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UNE de volta pra casa: Ocupação já dura mais de três semanas

Vários dirigentes populares foram homenageados com a tradicional bandeira azul da União Nacional dos Estudantes durante manifestação, sexta-feira (23), que marcou as três semanas de ocupação da antiga sede da UNE e da UBES, localizada na Praia do Flamengo, 132

Doada pelo presidente Getúlio Vargas, a sede foi incendiada pela ditadura militar em 1º de abril de 1964 e histericamente demolida pelos fascistas em 1980. Posteriormente, um estacionamento surgiu no local, até que, em 1994, o presidente Itamar Franco devolveu o terreno às entidades estudantis. Mas o processo se arrastava, no ritmo das punições a lalaus e outros mais. Diante da morosidade da Justiça, os estudantes decidiram agir e pôr fim à exploração do seu valioso patrimônio por um indivíduo que se apropriou ilegalmente do terreno e ali montou um estacionamento, acampando no local, de onde só sairão após a devolução do que é seu, de fato e de direito.

Atualmente, estudantes de todo o país em cerca de uma centena de barracas apinhadas sobre o piso cimentado do estacionamento se revezam para manter bem acesa a chama da retomada. Os banheiros, com chuveiros, estão instalados em contêineres. O movimento iniciou com a ocupação do local por mais de quatro mil estudantes que participavam da Bienal de Cultura e Arte da UNE. A existência de dois edifícios nos lados do terreno e de duas únicas árvores eleva o clima já tórrido do local. Na tarde de sexta-feira, quando ocorreu o evento de solidariedade da CMS, o calor era total, sendo amenizado por um grande ventilador que servia a uma parte da mesa e do plenário.

"Os trabalhadores e os movimentos sociais brasileiros demonstram sua total solidariedade e apoio militante à retomada do terreno pelos estudantes e estão mobilizados para garantir a reconstrução da sede da UNE, o que é um ponto de honra para nós", declarou Spis, lembrando que o local" diz muito da história de luta da juventude e de todo o povo brasileiro". Segundo o dirigente cutista, ?a hora é de atenção e atuação redobrada e permanente dos movimentos sociais?, pois esta é a forma para assegurar que seja devolvido
aos estudantes o que é seu. "A CMS e suas 32 entidades nacionais estão com vocês. Vamos garantir a continuidade desta mobilização e acompanhar cada passo da Justiça para assegurar a volta do terreno para o dono original, que não pode ser roubado na mão grande. É inadmissível haver qualquer dúvida jurídica sobre um imóvel que faz parte da nossa história", acrescentou Spis.

Memória

Dirigente estudantil entre 1976 e 1981, presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro na gestão 80-81, Lúcia Reis, da executiva nacional da CUT, disse que "a reconstrução do prédio da UNE transcende a entidade e mexe com a memória do movimento popular dos tempos da luta contra a ditadura e pela redemocratização". "Estivemos dentro do prédio, resistindo, quando ele estava sendo demolido já nos estertores da ditadura Figueiredo. Então, este é um momento muito especial para todos nós, pois essa unidade dos movimentos sociais, dos sindicalistas com os estudantes,
lembra muito algo que vivemos intensamente. É a repetição de algo muito presente e que deve ser consolidado, para que o nosso país avance", declarou a dirigente cutista.

Conforme o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Hélio Seidel, "a solidariedade com os estudantes para a reconstrução do seu espaço destruído pela ditadura militar representa a identidade maior com um projeto democrático de desenvolvimento nacional que necessita, cada vez mais, desta luta comum por uma sociedade melhor".

Representatividade

Entre outros, participaram do ato o presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Vander Geraldo; o presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio, Rodrigo Lua; Fernando Moura, do MST, e lideranças da União Brasileira de Mulheres e dos Sindicatos dos Bancários, Petroleiros e Frentistas do Rio.

Para o presidente da UNE, Gustavo Petta, a expressiva e crescente solidariedade recebida durante todos os dias da manifestação reflete o quanto a entidade é querida pelo povo brasileiro e, em especial, pela população do Rio de Janeiro. "Este lugar é um símbolo das lutas sociais e todo mundo aqui no Rio tem isso
muito presente. Desde os vizinhos que nos mostram fotos e recordam com emoção dos movimentos contra a ditadura, até o pessoal que agita a nossa roda de samba nos finais de semana, todo mundo faz questão de deixar claro o quanto a UNE representa", declarou Petta. Confirmando as palavras do líder estudantil, vários moradores dos prédios ao lado do terreno colocaram bandeiras da UNE em suas janelas.

Para a vice-presidente da UNE, Louise Caroline, "depois de 43 anos fora de casa, nada mais emocionante do que ver o quanto a UNE é querida?. Acampada desde o primeiro dia da ocupação, Louise acredita que ?a radicalização da ação conseguiu sensibilizar a sociedade e as autoridades, o que aproxima o dia da vitória".

Já assinaram o manifesto "A UNE de volta pra casa", inúmeras personalidades políticas, artísticas, esportivas e culturais como Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Beth Carvalho, Carlos Lyra, Paulo Betti e Martinho da Vila, o ministro dos esportes Orlando Silva, o lutador Acelino de Freitas Popó e o cineasta Silvio Tendler. Além de assinar o manifesto, o presidente Lula anunciou para breve uma visita ao terreno. A UNE aguarda audiência da justiça fluminense para concessão da posse definitiva, o que permitirá que as obras da nova sede assinada pelo renomado arquiteto e histórico combatente das causas sociais, Oscar Niemeyer - sejam, enfim, iniciadas.

Niemeyer

Abaixo, sob o nome de "uma explicação necessária", as razões do arquiteto sobre sua futura obra. Os escritos de Niemeyer ? ao lado dos desenhos - estão expostos como um troféu no mural do acampamento, acalentado orgulhosamente por todos.

"Ao iniciar este projeto, a minha preocupação foi que, desde a entrada até o fim do terreno, os estudantes da UNE sentissem que, afinal, aquilo que desejavam lhes vai pertencer. E isso explica a praça aberta e arborizada que desenhei. Nesta, eles encontrariam tudo o que a atividade estudantil requer. Primeiro, o local de encontro e debates indispensável, em bar e lanchonete, acolhedor, a todos convidando. Seria, a meu ver, da própria vida, o encanto e desencanto desse mundo que tão bem sabem compreender e tentam transformar.

Depois, do lado, oposto, seria o setor musical. Um pequeno auditório, protegido interior e exteriormente dos problemas da acústica. Sempre, caminhando sobre a marquise projetada, eles encontrariam logo adiante o pequeno auditório com 100 lugares e, em seguida, o grande anfiteatro para 600 pessoas. Ao examinar bem este projeto vocês veriam como os espaços destinados à UNE e aos andares reservados a escritório estão rigorosamente independentes, e que, naqueles, o partido adotado permitiria soluções diferentes. Todas abrindo para o mar. Um dos croquis apresentado mostra como será bonita a vista da biblioteca para a grande praça. A marquise que protege a circulação entre os diversos elementos, inclusive o grande auditório como fecho principal da composição. As entradas do edifício seriam de vidro e, quem sabe, a principal enriquecidacom uma escultura lembrando as cabeças que, pela luta política se sacrificaram."

Publicado no Portal do Mundo do Trabalho (www.cut.org.br) em 01/03/2007.

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