara; nossas mães nunca deram tapas na nossa cara (17 anos).”

“Não é difícil compreender a revolta desses adolescentes. Assim, embora não se possa ignorar os atos infracionais, principalmente os de natureza grave como os cometidos contra a pessoa, isso não autoriza a criação de uma imagem genérica do adolescente como ´perigoso` e ´drogado`, como se fossem atributos de sua própria natureza e justificassem seu confinamento, apartação social, ou mesmo sua morte, como defesa da sociedade”, diz.

A pesquisadora explica que, “muitas vezes, ao deixar uma instituição, mas sem poder voltar para casa ou para sua comunidade, sem perspectivas, o jovem fica pelas ruas, furta para viver ou vende drogas, até ser novamente preso ou morto em confronto com a polícia ou grupo rival”. Para Esther, é um equívoco pensar em se recuperar alguém através da exclusão, ou da prisão. “O desemprego e a falta de esperança no futuro são, hoje, componentes explosivos da questão social. Cabe a nossa sociedade pensar a questão da igualdade. O Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo, resolveria muitos de seus problemas priorizando a criança e o adolescente como um sujeito de direitos e criando políticas públicas que invistam no social. Se isso não acontecer, cada vez mais veremos inchar as prisões.”

Confessando-se otimista, a pesquisadora vê saídas. “Com um trabalho efetivo de educação, mobilização e organização dos movimentos sociais para assegurar cidadania plena para todos — e não a existência de alguns como cidadãos subalternizados — precisamos fazer com que esses direitos não fiquem apenas no papel, mas passem a fazer parte da nossa prática. Nossa esperança é de que tudo isso melhore, porque a realidade tem sido cruel com estes jovens”, conclui. 

Publicado no Boletim Faperj dia 24 de agosto de 2006.

Leia também "Menor" ou "Jovem": um estudo sobre como o discurso jornalístico diferencia a juventude

Políticos recebem documento com propostas de políticas públicas

Universalização do ensino médio, criação de espaços de participação e conciliação do mundo do trabalho e da educação são propostas elaboradas a partir de pesquisa com mais de 8 mil jovens na região metropolitana de 8 capitais

SÃO PAULO – Candidatos à presidência da República, a governador, parlamentares e gestores públicos municipais, estaduais e federais vão receber, a partir de quarta-feira (9), um documento com propostas de políticas publicas voltadas à juventude brasileira. A publicação foi elaborada com base em pesquisa coordenada pelo Instituto Polis e o Instituto Brasileiro de Estudos Sócio-Econômicos (Ibase) que, entre 2004 e 2005, ouviu mais de 8 mil jovens de 15 a 24 anos na região metropolitana de oito grandes capitais do país. Com essas recomendações, as entidades pretendem sensibilizar candidatos e gestores públicos e provocar o debate político acerca das necessidades dessa parcela da população e do alcance e dos limites das políticas que já estão sendo colocadas em prática no país. A data foi escolhida para marcar os nove anos da morte do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.

“Queremos que, a partir dessas sugestões, as propostas existentes saiam do papel e tenham um impacto real na qualidade de vida da juventude brasileira. Os políticos precisam se conscientizar dos direitos dos jovens para traduzi-los na prática em políticas públicas. A idéia é pautar essa discussão com base nos dados conseguidos junto aos próprios jovens”, explica Patrícia Lânes, pesquisadora do Ibase.

As recomendações se dividem em quatro áreas: participação, educação, trabalho e cultura e lazer, as mesmas que foram abordadas na pesquisa “Juventude Brasileira e Democracia – participação, esferas e políticas públicas”, com jovens da região metropolitana de Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, além do Distrito Federal.

Em relação à participação, o documento "Diálogo nacional para uma política pública de juventude" afirma que os jovens querem a constituição de mais espaços de discussão, controle e fiscalização da implementação das políticas públicas que os atingem, principalmente nas esferas estaduais e municipais, já que, no âmbito federal foi criado, em 2005, o Conselho Nacional de Juventude, vinculado à presidência da República. O estudo mostra que 85% dos jovens entrevistados consideram necessária maior interlocução entre a sociedade civil e o governo. “Uma das principais conclusões da pesquisa é que o jovem admitiria participar mais da vida pública e de ações coletivas – desde que estas resultassem em melhorias para a sociedade (e que houvesse canais adequados de participação)”, afirma o documento.

Na área de educação, a principal demanda é a universalização do ensino médio, com ampliação do número de vagas e políticas que garantam a permanência dos estudantes, em especial daqueles que trabalham e têm filhos. Aproximadamente 53% dos entrevistados não estavam estudando na época da pesquisa. De acordo com o documento, a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), proposta do governo federal que ainda precisa ser aprovada no Congresso, poderá contribuir de forma decisiva para isso. “O jovem termina o ensino básico e tem dificuldade de acesso ao ensino médio. Por isso, além da generalização dessa etapa, eles querem uma escola de qualidade no ensino básico, com melhor infra-estrutura, mais bem preparada para receber o jovem, professores melhor qualificados e remunerados”, completa Patrícia.

Já em relação ao trabalho, é reforçada a vontade de permanecer na escola, mesmo tendo que trabalhar. Nesse sentido, o documento sugere a elaboração de políticas que conciliem o mundo do trabalho e da educação. Segundo a pesquisadora do Ibase, a escolha por um desses dois mundos costuma ser dramática para os jovens das classes populares, já que muitos acabam tendo que abrir mão da formação para contribuir no orçamento familiar ou sustentar suas próprias famílias, o que restringe as expectativas quanto aos projetos de futuro. A pesquisa mostra que, apesar das críticas ao ensino público de modo geral, os jovens revelam a confiança de que educação formal ainda pode prepará-los para sua emancipação social.

Além disso, o trabalho vem em segundo lugar na lista de preocupações dos entrevistados em relação ao Brasil, perdendo apenas para a questão da violência, que cada dia assombra mais o cotidiano dos jovens na região metropolitana de grandes capitais. A dificuldade de inserção no mercado de trabalho é um dos maiores problemas, já que eles não possuem experiência e não encontram caminhos para obter a primeira experiência. Essa situação ainda é agravada pela discriminação em relação a raça e etnia, vestimenta, classe social etc. Entre os jovens pesquisados, 27% não estavam estudando nem trabalhando.

Políticas de descentralização dos equipamentos de cultura e lazer, para que estejam mais próximos dos jovens de baixa renda, constituem algumas das mais importantes recomendações do documento nessa área. Além disso, ele ressalta a importância de garantir condições de transporte para o jovem circular pela região metropolitana e ter acesso a outras manifestações culturais que não apenas aquelas que acontecem na sua região da cidade.

O documento revela também o recado que esses jovens gostariam de mandar aos governantes brasileiros e lembra que os eleitores de 16 a 24 anos representam um quinto do eleitorado no país. Em primeiro lugar, eles querem mais responsabilidade e dignidade, na seqüência vêm honestidade e o fim da corrupção; atenção e investimento nos jovens; renovação das formas de fazer política, entre outros desejos manifestados na pesquisa.

Publicado na Agência Carta Maior - Direitos Humanos em 10 de agosto de 2006

Jovens antenados(as) na política

"O que se verifica na prática é que jovens estão buscando formas de participação e intervenção na esfera pública, na vida social em que se encontram inseridos(as) e que lhes diz respeito", escreve a pesquisadora do Ibase, Patrícia Lânes

A recente divulgação feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do aumento substantivo (39,3%) de jovens entre 16 e 17 anos que tiraram título de eleitor nos últimos quatro anos e pretendem votar nas próximas eleições surpreendeu muitas pessoas. A surpresa de grupos da sociedade brasileira faz pensar sobre as idéias de apatia, individualismo e indiferença que continuam associadas à juventude brasileira. O que se verifica na prática é que jovens estão buscando formas de participação e intervenção na esfera pública, na vida social em que se encontram inseridos(as) e que lhes diz respeito.

As evidências trazidas pelo TSE apenas corroboram dados divulgados nos últimos anos por pesquisas de grande abrangência que buscaram escutar a juventude, considerando sua diversidade, suas demandas e desejos. Pesquisa divulgada recentemente pela Unesco e pela OEI – Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (“Juventude, juventudes: o que a une e o que a separa”, 2006), por exemplo, revela que 68,8% dos(as) jovens de 15 a 29 anos pesquisados(as) disseram acreditar que o voto pode mudar a situação do país e 66,6% afirmaram não ser aceitável não votar nas eleições.

A investigação realizada pelo Instituto Cidadania por meio do Projeto Juventude dá mais evidências da percepção dos(as) jovens brasileiros(as) sobre a política: 37% acreditavam que a política influi muito em suas vidas e 32% que influi um pouco; 36% disseram influenciar a política de alguma forma, seja por meio do voto nas eleições, reclamando seus direitos, pagando impostos ou, ainda, fazendo intervenções políticas. Finalmente, 54% dos(as) 3.500 jovens ouvidos(as) achavam a política algo muito importante.

As evidências sobre o lugar da política na vida dos(as) jovens brasileiro(as) também aparecem na pesquisa “Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas”, coordenada pelo Ibase e Instituto Polis. O levantamento foi realizado por universidades e ONGs em sete regiões metropolitanas do Brasil e Distrito Federal, ouviu oito mil jovens por meio de questionário e dialogou com cerca de 900 sobre participação e suas demandas em relação à educação, ao trabalho e à cultura.

As conclusões apontam na mesma direção das pesquisas citadas anteriormente: 28,1% participavam de algum grupo (coletivos religiosos, esportivos e culturais aparecem com maior força na preferência de jovens); 65,6% disseram procurar se informar sobre política, sem participar pessoalmente; 85,8% disseram se informar sobre o que acontece no mundo; e 85% concordaram totalmente que seria importante a abertura de canais de diálogos entre cidadãos(ãs) e o governo.

A partir desses e de muitos outros dados quantitativos apurados na pesquisa, combinados às informações levantadas nos Grupos de Diálogo (metodologia qualitativa que nos permitiu conversar com jovens), é possível afirmar que os(as) jovens pesquisados(as) continuam acreditando na política como meio privilegiado para transformar positivamente sua realidade.

Isso não significa que tenham postura crédula em relação a políticos. Ao contrário, os(as) mesmos(as) jovens que acreditam na importância do diálogo entre cidadãos(ãs) e governo, acreditam que a maioria dos políticos não representa os interesses da população (78,8%). Mais uma vez, ao contrário do senso comum, o descrédito na maioria daqueles(as) que os(as) representa não significa descrédito na política como forma de acessar e garantir direitos à educação, ao trabalho, à cultura e ao lazer.

O levantamento também apontou que eles(as) não se vêem, obrigatoriamente, participando diretamente de espaços institucionalizados, como partidos, sindicatos etc. Eles(as) não se sentem aptos(as) a participar de determinados espaços de participação, ao mesmo tempo em que não enxergam esses espaços como lugares preparados para receber jovens que fogem a um modelo específico.

Certamente, ainda há muito a ser feito se o objetivo de nossa sociedade é restabelecer a base de confiança entre jovens e política. A juventude pede representantes mais honestos(as), responsáveis, que dêem a devida atenção a jovens e ao povo e que, sobretudo, busquem a renovação das formas de fazer política.

O que os dados mais recentes do TSE revelam é que a juventude brasileira acha que o voto tem lugar central para que essas mudanças aconteçam. Os(as) jovens brasileiros(as) ainda vêem no voto uma forma legítima e possível de renovação de quem os(as) representa.

O Ibase e o Instituto Pólis lançam hoje, 9 de agosto, Dia do Betinho, publicação com propostas de políticas públicas para as áreas analisadas pela pesquisa “Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas”. O documento foi enviado para candidatos(as) à Presidência da República, para cerca de 200 deputado(as) federais ligados(as) à comissões legislativas com temáticas articuladas à juventude, educação, trabalho e cultura; para 120 conselheiros(as) nacionais de juventude; e para gestores(as) participantes do Fórum de Gestores de Políticas Públicas de Juventude. Durante o mês de agosto, serão enviadas publicações para gestores(as), representantes do legislativo e candidatos(as) ao executivo e ao legislativo das regiões metropolitanas pesquisadas. A idéia é que as propostas sejam apropriadas e debatidas em todos os níveis como mais uma forma de as vozes dos(as) jovens pesquisados(as) chegarem a formuladores(as) e gestores(as) de políticas públicas que jovens gostariam de ver mais comprometidos(as) com suas necessidades, demandas e, sobretudo, com seus direitos.

*Pesquisadora do Ibase

Publicado no Portal Ibase em 08 de agosto de 2006

Jovens e a política

Pesquisa Juventude Brasileita e Democracia indica quais as preocupações dos jovens em relação à política

Governantes mais responsáveis, investimentos na educação, honestidade, atenção para o povo, oportunidades de emprego para os jovens. Estes são alguns dos muitos recados endereçados aos candidatos e candidatas presidenciais e congressistas, que serão encaminhados, no próximo dia 09 de agosto, através do livreto "Diálogo nacional para uma política pública de juventude". O trabalho é fruto de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Instituto Polis, que ouviu 8 mil jovens de oito regiões metropolitanas do Brasil.

Realizada durante o anos de 2004 e 2005, a pesquisa intitulada "Juventude Brasileira e Democracia - Participação, esferas e políticas públicas" mostra jovens preocupados com o futuro do país e o desempenho do poder público. A preocupação torna-se mais expressiva quando 64,7% dos entrevistados afirmam não acreditar que os políticos representem os interesses da população. Apesar disso, eles "acreditam na política como caminho para transformações sociais mais profundas" e apontam a miséria e a desigualdade social como os principais problemas enfrentados, hoje, no Brasil.

Para Patrícia Lanes, uma das pesquisadores do Ibase, o trabalho distancia, cada vez mais, o estereótipo do jovem alienado, que não se preocupa com ele, nem com o país em que vive. "A pesquisa mostra que eles estão muito atentos a essa questão da participação, mostra que eles estão, sim, preocupados com a vida deles e preocupados com o país, pois, na prática, tudo isso se reflete no cotidiano, no dia-a-dia", afirmou.

Na publicação, foram elaboradas propostas de políticas públicas para a juventude, nas áreas de participação, educação, trabalho e cultura e lazer. Na participação, por exemplo, foram sugeridos fomentar a criação de centros e clubes culturais e artísticos, mapear e apoiar ações já desenvolvidas pelos jovens e construir espaços de discussão e de acompanhamento das ações de políticas públicas que já existem.

Já na parte da educação, foram recomendadas como políticas a serem aplicadas: generalizar o acesso ao ensino médio, investir e intensificar as ações de inclusão digital, "dar condições e apoiar escolas e iniciativas inovadoras, sobretudo as que contemplam atividades complementares (esporte, cultura, capacitação, etc), para aumentar o interesse dos alunos pela escola".

 Quando perguntados sobre o que mais os preocupava em relação ao trabalho, os jovens citaram o mercado de trabalho, que ainda é muito restrito (27% dos entrevistados não estavam trabalhando), a dificuldade de conseguir o primeiro emprego e preconceitos por não terem experiência e, ainda, por causa de suas raças ou classe social.

"Percebemos que faltam espaços mais condizentes com os jovens, espaços que acompanhe suas realidades. Não podemos exigir, por exemplo, que um jovem que não é formado para falar em público fale numa assembléia. Então é preciso que os espaços também estejam atentos para a formação desses jovens. É preciso também que eles se abram mais para as realidades, para o cotidiano deles", disse Patrícia.

De acordo com ela, o ideal é que os espaços (comunidades, escolas, assembléias, órgãos governamentais) tenham capacidade para ouvir o jovem. Dessa forma, é possível se criar um canal para críticas e sugestões e aumentar a participação dessa parcela da população.

A pesquisa foi aplicada nas cidades de Belém (Estado do Pará), Belo Horizonte (Minas Gerais), Distrito Federal, Rio de Janeiro, Porto Alegre (Rio Grande do Sul), São Paulo, Salvador (Bahia) e Recife (Pernambuco). Os candidatos e candidatas destas regiões metropolitanas, assim como os congressistas e representantes do Executivo e Legislativo, também vão receber a publicação.

* Jornalista da Adital

Publicado pela agência de notícias Adital em 07 de agosto de 2006  

Ministério da Educação inova na divulgação dos resultados do Enade 2005

A partir de hoje, estudantes, dirigentes das Instituições de Educação Superior e a sociedade em geral podem conhecer os resultados da última edição do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, o Enade 2005

O que querem os jovens?

O número de adolescentes que tiraram título de eleitor para votar neste ano cresceu 39%. Além de balada e Orkut, agora eles também estão interessados em política

Esqueça a imagem do garoto que só pensa em malhar ou jogar videogame e da menina vidrada no Orkut, na balada e nada mais. Dados recentes da Justiça Eleitoral indicam um fenômeno novo envolvendo a moçada. Nos últimos quatro anos, cresceu 39,3% o número de jovens com 16 e 17 anos que tiraram o título de eleitor mesmo sem a obrigação de votar. O aumento é muito superior ao crescimento vegetativo nessa idade, abaixo de 2%. É uma marca histórica. O porcentual de eleitores adolescentes vinha caindo sistematicamente desde 1992. Chegou a ser de apenas 1,7% do eleitorado em 1998. Agora, são 2,45%, ou cerca de 3 milhões de pessoas. Os dados reapareceram agora, na discussão sobre as campanhas pelo voto nulo que circulam pela internet.

Há meses alguns analistas afirmam que a sucessão de escândalos, com mensaleiros e sanguessugas, empurrará o eleitorado em direção ao voto nulo. Até a MTV, emissora de TV dirigida ao público jovem, lançou uma propaganda pedindo que seus telespectadores preparem "tomates e ovos" para ouvir os políticos. Mas o único dado disponível sugere que esse barulho não reflete a realidade. Não parece razoável acreditar que mais de 800 mil adolescentes tenham decidido tirar o título de eleitor para votar nulo. "Tirei o título para tentar melhorar a educação pública, que é muito ruim. Falo com base na minha própria experiência", afirma Danilo Henrique da Silva, de 17 anos, aluno da escola estadual Dom Miguel Kruci, num bairro pobre da zona leste de São Paulo.

Apanhados de surpresa, os analistas políticos ainda não encontraram uma explicação definitiva para esse movimento. O cientista político Antonio Fávio Testa, da Universidade de Brasília, afirma que os escândalos políticos podem ter provocado a reação. A socióloga Anna Luiza Salles de Souto, do Instituto Pólis, tem opinião parecida. "O jovem de hoje está antenado nas questões do cotidiano e quer participar das decisões do país, mas não estamos percebendo isso. Ainda prevalece o estereótipo do jovem alienado, de costas para a realidade", diz ela.

Anna Luiza participou de uma ampla pesquisa chamada "Juventude Brasileira e Democracia", realizada com 8 mil jovens de 15 a 24 anos em sete regiões metropolitanas e no Distrito Federal. O levantamento mostrou que os jovens não acreditam nos políticos, mas acreditam na política. Para 64% deles, os políticos não defendem os interesses da população. Mas 68% acreditam que o voto pode mudar a situação do país. Apenas 5% declararam que pretendem votar nulo - porcentual bem menor que aquele que as últimas pesquisas apontam entre os adultos, ao redor de 7,5%.

Alunas de um colégio público na zona sul do Rio de Janeiro e filhas de classe média, Letícia Goldeberg, de 17 anos, Fernanda Quintanilha e Barbara Xavier, de 16, tiraram seus títulos de eleitor neste ano. Não são obrigadas, mas dizem que vão às urnas. Dizem que se informam sobre os candidatos e discutem política com pais e colegas. Felipe Lopes da Cruz, de 17 anos, aluno do 3o ano do ensino médio do colégio particular de classe média Pueri Domus, em São Paulo, é contra o voto nulo. "Anulando o voto as pessoas se abstêm do papel de cidadãos", diz ele. "Se a gente não escolher, outras pessoas escolherão por nós. Não acho certo."

Em quem os jovens pretendem votar? Será um voto de protesto, estilo anos 70? Ao contrário do que muita gente pode imaginar, eles não manifestam uma preferência nítida pela esquerda nem afirmam preferir Heloísa Helena, candidata do P-SOL. De acordo com a última pesquisa de intenção de voto do Instituto Datafolha, os porcentuais de intenção de voto entre os adolescentes são idênticos aos dos mais velhos, variando apenas dentro da margem de erro: 44% declararam voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 30% no tucano Geraldo Alckmin e 11% em Heloísa Helena.

Eles querem votar

Número de jovens de 16 e 17 anos com título de eleitor subiu 39% em quatro anos
- 2,2 milhões - Tinham em 2002
- 3 milhões - Têm em 2006

Como nossos pais

Voto dos adolescentes segue a tendência do eleitorado
- 44% Lula
- 30% Alckmin
- 11% Heloisa Helena
- 6% Indecisos
- 5% Brancos e nulos
- 1% Cristóvão Buarque
- 1% José Maria Eymael
- 1% Ruy Pimenta

Fonte:Datafolha (faixa etária de 16 a 18 anos)

O que eles temem nos políticos e o que esperam deles

SE PREOCUPAM COM
- Falta de segurança
- Desemprego
- Má qualidade do ensino público
- Miséria
- Corrupção e descaso dos políticos
- Racismo

ESPERAM
- Mais responsabilidade
- Honestidade
- Políticas específicas para jovens
- Mais investimentos em educação
- Novas formas de fazer política
- Empregos

Fonte: Ibase/Pólis, Grupo de Diálogo Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas (2005)

Como eles pensam

Jovens acreditam no poder do voto e na democracia
- 35%* se preocupam com política
- 69%* acreditam que o voto pode mudar a situação do país
- 66%* consideram inaceitável não votar na eleição
- 37%* acham que votar é um dever

Fonte: "Juventude, Juventudes: O que une e o que separa"

Publicado na Revista Época, Edição 429 - 07/08/2006

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