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De olho na mídia

De olho na mídia

Filhos gays conquistam aceitação

Pais vencem preconceitos e estabelecem convivência familiar saudável e solidária com jovens que se declaram homossexuais

A bandeira com as cores do arco-íris na janela indica que ali mora gente que não tem medo de mostrar a cara. Quando a porta se abre, a surpresa pode ser ainda maior. No apartamento do casal Deco Ribeiro, de 35 anos, e do arte-educador Chesller Moreira, de 25, que moram juntos há um ano e meio, Sandra Moreira, mãe de Chesller, se sente muito à vontade. E não é só por ali. Costuma sair com os dois pela rua e não se importa se, em algum momento, eles optarem por alguma manifestação de carinho. Mas nem sempre foi assim. “Demorou um bom tempo para que eu aceitasse meu filho”, conta.

Sandra descobriu que o filho era homossexual há dez anos. Por imaginar que o filho seria gay, já havia conversado com ele, mas não conseguia arrancar nada. Só ficou sabendo quando se atreveu a ouvir, atrás da porta, uma conversa do filho com a tia: “Ele já havia contado para ela e os dois conversavam exatamente sobre como me contar.”

Se naquele momento o choro foi intenso e raiva agressiva, hoje tudo é diferente. “Falei muita asneira. Cheguei a dizer que preferia ter um filho ladrão. Hoje me arrependo amargamente de tudo isso”, enfatiza. Depois da briga com a mãe, Chesller chorou muito e saiu de casa, sem rumo. Na época, viviam em Boa Esperança (MG) e o apoio veio de quem ele menos esperava, o padrasto. “Foi meu marido que me incentivou a aceitá-lo. Com o tempo, o choque foi passando”, narra.

Uma dificuldade vencida, muitas outras contra as quais lutar apareceram, principalmente pela associação imediata que Sandra, como a maioria, fez entre homossexualidade e promiscuidade. “Fiz uma ressalva ao Chesller: não queria que ele trouxesse namorados em casa”, conta. Como bom adolescente, ele adorava transgredir a norma. Com mais um obstáculo superado, outro toma o lugar. “E quando eles se beijarem?”, perguntava-se, torcendo para não ver nenhum carinho entre o filho e outro homem.

A aceitação plena só ocorreu há pouco tempo. “O medo de sofrer preconceito é maior que o próprio preconceito. Hoje penso que, se um filho tem qualquer outra diferença, a gente não discrima. Por que discriminar quando são gays?”, argumenta.

Defesa

O pai de Deco também tem uma ótima relação com o filho. Quando Ivan Jorge Ribeiro, médico que vive em São Paulo, ouve, ainda que de longe, qualquer piada ou ofensa a homossexual vinda de um de seus amigos, avisa: “Cuidado aí, tenho um filho gay!”

A relação dos dois sempre foi muito natural. “Para mim, foi um alívio saber, principalmente porque, ao mesmo tempo que desconfiava, meu filho não tinha e não tem nenhum estereótipo. A situação era estranha”, conta.

Deco demorou mais de dez anos para se assumir e acha que, quando tomou a decisão, resolveu um grande impasse. “Quando você conta para os pais deixa de viver uma mentira, de trocar nomes, de se omitir. Antes disso, você tem de falar baixo ao telefone, não pode chorar por um romance que não deu certo”, conta. Ele, que é responsável pelo site www.e-jovem.com, que traz dicas para pais e filhos sobre a homossexualidade, também teve o apoio da mãe, já falecida. “Ela chegou a se reunir com outras famílias de gays”, relembra. Quando decidiu contar, Deco já militava pela causa. “Fui entrando em contato com muita gente pela internet. Não tinha mais por que omitir da minha família. Quando falei, minha mãe disse que já sabia e abraçou a minha luta.”

Adolescentes

Cláudia (os nomes dos pais dos adolescentes são fictícios, por questões legais) é corretora de imóveis e já se habituou a ver o filho, de 16 anos, com o namorado em casa. Quando o adolescente acordou disposto a contar que era gay, esperava pelo menos espanto da mãe. “A gente sempre fica com o pé atrás”, ressalta ele. Mas a aceitação foi tão imediata que, no dia seguinte, apresentou o namorado. “É preferível que ele esteja aqui em casa, com segurança, do que lá fora”, explica Cláudia.

As ressalvas dela foram duas, que também seriam feitas se o filho fosse heterossexual. “Pedi que sempre tomasse cuidado com doenças e que não ficasse levantando bandeiras em lugares que pudessem trazer algum risco”, conta.

O aposentado Francisco mora com a filha, uma adolescente de 17 anos. Vez ou outra ela leva a namorada para almoçar em casa. “Quando ela me contou, não tive nenhuma surpresa. Eu já imaginava e sabia que um dia ela falaria”, explica.

Francisco pode ser exceção, mas pouco se importa e até a acompanha em festas. “Às vezes quem fica com receio sou eu. Fico sem graça de beijar perto dele”, conta ela.

Ao falar da filha, ele se emociona e cita um versículo bíblico. “Eu posso falar a língua dos homens e dos anjos, mas se não tiver amor, nada adianta”, reproduz. O amor à jovem é sua principal bandeira. “Se, acima das diferenças, o amor imperasse, teríamos menos violência, menos pessoas à margem da sociedade”, considera.

Reação reflete conduta social, diz psicóloga

A dificuldade de aceitação pode ser interpretada pelos filhos como falta de amor, o que é um equívoco segundo especialistas. É o que explica a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, Diana Tosello Laloni. “Os pais fazem parte de uma sociedade e a conduta deles reflete o mundo com o qual têm contato. A rejeição social ainda é muito grande, por mais que o assunto esteja sendo discutido”, afirma.

Diana também enfatiza que os pais sempre querem oferecer o melhor aos filhos e, por isso, sentem necessidade de garantir-lhes proteção: “A recusa da homossexualidade está ligada ao intuito que o pai tem de proteger o filho de tudo, principalmente dos preconceitos.”

Para ela, o sentimento de culpa também é natural, já que os pais idealizam o sucesso dos filhos e projetam sonhos. “Quando alguma coisa não sai da forma que planejaram, eles se perguntam onde erraram”, ressalta.

Por mais que o momento em que os filhos falam sobre o assunto possa ser um choque, Diana tem algumas dicas: “Esse momento é tão difícil para o filho quanto para o pai. Espere passar a emoção e, depois, aborde o assunto”, ensina. Segundo ela, o apoio familiar é essencial, pois o jovem tem também toda a sociedade para enfrentar. (FO/AAN)

 
Mãe de homossexual escreve livro e funda associação nacional
 
Edith Modesto é escritora e professora universitária e sabe bem como o processo de aceitação é doloroso. Em 1992, descobriu que o filho Marcelo, de 37 anos, professor da Universidade de São Paulo (USP), era gay e precisou travar uma luta contra os próprios preconceitos. Para isso, buscou gente que, como ela, sofria com a situação e montou o primeiro grupo do Brasil que reúne pais de homossexuais. “No início, eu tive tanta dificuldade que nem consegui reunir muita gente”, lembra.

Se a necessidade de desabafar era grande, os entraves para falar de seus dramas pareciam intransponíveis. A prova disso é que, durante dois anos, o grupo se resumiu a quatro pais. Hoje, a Associação Brasileira de Pais e Mães de Homossexuais tem 150 membros, que se reúnem mensalmente e trocam e-mails diários.

No processo de apropriação da nova realidade, Edith associou orientação sexual a vários equívocos. “Achei que era doença, problema psicológico, sem-vergonhice, opção, mas descobri que estava errada em todos os aspectos.”

Para fugir do senso comum, decidiu conhecer melhor a homossexualidade. Durante meia década, Edith entrevistou 89 gays e lésbicas entre 14 e 62 anos. Com os resultados, concebeu o livro Vidas em arco-íris: depoimentos sobre a homossexualidade (Editora Record, 399 páginas). A partir do contato com pais e baseada em seu próprio processo, ela delimita fases que os pais enfrentam no processo de aceitação (veja quadro). “Mas é preciso destacar que cada família viverá o tema de uma forma, de acordo com as experiências. A aceitação imediata é uma exceção”, ressalta.

O grupo fundado por Edith, que dá cursos no Brasil todo sobre o assunto, pode ser contatado pelo site www.aph.org.br. (FO/AAN)

Publicada em 18/3/2007
jornal Correio Popular de domingo
Campinas/SP

Turismo Sexual no Brasil: novas pesquisas e ações

Pesquisa da OMT mostra que a maioria dos turistas europeus que viajam ao Brasil em busca de sexo têm entre 20 e 40 anos. Os Italianos "lideram" o ranking do turismo sexual no Brasil, quatro agências de turismo estão sendo processadas pela justiça do país

Europeu, de classe média, com idade entre 20 e 40 anos. Este é o perfil do turista que vem ao Brasil em busca de sexo, segundo pesquisa patrocinada pela Organização Mundial do Turismo (OMT) e realizada nas principais capitais do nordeste do País.

O estudo, que durou mais de seis meses e foi conduzido por pesquisadores das mais diversas áreas e universidades brasileiras, mostrou que muitos dos turistas que vêm ao "Paraíso Tropical" em busca de diversão sexual não são homens de meia-idade e de baixo poder aquisitivo, como se imaginava, mas jovens, estudantes e profissionais liberais.

O trabalho mapeou ainda a origem destes turistas. Lideram o ranking os italianos, seguidos por portugueses, holandeses e norte-americanos.

A Justiça italiana anunciou no final de fevereiro que vai processar quatro agências de viagem por formação de quadrilha e promoção do turismo sexual no Brasil. A quadrilha está chefiada pela agência LM Tourist, sediada em Fortaleza, que é de propriedade do italiano Luigi Miraglia de Caltanissetta, na Sicília.

As empresas são acusadas de organizar encontros sexuais com menores de idade para turistas europeus, especialmente italianos. Segundo a Justiça da Itália, as agências atendiam clientes entre 20 e 60 anos de idade.

Além de Luigi Miraglia, de 48 anos, foram presos na Itália a esposa dele, Ângela Ribeiro, brasileira, de 31 anos; Abramo Grasso, de 46 anos, residente em Palermo; e Marco Marchino, de 45 anos, que vive em Turim.

O esquema de oferecimento de meninas a estrangeiros, a maioria italianos, era organizado em Fortaleza pelo casal Ângela Ribeiro e Luigi Miraglia através da agência LM Tourist. Na Itália, as agências Gamble Tour, de propriedade de Grasso, e a Margil Viaggi, pertencente a Marchino, se encarregavam de oferecer os pacotes com os serviços sexuais. Segundo a agência Ansa, as informações obtidas pela polícia italiana em um interrogatório revelam que as viagens custavam dois mil euros (aproximadamente R$ 5,5 mil), sendo acrescido valores entre 15 e 20 euros (entre R$ 40 e R$ 50) para encontros com adolescentes de Fortaleza.

Exploração sexual de crianças e adolescentes no turismo é CRIME. Denuncie!
Disque Denúncia Nacional, anônimo e gratuito: 100
Delegacia da Criança e o Adolescente de Natal/RN: (0055 84) 32320184 32321536 / 0800842999 (número gratuito)
Promotoria de Infância e Juventude de Natal/RN: (0055 84) 32327298
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente: (0055 84) 32327000 - 32327006 / consec@rn.gov.br
Para enviar denúncias e/ou material para o Observatório do Turismo Sexual Infanto-Juvenil Italiano no Brasil: observatorio@dhnet.org.br, (0055 84) 32215932

Saiba mais no site:

http://www.dhnet.org.br/observatorio/index.htm

Sociedade civil assume presidência do Conselho Nacional de Juventude

O Conselho Nacional de Juventude elegeu Elen Marques Dantas, membro da Pastoral da Juventude como sua nova presidente. Segundo a nova presidente o Conselho pretende discutir e analisar, neste ano, programas voltados para a juventude

Brasília, 16/03/2007 - O Conselho Nacional de Juventude elegeu hoje sua nova presidente, Elen Marques Dantas, membro da Pastoral da Juventude. Essa é a primeira vez que a sociedade civil assume a presidência do Conselho, antes comandado pela secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Juventude, Regina Novaes. De acordo com Elen, o desafio da nova gestão será consolidar o tema "juventude" dentro da agenda pública como uma política de Estado.

"Nosso maior desafio é justamente fazer com que essa temática ganhe visibilidade e que nós, enquanto Conselho Nacional de Juventude, possamos influir nas políticas públicas e consolidar de fato o conselho como controle social", afirmou a nova presidente. De acordo com Elen, o Conselho pretende discutir e analisar, neste ano, programas voltados para a juventude. Outro tema debatido durante a eleição do Conselho foi a articulação dos programas de juventude, orçamento de políticas públicas e a redução da maioridade penal.

Elen é a primeira representante da sociedade civil a assumir a presidência do Conselho. De origem ribeirinha, Elen ingressou na militância juvenil em 1999 na Pastoral da Juventude, assumindo posteriormente a Secretaria Nacional da Pastoral da Juventude. Segundo ela, a intenção é estreitar a relação do conselho com os movimentos de juventude, diferentes fóruns e redes que buscam a intervenção política e o controle social. Sobre a maioridade penal, Elen garante que não será com a redução da idade penal que a violência irá diminuir. Para ela, a questão da violência envolve a falta de educação, de emprego, de acesso e de oportunidade.

A ex-presidente do Conselho Nacional da Juventude, Regina Novaes, fez um balanço positivo da antiga gestão. Segundo ela, a juventude passou a ser tratada como questão prioritária nos espaços públicos nos últimos anos, o que significou um grande passo para a consolidação do tema. "É preciso lidar com a diversidade da juventude para, a partir daí, lidar com políticas públicas. É preciso olhar para esses jovens que estão em conflito com a lei para assegurar direitos e criar oportunidades de crescimento. Nesse sentido, o trabalho do Conselho avançou bastante. Estamos conseguindo criar uma nova cultura", disse.

*O Conselho

*O Conselho Nacional de Juventude foi criado pela Lei nº 11.129 de 30 de junho de 2005 e tem as atribuições de formular e propor diretrizes da ação governamental voltada à promoção de políticas públicas para a juventude, fomentar estudos e pesquisas acerca da realidade sócio-econômica juvenil e o fazer o intercâmbio entre as organizações juvenis nacionais e internacionais.

O Conselho é composto por 60 membros, sendo 20 do governo federal e 40 da sociedade civil. A representação do poder público contempla, além da Secretaria Nacional de Juventude, todos os Ministérios que possuem programas voltados para juventude, a Frente Parlamentar de Políticas para a Juventude da Câmara dos Deputados, o Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Juventude, e representantes das associações de prefeitos. De acordo com o decreto que regulamenta o Conjuve, a escolha dos presidentes e vice-presidentes deve ser realizada de forma alternada entre sociedade civil e governo. A parcela da sociedade civil, maioria no Conjuve, reflete a diversidade de atores sociais que podem contribuir para o sucesso da Política Nacional de Juventude. Há representantes dos movimentos juvenis, organizações não-governamentais, especialistas e personalidades com reconhecido trabalho voltado para a juventude.

Retirado de:

http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sec_geral/noticias/ultimas_noticias/not_16032007/

Uma relação de amor e ódio

Os sentimentos ambíguos dos jovens no dia-a-dia dentro da escola em fotos que eles mesmos produziram. Reportagem especial, em comemoração à edição 200 da revista NOVA ESCOLA

Clique aqui para ver a reportagem no site da revista Nova Escola

A vida breve de Billy Cox

UOL Mídia Global -  Der Spiegel  - 10/03/2007

Eles são jovens. Eles vendem drogas. Eles carregam armas e assassinam uns aos outros. Quatro disparos no sul de Londres deixaram o Reino Unido em um estado de profunda preocupação com a situação de seus jovens urbanos

Thomas Hüetlin
em Londres

Corredores estreitos, o som de portões se fechando, nenhuma folha de grama no campo de futebol, apenas algumas poucas camisinhas usadas. O projeto habitacional de Fenwick Estate, no sul de Londres, é o tipo de lugar onde a pobreza parece tomar cada aspecto da vida. Nada muda aqui exceto as pichações quando outro garoto que chamam simplesmente de "soldado" é morto.

Há poucos anos foi a vez de Yankee. Mas como as enormes mensagens "Yankee RIP" (Yankee descanse em paz) apenas deixavam este local deprimente ainda mais desolador, a cidade investiu em algumas poucas latas de tinta e removeu a recordação. Agora o nome de Remer adorna as paredes.

Letras redondas pintadas em azul-turquesa dizem "Remer RIP" e apontam que seus amigos "nunca o esquecerão". Então vem "Remer RIP" em letras pretas, com o comentário acrescentado que "este soldado tombado agora está nas mãos de Deus".

"Remer" era o apelido nas ruas de Billy Cox. Ele tinha 15 anos e morava no apartamento nº 123 com seus pais e irmã. A campainha tocou no Dia de São Valentino (14 de fevereiro, quando se comemora o dia dos namorados em alguns países) por volta das 15h30. Dois jovens brancos e um negro aguardavam na porta, os vizinhos disseram à polícia posteriormente. Eles conversaram brevemente. Então dois partiram para comprar flores para o dia dos namorados. Um entrou com Billy no apartamento. Um disparo foi ouvido logo depois.

Quando Elizabeth, a irmã de Billy, chegou em casa minutos depois, ela encontrou seu irmão caído no quarto, sangrando. Ela tentou ressuscitá-lo e quando não teve sucesso, ela correu para o pátio, com as mãos cobertas de sangue. Billy Cox, foi determinado posteriormente, foi baleado à queima-roupa, ao "estilo execução".

Há muitas vítimas de assassinato nos bairros melancólicos do sul de Londres, além do centro rico e movimentado, mas a idade de Billy e o fato de três outros garotos e um jovem adulto - com idades de 15, 16 e 21 anos - terem sido mortos em um raio de poucos quilômetros em um intervalo de 11 dias incomodou profundamente as pessoas por todo o Reino Unido.

"Zona de Guerra Reino Unido", dizia a manchete do "Daily Mail", um dos jornais mais lidos no país. O horror e ultraje foram tamanhos que o primeiro-ministro teve que aparecer diante das câmeras de TV para acalmar um país que a Unicef rotulou, em um relatório recém-publicado, como um dos piores países para crianças entre os 21 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Os disparos "não foram uma metáfora para o estado da sociedade britânica", disse Tony Blair, antes de exigir um endurecimento das leis para porte de armas do país, que já estão entre as mais rígidas na Europa.

A oposição política saiu à procura do culpado na bancada do governo. O líder conservador, David Cameron, lamentou o declínio dos valores familiares. David Davis, o ministro paralelo do interior do país, se queixou do "crime violento" estar "fora de controle". Mas como costuma ser o caso, a verdade é mais complicada.

"Zona de Guerra, Reino Unido"

A violência envolvendo armas na verdade caiu 14% em Londres no ano passado. Mas os crimes com armas que ocorrem tendem a envolver pessoas pobres - negros e garotos ou jovens adultos. Ocorreram 505 crimes com arma em Lambeth e Southwark, áreas perto de Fenwick, em 2006, por exemplo - números que o jornal semanal "The Observer" descreveu como reminiscentes de Johannesburgo.

Além disso, tanto as vítimas quanto os assassinos estão ficando cada vez mais jovens. A unidade especial da Scotland Yard, "Operação Tridente", apurou que dos 32 assassinatos de negros por negros em Londres desde abril de 2005, 15 foram cometidos por adolescentes.

"Billy era um bom garoto, amigável. Ele sempre disse oi", disse Yacol, 42 anos, que mora no nº 115 de Fenwick Estate e que fica de frente para o memorial montado para Billy nas lajes de concreto do projeto habitacional. É um altar feito por crianças para crianças, coberto com flores, ursos de pelúcia, faixas do time do Arsenal e gravatas de uniforme escolar.

Os dedos de Yacol estão cobertos com anéis de ouro. Ele disse que tem sete filhos e trabalha em uma construção do amanhecer até a noite para poder criá-los.Para Yacol e sua esposa, "decência" significa sempre saber onde seus filhos estão e assegurar que ninguém saia do apartamento depois das 18 horas. "As ruas são malignas", disse Yacol. "Após o anoitecer elas pertencem às gangues, aos ladrões, às drogas e armas. Não há nada para uma criança normal lá."

Um problema enfrentado por bairros como Fenwick Estate é que ninguém lá realmente sabe mais o que "normal" significa. Será que são normais adultos que vivem do bem-estar social, aqueles que passam os dias chapados, assistindo séries de TV sobre cirurgia plástica? Ou são normais os adolescentes que tentam aprender algo em suas escolas caóticas? Ou são normais os adolescentes que abandonam a escola, ganham algum dinheiro vendendo drogas e ingressando em uma gangue? O que parece certo é que as gangues têm o domínio e impõem suas leis em Fenwick Estate.

Billy Cox resistiu às leis do gueto moderno por muito tempo. Thomas, seu pai de 52 anos, um operário de construção branco, e Kim, sua mãe de 48, uma faxineira tailandesa, se mudaram para Fenwick há 10 anos. Billy era um menino dedicado que amava futebol. "Ele era meio afeminado", disse uma jovem de Fenwick Estate. "Ele não tinha vergonha de passar horas conversando conosco. Billy costumava ser espancado pelos outros garotos. Seus amigos nunca o defendiam."

Cox buscou a proteção dos Clapham Town Kids, uma pequena gangue de Fenwick. "Eles são como irmãos; eles permanecem juntos nos bons e maus momentos", disse um vizinho. Agora Billy tinha uma segunda família. Billy Cox se tornou Remer, um soldado de rua. Ele foi pego roubando e ganhou uma tornozeleira eletrônica.

Tempo de sobra, mas sem futuro

A pressão começou a aumentar, especialmente na escola, a Ernest Bevin School. Ela é uma escola só para garotos, notória por sua cultura machista. Quando Cox soltou fogos no pátio da escola no último semestre, ele foi expulso. Desde então, ele ficava sentado em casa ou no McDonalds. Ele tinha tempo de sobra em suas mãos, mas nenhum futuro. Mas ainda queria ficar rico, de forma que continuou vendendo drogas -uma mistura de crack e cocaína- durante o dia, enquanto seus pais estavam fora.

Sempre há demanda por drogas. Estatisticamente, o Reino Unido possui o maior consumo de maconha, cocaína e ecstasy na Europa. E mais e mais usuários procuram Fenwick Estate, incluindo yuppies - especialmente depois que uma batida policial afugentou os traficantes da estação de metrô Clapham North. Cox usou o dinheiro que ganhou para comprar uma arma. "Se você quer ser levado a sério neste ramo, uma faca não é mais suficiente hoje em dia", disse Charles Bailey. "É preciso ter uma arma."

Bailey, um músico que costumava gravar canções para o Arsenal e Chelsea e que conhece Fenwick Estate muito bem, fundou a organização Don't Shoot (não atire) quando as pessoas começaram a morrer há seis anos. Ele começou a percorrer as escolas com uma apresentação de hip hop e ex-membros de gangue. Atualmente ele não recebe mais ajuda do Estado, mas as gangues continuam se armando - graças principalmente às armas baratas importadas da Europa Oriental. "Um vendedor de drogas em áreas como Fenwick está sempre em risco", disse Bailey. "Não por causa da polícia, mas porque os demais vendedores querem tomar seus negócios."

Aos 15 anos, Billy Cox não era um dos mais jovens no ramo das drogas - sua idade era a média. A lei britânica pune a posse de arma com pelo menos cinco anos de prisão se o delinqüente tiver 21 anos ou mais. Isto levou os vendedores de drogas a se tornarem progressivamente mais jovens. Agora eles são adolescentes. "Crimes raramente são descobertos aqui", disse Charles Bailey. "E o preço das armas começa em 50 libras (US$ 96) - menos da metade do preço de um par de tênis. Isto é barato, não é?"

Billy Cox viu problemas se aproximarem e se inscreveu no Fairbridge Centre, um local onde adolescentes cujas vidas não deram certo recebem uma segunda chance. Os sofás no Fairbridge Centre são velhos. O lugar fede a roupas mofadas e pobreza. Além de oferecer os habituais grupos de discussão, o centro visa permitir que os adolescentes aprendam uma vocação o mais rapidamente possível - e assim sair do sul de Londres. "Muitos dos garotos daqui nunca deixaram o sul de Londres em suas vidas", disse Chris Murray, o diretor do Fairbridge Centre.

Uma segunda chance

Murray já foi um dos jovens que atualmente orienta. Ele foi morador de rua até receber uma chance em Fairbridge. "Billy Cox veio duas vezes e então desapareceu de novo", disse Murray. "Isto é normal. Muitos se sentem sob pressão quando alguém repentinamente os leva a sério e expõe seus erros." Freqüentemente não é possível deixar de lidar com os problemas reais nas escolas caóticas, disse Murray. "Crianças que não sabem ler nem escrever direito nunca admitirão. Elas preferirão chamar seus professores de idiotas."

Billy Cox contatou o Fairbridge Centre em meados de janeiro. Ele queria voltar e aprender a construir casas, como seu pai. Mas ele nunca voltou. Sua vida estava novamente dedicada a Fenwick Estate, à gangue e às drogas - que pessoas como ele chamam de "negócios" porque acreditam que não há outro modo que valha a pena para se ganhar dinheiro.

"É claro que a cultura hip hop também tem algo a ver com as mortes no sul de Londres", disse Charles Bailey. Ele acrescentou que costumava rejeitar tal conclusão, mas que muitos adolescentes em Fenwick Estate realmente acreditam que podem atingir o estilo de vida dos astros pop exibidos na MTV - o gueto reluzente de luxo feito de iates de corrida, helicópteros, malas Louis Vuitton, champanhe resfriado e modelos prostitutas sempre prontas. Não é estudando que se chega ao topo, eles acreditam, não em um emprego em escritório das 9h às 17h. O conceito de carreira tem um significado diferente em algumas partes do sul de Londres: significa ser um esperto soldado de rua vendedor de drogas. Como canta 50 Cent, um dos ídolos de Fenwick Estate: "Ficar rico ou morrer tentando". "Não adianta contornar o assunto", disse Charles Bailey. "A violência é glamourosa. E uma arma é considerada símbolo de status."

Billy Cox também devia acreditar neste sonho -mesmo que cada vez mais perseguido por dúvidas e preocupações - até o final. Até ser visitado por três jovens naquela tarde do Dia de São Valentino - jovens que ele achava serem amigos ou pelo menos parceiros de negócios.

A irmã de Billy, que o encontrou morrendo, tem 13 anos. Ela passou no muito difícil exame de admissão da Royal Ballet School poucos dias antes. "São principalmente as meninas que nos dão esperança", disse Charles Bailey. Elas passam pelo mundo machista mortal dos meninos e o deixam para trás.

Tradução: George El Khouri Andolfato

UNE de volta pra casa: Ocupação já dura mais de três semanas

Vários dirigentes populares foram homenageados com a tradicional bandeira azul da União Nacional dos Estudantes durante manifestação, sexta-feira (23), que marcou as três semanas de ocupação da antiga sede da UNE e da UBES, localizada na Praia do Flamengo, 132

Doada pelo presidente Getúlio Vargas, a sede foi incendiada pela ditadura militar em 1º de abril de 1964 e histericamente demolida pelos fascistas em 1980. Posteriormente, um estacionamento surgiu no local, até que, em 1994, o presidente Itamar Franco devolveu o terreno às entidades estudantis. Mas o processo se arrastava, no ritmo das punições a lalaus e outros mais. Diante da morosidade da Justiça, os estudantes decidiram agir e pôr fim à exploração do seu valioso patrimônio por um indivíduo que se apropriou ilegalmente do terreno e ali montou um estacionamento, acampando no local, de onde só sairão após a devolução do que é seu, de fato e de direito.

Atualmente, estudantes de todo o país em cerca de uma centena de barracas apinhadas sobre o piso cimentado do estacionamento se revezam para manter bem acesa a chama da retomada. Os banheiros, com chuveiros, estão instalados em contêineres. O movimento iniciou com a ocupação do local por mais de quatro mil estudantes que participavam da Bienal de Cultura e Arte da UNE. A existência de dois edifícios nos lados do terreno e de duas únicas árvores eleva o clima já tórrido do local. Na tarde de sexta-feira, quando ocorreu o evento de solidariedade da CMS, o calor era total, sendo amenizado por um grande ventilador que servia a uma parte da mesa e do plenário.

"Os trabalhadores e os movimentos sociais brasileiros demonstram sua total solidariedade e apoio militante à retomada do terreno pelos estudantes e estão mobilizados para garantir a reconstrução da sede da UNE, o que é um ponto de honra para nós", declarou Spis, lembrando que o local" diz muito da história de luta da juventude e de todo o povo brasileiro". Segundo o dirigente cutista, ?a hora é de atenção e atuação redobrada e permanente dos movimentos sociais?, pois esta é a forma para assegurar que seja devolvido
aos estudantes o que é seu. "A CMS e suas 32 entidades nacionais estão com vocês. Vamos garantir a continuidade desta mobilização e acompanhar cada passo da Justiça para assegurar a volta do terreno para o dono original, que não pode ser roubado na mão grande. É inadmissível haver qualquer dúvida jurídica sobre um imóvel que faz parte da nossa história", acrescentou Spis.

Memória

Dirigente estudantil entre 1976 e 1981, presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro na gestão 80-81, Lúcia Reis, da executiva nacional da CUT, disse que "a reconstrução do prédio da UNE transcende a entidade e mexe com a memória do movimento popular dos tempos da luta contra a ditadura e pela redemocratização". "Estivemos dentro do prédio, resistindo, quando ele estava sendo demolido já nos estertores da ditadura Figueiredo. Então, este é um momento muito especial para todos nós, pois essa unidade dos movimentos sociais, dos sindicalistas com os estudantes,
lembra muito algo que vivemos intensamente. É a repetição de algo muito presente e que deve ser consolidado, para que o nosso país avance", declarou a dirigente cutista.

Conforme o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Hélio Seidel, "a solidariedade com os estudantes para a reconstrução do seu espaço destruído pela ditadura militar representa a identidade maior com um projeto democrático de desenvolvimento nacional que necessita, cada vez mais, desta luta comum por uma sociedade melhor".

Representatividade

Entre outros, participaram do ato o presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Vander Geraldo; o presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio, Rodrigo Lua; Fernando Moura, do MST, e lideranças da União Brasileira de Mulheres e dos Sindicatos dos Bancários, Petroleiros e Frentistas do Rio.

Para o presidente da UNE, Gustavo Petta, a expressiva e crescente solidariedade recebida durante todos os dias da manifestação reflete o quanto a entidade é querida pelo povo brasileiro e, em especial, pela população do Rio de Janeiro. "Este lugar é um símbolo das lutas sociais e todo mundo aqui no Rio tem isso
muito presente. Desde os vizinhos que nos mostram fotos e recordam com emoção dos movimentos contra a ditadura, até o pessoal que agita a nossa roda de samba nos finais de semana, todo mundo faz questão de deixar claro o quanto a UNE representa", declarou Petta. Confirmando as palavras do líder estudantil, vários moradores dos prédios ao lado do terreno colocaram bandeiras da UNE em suas janelas.

Para a vice-presidente da UNE, Louise Caroline, "depois de 43 anos fora de casa, nada mais emocionante do que ver o quanto a UNE é querida?. Acampada desde o primeiro dia da ocupação, Louise acredita que ?a radicalização da ação conseguiu sensibilizar a sociedade e as autoridades, o que aproxima o dia da vitória".

Já assinaram o manifesto "A UNE de volta pra casa", inúmeras personalidades políticas, artísticas, esportivas e culturais como Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Beth Carvalho, Carlos Lyra, Paulo Betti e Martinho da Vila, o ministro dos esportes Orlando Silva, o lutador Acelino de Freitas Popó e o cineasta Silvio Tendler. Além de assinar o manifesto, o presidente Lula anunciou para breve uma visita ao terreno. A UNE aguarda audiência da justiça fluminense para concessão da posse definitiva, o que permitirá que as obras da nova sede assinada pelo renomado arquiteto e histórico combatente das causas sociais, Oscar Niemeyer - sejam, enfim, iniciadas.

Niemeyer

Abaixo, sob o nome de "uma explicação necessária", as razões do arquiteto sobre sua futura obra. Os escritos de Niemeyer ? ao lado dos desenhos - estão expostos como um troféu no mural do acampamento, acalentado orgulhosamente por todos.

"Ao iniciar este projeto, a minha preocupação foi que, desde a entrada até o fim do terreno, os estudantes da UNE sentissem que, afinal, aquilo que desejavam lhes vai pertencer. E isso explica a praça aberta e arborizada que desenhei. Nesta, eles encontrariam tudo o que a atividade estudantil requer. Primeiro, o local de encontro e debates indispensável, em bar e lanchonete, acolhedor, a todos convidando. Seria, a meu ver, da própria vida, o encanto e desencanto desse mundo que tão bem sabem compreender e tentam transformar.

Depois, do lado, oposto, seria o setor musical. Um pequeno auditório, protegido interior e exteriormente dos problemas da acústica. Sempre, caminhando sobre a marquise projetada, eles encontrariam logo adiante o pequeno auditório com 100 lugares e, em seguida, o grande anfiteatro para 600 pessoas. Ao examinar bem este projeto vocês veriam como os espaços destinados à UNE e aos andares reservados a escritório estão rigorosamente independentes, e que, naqueles, o partido adotado permitiria soluções diferentes. Todas abrindo para o mar. Um dos croquis apresentado mostra como será bonita a vista da biblioteca para a grande praça. A marquise que protege a circulação entre os diversos elementos, inclusive o grande auditório como fecho principal da composição. As entradas do edifício seriam de vidro e, quem sabe, a principal enriquecidacom uma escultura lembrando as cabeças que, pela luta política se sacrificaram."

Publicado no Portal do Mundo do Trabalho (www.cut.org.br) em 01/03/2007.

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ECA: cumprir antes de modificar

O exemplo de São Carlos, que reduziu os homicídios praticados por adolescentes, mostra que o ECA deve ser aplicado, e não modificado

Folha de S.Paulo - Opinião  - TENDÊNCIAS/DEBATES

São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

 NEWTON LIMA NETO e AGNALDO SOARES LIMA

COMO SERIA dizer que um remédio não é bom para uma doença ou, ainda, que é necessário dar uma dose maior para que ele produza o seu efeito antes mesmo que ele tenha sido administrado ao doente? Essa é a imagem que deveria vir às nossas cabeças quando se fala em mudança do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) ou em redução da idade penal.

Nem bem colocamos em prática os princípios contidos nessa lei, de 1990, nem experimentamos executar suas proposições pensadas e discutidas por quem atua na área e somos interpelados por aqueles que apenas a conhecem pelo "ouvi dizer" e, sob clima de comoção, querem propor mudanças ou estabelecer critérios mais duros na sua aplicação.

Solidarizar-se com a tragédia e a barbárie vivida pelo pequeno João Hélio e sua família é o mínimo que se espera de um cidadão consciente. Indignação é, por certo, atitude ainda mais adequada. O que fazer, porém, diante de fatos como esse exige de nós uma reflexão séria e a busca de uma solução consistente. Para continuar na comparação acima, não é a receita que cura o paciente, mas a administração regular do medicamento.

O adolescente é impulsivo, imprevisível, ousado. Isso nós já conhecemos e sabemos que faz parte das suas qualidades e também está presente nos seus erros. Por não acreditar no impossível, ele é capaz de fazer malabarismos impensáveis sobre uma bicicleta, um skate ou um par de patins.

Bem orientado, é capaz de canalizar tais atributos para grandes realizações. O que vemos muitas vezes, porém, são oportunidades negadas e uma contínua exclusão. Excluído da família, da escola, do lazer, da profissionalização, do trabalho e, não raro, até da sociedade pelo seu modo irreverente de se vestir e de andar.

Negamos as oportunidades, os deixamos à mercê do consumismo e da mídia que banaliza a violência e os valores morais e, quando caminham em direção ao delito, mais uma vez o que nos ocorre é a violação do direito.

O ECA contempla a situação do jovem que errou e, pedagogicamente, propõe um itinerário que o ajude a se reorientar de forma positiva. Serviços comunitários, liberdade assistida e semiliberdade são oportunidades que devem levá-lo a refletir sobre sua conduta antes que tome gosto pelos enganos do mundo da criminalidade.

Salvo raras exceções, programas de medidas socioeducativas inexistem ou têm péssima qualidade. Não investimos na prevenção e queremos relegar a responsabilidade à internação.

Chame-se por qualquer nome (Degase, Febem, Caje etc.) esses centros que se regem pelas mesmas leis dos cárceres e presídios para adultos. Não será o tempo que os jovens permanecem neles que irá tirá-los do mundo da criminalidade. Serão as oportunidades oferecidas e o que fizermos para que eles não precisem chegar lá.

São Carlos, no interior do Estado de São Paulo, vem apostando nessa fórmula. Em 2001, criou o NAI (Núcleo de Atendimento Integrado) e tirou do papel o art. 88, inciso V, do ECA. Começou a trabalhar na integração entre Estado e município, Judiciário, segurança pública, Ministério Público, assistência social, saúde, educação, ONGs e família. Uma ação ágil na intervenção junto ao adolescente autor de ato infracional, que se inicia a partir de pequenos desvios, que tem como centro da sua atenção a pessoa do adolescente, e não o delito praticado, tem trazido bons resultados.

A cidade, que em 1998 teve 15 homicídios praticados por adolescentes, viu cair este índice para no máximo dois por ano entre 2001 e 2005 e nenhum em 2006. O índice de reincidência de São Carlos fica em torno de 4%, contra uma média de 30% quando apenas há procedimentos convencionais de internação. Além disso, teve reduzido em 90% o número de internos na Febem quando comparado a municípios de igual porte.

A experiência, que busca sempre novos parceiros para melhorar ainda mais, é exemplo concreto de que o ECA precisa ser aplicado, e não modificado. Para multiplicá-la pelo país, basta vontade política de governantes, pois recursos financeiros não faltam -o interno da Febem, por exemplo, custa quatro a cinco vezes mais que um jovem atendido pelo NAI.

Além do mais, nenhum país resolveu o problema pelo endurecimento das leis. Reduzir a idade penal é ilusório, inócuo e contraproducente. Investir em educação, oportunidades e atenção é mais barato, eficiente e humano.

NEWTON LIMA NETO , 53, engenheiro químico, doutor em engenharia, é prefeito reeleito de São Carlos. Foi reitor da Universidade Federal de São Carlos de 1992 a 1996.

AGNALDO SOARES LIMA , 46, padre salesiano, é presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Carlos. Foi diretor do NAI/São Carlos desde sua implantação até 2004.

Conheça 2 bons exemplos em segurança

Em Santa Catarina, índices sociais favorecem combate à violência; em São Carlos (SP), aplicação rigorosa do ECA trouxe resultados

Projeto social que atende 1.800 jovens em Florianópolis uniu ONGs, Igreja, líderes comunitários, governos federal e estadual e polícia

Folha de S.Paulo - Cotidiano: São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

GILMAR PENTEADO
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CATARINA

Em meio à violência que cada vez mais preocupa o país e assusta as pessoas, há dois bons exemplos em segurança pública que, sem atos mirabolantes, conseguiram bons resultados.

Em Santa Catarina, os índices sociais positivos fizeram diferença no combate à violência -o Estado tem a menor taxa de homicídios dolosos (intencionais) no país. Já São Carlos, município no interior de São Paulo, o resultado veio com uma iniciativa de seguir estritamente o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Em Florianópolis, no prédio que abrigou o IML (Instituto Médico Legal) por mais de 30 anos, a geladeira usada no passado para depositar os corpos agora guarda pranchas de surfe inacabadas. Pela mesa na qual os cadáveres eram necropsiados, hoje escorre apenas resina.

O imóvel de três andares foi reformado e reaproveitado. O local agora faz parte de um projeto que atende 1.800 crianças e adolescentes e colocou mais 500 na universidade.
O projeto social uniu ONGs, Igreja, líderes comunitários, governos federal e estadual e polícia. Todos citam a iniciativa com uma das responsáveis pelas estatísticas favoráveis, aliada aos índices sociais do Estado, a predominância de cidades pequenas -que reduz bolsões de miséria- e a colaboração da comunidade em ações policiais.

Segundo o Mapa da Violência organizado pela OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos), Santa Catarina foi o Estado com o menor índice de homicídios dolosos.
Nenhuma cidade catarinense aparece na lista dos 260 municípios com os piores índices no país. Das 263 cidades do Estado, em 91 (31%) não houve assassinato entre 2002 e 2004.

A diferença para os outros Estados já começa nos índices sociais. O Estado tem o segundo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país. Florianópolis ocupa a quarta posição entre os municípios e a primeira entre as capitais.

O analfabetismo atinge 5% da população e o PIB (Produto Interno Bruto) per capita foi de R$ 12.159,00 em 2004. Esse valor é o dobro do PIB per capita de Pernambuco, Estado em pior situação segundo o Mapa da Violência. Naquele Estado, o analfabetismo é de 21,4%.

Em relação ao número de policiais, Santa Catarina e Pernambuco têm proporções semelhantes. A diferença está no salário. O vencimento inicial bruto de um policial civil ou militar em Santa Catarina, segundo o governo, é R$ 1.950,00. Em Pernambuco, é metade disso.
Segundo o secretário estadual da Segurança Pública, Ronaldo Benedet, a política de segurança de Santa Catarina não tem grandes fórmula. "Todo mundo bate nas conseqüências dos crimes. Mas e as causas? Procuramos valorizar a polícia. Mas sem o trabalho social, a ação da polícia é quase inócuo."

Antigo IML virou oficina de pranchas

"Eu costumava freqüentar o prédio para buscar os corpos dos jovens assassinados. Hoje, esse lugar ganhou vida", diz padre

Prédio integra grande projeto social que atende as áreas mais problemáticas de Florianópolis, como forma de prevenção ao crime

GILMAR PENTEADO
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CATARINA

A grande geladeira usada no passado para depositar os corpos agora guarda pranchas de surfe inacabadas. Pela mesa na qual cadáveres eram necropsiados, hoje escorre apenas resina. A sala de exame de balística virou local para manutenção de instrumentos de percussão, e a antiga cela está quase pronta para se transformar em uma padaria popular.

O imóvel de três andares, que abrigou o IML (Instituto Médico Legal) e a perícia científica em Florianópolis por 30 anos, foi reformado e reaproveitado intencionalmente para se tornar um símbolo. O local onde jovens assassinados eram enviados agora faz parte de um projeto que atende 1.800 crianças e adolescentes e já conseguiu colocar mais de 500 na universidade.

O prédio integra o projeto social Aroeira, um grande programa que atende jovens das áreas mais problemáticas da cidade: o complexo do Maciço do Morro da Cruz, que reúne 17 morros no centro, e o complexo do Monte Cristo, na periferia de Florianópolis.

As duas áreas concentram cerca de 100 mil pessoas, pelo menos metade em situação de pobreza.

"Se você circular pela periferia, vai ver grandes contrastes. São duas cidades, uma com infra-estrutura e a outra sem a presença forte do Estado", disse o padre Vilson Groh, coordenador dos projetos. "É um barril de pólvora que ainda não explodiu, mas isso pode acontecer. É preciso agir e rápido."
Partiu do padre a idéia de adaptar o antigo IML e transformá-lo em um projeto-símbolo para a cidade. "Eu costumava freqüentar o prédio para buscar os corpos dos jovens assassinados. Hoje, esse lugar ganhou vida", disse.

A oficina de pranchas de surfe é um dos cursos que mais atrai jovens. "Foram eles próprios que disseram que queriam essa oficina. Com isso, conseguimos atrair uma gangue inteira para o projeto."
Seis desses jovens, já formados, planejam abrir uma empresa. "Ninguém voltou para o crime", disse um deles, que virou monitor.

Coincidência
O prédio estava desocupado quando ONGs foram ao secretário estadual da Segurança Pública, Ronaldo Benedet, pedir um local para o projeto IPC (Incubadora Popular de Cooperativas).

"Confesso que foi coincidência. Mas a idéia mostrou que esse é o caminho: se com poucos recursos, se faz isso, imagine com grandes investimentos? Prevenir é muito mais barato", afirmou o secretário.

Benedet disse que a política de segurança de Santa Catarina não tem grandes fórmulas. "Todo mundo bate nas conseqüências dos crimes. Mas e as causas? Procuramos valorizar a polícia. Mas sem o trabalho social, a ação da polícia é quase inócua."

Para o professor de Antropologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Teófilos Rifiolis, a distribuição do Estado em pequenas cidades é um dos fatores principais dos baixos índices criminais em relação ao restante do país.
A maior cidade, Joinville, tem 500 mil pessoas. Municípios menores, segundo Rifiolis, significam mais ordem urbana e menos bolsões de miséria. "Um das prioridades do governo é combater o êxodo rural. Com isso, vamos evitar que as cidades cresçam de forma desordenada", disse o secretário da Segurança.

Vizinho solidário
Também com objetivo de descentralização das ações, o Estado incentivou a criação de Consegs (Conselhos Comunitários de Segurança). Hoje, existem 253 conselhos, em 131 cidades. A vigilância com a ajuda de vizinhos é um dos principais projetos em andamento.
"Não queremos que as pessoas sejam medrosas. O Brasil acabou criando um bando de covardes, que se escondem atrás de muros", afirmou Rubens Silveira, presidente do Conseg Jurerê/Forte/Daniela.
Em Jurerê, o administrador aposentado Nelson Marque de Oliveira, 69, foi salvo duas vezes por vizinhos. Na primeira, oito anos atrás, uma vizinha viu estranhos forçando a porta dos fundos. Oliveira estava em casa, com a mulher grávida de nove meses. Os criminosos foram presos. Em outra vez, um vizinho percebeu um estranho na garagem de Oliveira. O ladrão também foi preso.

Amigo levou e tirou jovem da criminalidade

DO ENVIADO ESPECIAL A SANTA CATARINA

P., 17, foi responsável pela iniciação de seu melhor amigo no crime. Os dois participaram de um furto a residência que quase acabou em latrocínio (roubo com a morte da vítima). Anos depois, P. foi também o responsável pela saída de seu amigo da cadeia e por sua reabilitação.

P. e seu amigo R., 18, são monitores hoje no sítio organizado pelo projeto Aroeira. O local, a 30 km do centro de Florianópolis (SC), abriga jovens ameaçados de morte, principalmente por gangues rivais, ou jovens infratores.

Três anos atrás, P. convidou o seu amigo para furtar uma casa. R. nunca tinha cometido um crime. O jardineiro apareceu durante o furto. "Por pouco nós não tivemos de matá-lo", lembrou R.

Depois disso, os amigos se separaram. P. voltou a roubar, mas foi preso após assaltar um taxista. Ficou oito dias preso. Saiu com o compromisso de entrar no projeto. No roubo, no entanto, P. perdeu a arma que era de um criminoso -e teria de pagar por ela para não ser morto. O projeto conseguiu os R$ 500 para saldar a dívida. O dono da arma chegou a assinar um bilhete dizendo que havia recebido o dinheiro, o que funcionou como um "salvo-conduto" para o jovem andar sem ser cobrado.

Meses depois, P. soube que o amigo estava preso numa instituição para jovens infratores. Ele incentivou o pai de R. a pedir na Justiça a entrada do amigo no projeto. R. saiu em abril de 2006 direto para o sítio. "Eu consegui sair do crime e vi que ele podia também", disse P. (GP)

Núcleo em São Carlos prioriza a tolerância

LUÍS FERNANDO MANZOLI
JULIANA COISSI
DA FOLHA RIBEIRÃO

São Carlos, cidade de 220 mil habitantes do interior paulista, criou há seis anos um núcleo com o objetivo de aplicar integralmente o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) no atendimento ao jovem infrator. Os resultados obtidos têm colocado a cidade como um exemplo no Estado.

Em 1998, três anos antes da instalação do NAI, 15 adolescentes de São Carlos cometeram homicídios. Em 2005, o número caiu para um e, em 2006, não houve nenhum caso.

Segundo o padre Agnaldo Lima, ex-coordenador do NAI e atual presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a média de reincidência de jovens que cumprem medidas socioeducativas na cidade foi de 4% no ano passado - no Estado, 29% dos adolescentes atendidos no regime fechado e aberto voltaram a cometer um crime em 2006.

Em Americana, segunda cidade do Estado a inaugurar um NAI, em abril de 2005, a reincidência em 2006 foi de 20%.

Uma das estratégias do núcleo é usar tolerância em relação ao adolescente que comete um crime. Segundo o juiz da Infância e Juventude de São Carlos, João Galhardo, a cada semestre pelo menos 15 jovens que cometeram crimes graves e teriam de ser internados são enviados para medidas mais leves, como a semiliberdade.

No ano passado, dos 850 jovens infratores atendidos pelo núcleo, apenas nove (ou 1,05%) receberam punição máxima da Justiça prevista pelo ECA e foram enviados para unidades de internação. Para comparar, em Ribeirão Preto, que também tem um NAI, dos 903 adolescentes que cometeram atos infracionais de janeiro de 2006 até este mês, 177 jovens (19,6%) foram internados na Fundação Casa, antiga Febem.

"O que fazemos é olhar para o adolescente, e não para o ato infracional. Em vez de investirmos em baldes para conter a água, tentamos fechar a torneira", diz o padre Lima.
Enquanto espera a aplicação da punição, o jovem em São Carlos realiza atividades escolares, artísticas e esportivas, no espaço do próprio NAI.

Internação
Das seis medidas socioeducativas previstas pelo ECA, São Carlos só não tem a internação -executada, quando necessário, por unidades da Fundação Casa em Ribeirão, Araraquara ou São Paulo.

Também não há celas no NAI de São Carlos. O local reservado para a internação provisória do jovem que espera sentença judicial tem portas, e não grades como em outras cidades.

Para o sociólogo canadense Marc Le Blanc, referência no estudo mundial da delinqüência juvenil que esteve em Ribeirão na quinta passada, quanto menor a abordagem punitiva, maior a taxa de sucesso e, com o tempo, menor a delinqüência.

Umaia El Khatib, terapeuta ocupacional e professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), afirma que o modelo é um avanço em comparação com outros sistemas de atendimento ao adolescente infrator, mas ainda incorpora a "visão errônea" de que o adolescente infrator tem de ser punido em vez de educado.

"Me ensinaram que não sou bandido", diz rapaz

DA FOLHA RIBEIRÃO

Rodrigo (nome fictício), 17, é um dos 14 jovens atualmente atendidos pelo projeto de semiliberdade do NAI, em São Carlos. Durante a manhã, ele participa de um curso profissionalizante de confeitaria. À tarde, cursa a 8ª série no mesmo colégio.

"Aqui, me ensinaram que não sou bandido, que sou alguém como qualquer outro." Ele foi detido em novembro de 2006 após participar de roubo a mão armada em plena luz do dia a uma casa, com três colegas. "Foi um impulso, decidimos ir na hora. Hoje nem sei mais porquê."

Levado ao NAI, o jovem passou por todos os trâmites e, em vez da internação, foi para a semiliberdade. "É claro que não gosto de não poder ficar em casa o tempo todo, mas sei que aqui é melhor que muito lugar por aí que a gente ouve falar." Rodrigo vive com a mãe no Cidade Aracy, um dos bairros mais pobres de São Carlos. Chegou na cidade há nove anos, de Recife (PE). Seu pai o abandonou há cinco anos.

Eduardo (nome fictício), 17, internado provisoriamente no NAI por roubo, já esteve na Febem no final do ano passado e disse que o núcleo de São Carlos é diferente. "Aqui a gente pode conversar de igual pra igual."
Seu colega Rafael (nome fictício), 16, agrediu o padrasto e espera julgamento no NAI. "Não gosto de ficar preso, mas aqui a gente joga bola e não fica parado", disse.

Folha de S.Paulo - Cotidiano: São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

Governo tem R$ 1 bi no Orçamento para jovens

União admite que não sabe o resultado de ações voltadas para a juventude

BRASÍLIA - O governo federal tem, no Orçamento de 2007, cerca de R$ 1 bilhão em programas para a juventude. São 20 ações, espalhadas por 18 ministérios e que passam por educação, formação profissional, lazer, esporte. Até agora, no entanto, o próprio governo não sabe dizer quem está atendendo, quais os efeitos na vida desses jovens, que resultados se pode esperar de tanto esforço.

O diagnóstico, feito pelo próprio governo e por especialistas é que, hoje, falta integração e avaliação dos programas. Há ações para todos os tipos de jovens, especialmente os em situação de risco social, e que tentam dar formação aos que não têm escolaridade completa, treinamento para o trabalho e mesmo bolsas universitárias para os que terminam o ensino médio, em programas como o Universidade para Todos (ProUni). Mas, em muitos casos, o governo não consegue acompanhar os resultados desses programas.

Em entrevista há duas semanas, o secretário nacional de Juventude, Beto Cury, confirmou que o governo ainda tem dificuldades com a avaliação e acompanhamento dos programas e essa será a meta desse segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, juntamente com a idéia de integrar os diferentes programas.

Uma das idéias citadas pelo presidente na última quinta-feira, em café da manhã com jornalistas, foi a de que grandes empresas contratem jovens sem experiência para seu primeiro emprego. Essa era justamente a idéia inicial do programa Primeiro Emprego, que terminou sendo esquecido porque não funcionou.

A idéia de oferecer descontos em obrigações trabalhistas para que as empresas contratassem jovens inexperientes só funcionou para aquelas que já contratavam jovens - lanchonetes, centrais de telemarketing, supermercados -, que passaram a ganhar descontos para fazer o que já faziam. Hoje, o governo praticamente esqueceu essa versão e passou a investir nos Consórcios da Juventude, para treinar os jovens antes de tentar colocá-los no mercado de trabalho.

Fonte: Tribuna da Imprensa Online, sábado e domingo, 3 e 4 de março de 2007.

Emprego, só para maiores

Das vagas criadas desde 2003, apenas 15% foram para jovens e 10% para quem não tinha experiência

Heider Damas tem 26 anos e algo que falta a milhões de brasileiros: qualificação. Formado em engenharia ambiental, ele vive em Brasília, onde é crescente a demanda por profissionais especializados. Porém, há um ano e meio Heider está em busca de seu primeiro emprego. A saga é compartilhada pela juventude brasileira. Segundo dados oficiais sistematizados pelo economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, só uma em cada dez vagas com carteira assinada abertas no Brasil foi ocupada por alguém que procurava se colocar no mercado pela primeira vez.

O levantamento, feito com base nos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, aponta a geração de 4,6 milhões de postos entre 2003 e 2006. Apenas 460 mil foram referentes ao primeiro registro em carteira. O restante foi recolocação de desempregados no mercado. Além disso, a faixa etária de até 24 anos foi beneficiada com apenas 15% das novas oportunidades que surgiram no período.

— Fiz vários cursos de aperfeiçoamento, mas não é isso que as empresas querem. O problema é a falta de experiência mesmo — lamentou Heider.

Pochmann avalia que, como ainda há pouca geração de vagas para o tamanho da demanda e os jovens profissionais brasileiros carecem de qualificação, o mercado se concentra na contratação dos trabalhadores experientes, especialmente se tiverem alta escolaridade. De cada duas pessoas desempregadas, uma tem menos de 25 anos.

Não espanta, portanto, que se tenha contratado mais na terceira idade do que na juventude nos últimos quatro anos: o universo de trabalhadores com mais de 50 anos ocupou 17,6% das vagas abertas. A maior parte dos postos foi destinada aos trabalhadores que têm entre 25 e 49 anos, que ficaram com uma fatia de 67,4%.

Paula Montagner, coordenadora do Observatório do Mercado de Trabalho, departamento do ministério, enxerga um cenário positivo:

— Com a continuidade da expansão do emprego e da atividade econômica, mais pessoas serão incorporadas, inclusive jovens.

Políticas públicas não funcionaram

Com 17 anos, a estudante Rejane da Silva Leandro também busca o primeiro registro em carteira, mas esbarra na falta de experiência:

— Procuro qualquer coisa, mas não está fácil. No mês passado, perdi uma vaga de atendente numa lanchonete porque não tenho experiência em balcão.

O desemprego entre os jovens continua sendo um desafio. Até porque a política pública existente mostrou-se pouco eficiente. Uma das principais apostas e promessa de campanha do presidente no mandato anterior — o Programa Primeiro Emprego — não teve êxito. Segundo dados do Ministério do Trabalho, foram contratados cerca de 15 mil jovens entre 16 e 24 anos, de uma meta inicial anual superior a 150 mil.

Diante do desinteresse dos empresários em dar a primeira oportunidade de trabalho em troca de uma ajuda financeira, o governo congelou o programa em 2004 e decidiu transferir os recursos para os chamados Consórcios da Juventude, na tentativa de oferecer qualificação aos jovens desempregados de baixa renda e em situação de risco. Nos últimos três anos, 90.282 jovens receberam algum tipo de treinamento.

Um recorte da pesquisa mostra que a classe média — acima de cinco salários mínimos — também teve sua presença no mercado estrangulada. O número de demitidos superou o de admitidos nesta faixa salarial, indicando que as empresas estão substituindo funcionários com salários mais elevados por mão-de-obra mais barata, ainda que com a mesma qualificação, segundo o professor.

O estudo mostra que a escolaridade não foi fator determinante no contracheque: mais de um terço das novas vagas foi ocupado por trabalhadores com mais de 11 anos de estudo, com ensino superior. A característica predominante foi a baixa remuneração: 94,3% dos 4,6 milhões de postos pagavam até dois pisos (R$700), sendo que em mais da metade das vagas criadas o valor do contracheque variou entre um e 1,5 salário mínimo (R$525).

Tiveram vez no mercado trabalhadores com faculdade e ensino médio. No nível fundamental, o resultado foi negativo, ou seja, o país até gerou emprego, mas demitiu mais trabalhadores do que contratou.

Segundo o economista, a má qualidade dos empregos está relacionada ao desempenho da economia. Ele explicou que, quando o país cresce pouco, o mercado de trabalho reage de duas formas: ou continua gerando empregos, mas de baixa remuneração — o que aconteceu no governo Lula — ou abre poucos postos, mas com salários mais elevados. Também pesou na formação dos salários o fato de a economia estar sendo puxada pelas exportações e não pelo mercado interno. 

Publicado no Jornal O Globo em 26 de fevereiro de 2007

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