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Filhos gays conquistam aceitação

Pais vencem preconceitos e estabelecem convivência familiar saudável e solidária com jovens que se declaram homossexuais

A bandeira com as cores do arco-íris na janela indica que ali mora gente que não tem medo de mostrar a cara. Quando a porta se abre, a surpresa pode ser ainda maior. No apartamento do casal Deco Ribeiro, de 35 anos, e do arte-educador Chesller Moreira, de 25, que moram juntos há um ano e meio, Sandra Moreira, mãe de Chesller, se sente muito à vontade. E não é só por ali. Costuma sair com os dois pela rua e não se importa se, em algum momento, eles optarem por alguma manifestação de carinho. Mas nem sempre foi assim. “Demorou um bom tempo para que eu aceitasse meu filho”, conta.

Sandra descobriu que o filho era homossexual há dez anos. Por imaginar que o filho seria gay, já havia conversado com ele, mas não conseguia arrancar nada. Só ficou sabendo quando se atreveu a ouvir, atrás da porta, uma conversa do filho com a tia: “Ele já havia contado para ela e os dois conversavam exatamente sobre como me contar.”

Se naquele momento o choro foi intenso e raiva agressiva, hoje tudo é diferente. “Falei muita asneira. Cheguei a dizer que preferia ter um filho ladrão. Hoje me arrependo amargamente de tudo isso”, enfatiza. Depois da briga com a mãe, Chesller chorou muito e saiu de casa, sem rumo. Na época, viviam em Boa Esperança (MG) e o apoio veio de quem ele menos esperava, o padrasto. “Foi meu marido que me incentivou a aceitá-lo. Com o tempo, o choque foi passando”, narra.

Uma dificuldade vencida, muitas outras contra as quais lutar apareceram, principalmente pela associação imediata que Sandra, como a maioria, fez entre homossexualidade e promiscuidade. “Fiz uma ressalva ao Chesller: não queria que ele trouxesse namorados em casa”, conta. Como bom adolescente, ele adorava transgredir a norma. Com mais um obstáculo superado, outro toma o lugar. “E quando eles se beijarem?”, perguntava-se, torcendo para não ver nenhum carinho entre o filho e outro homem.

A aceitação plena só ocorreu há pouco tempo. “O medo de sofrer preconceito é maior que o próprio preconceito. Hoje penso que, se um filho tem qualquer outra diferença, a gente não discrima. Por que discriminar quando são gays?”, argumenta.

Defesa

O pai de Deco também tem uma ótima relação com o filho. Quando Ivan Jorge Ribeiro, médico que vive em São Paulo, ouve, ainda que de longe, qualquer piada ou ofensa a homossexual vinda de um de seus amigos, avisa: “Cuidado aí, tenho um filho gay!”

A relação dos dois sempre foi muito natural. “Para mim, foi um alívio saber, principalmente porque, ao mesmo tempo que desconfiava, meu filho não tinha e não tem nenhum estereótipo. A situação era estranha”, conta.

Deco demorou mais de dez anos para se assumir e acha que, quando tomou a decisão, resolveu um grande impasse. “Quando você conta para os pais deixa de viver uma mentira, de trocar nomes, de se omitir. Antes disso, você tem de falar baixo ao telefone, não pode chorar por um romance que não deu certo”, conta. Ele, que é responsável pelo site www.e-jovem.com, que traz dicas para pais e filhos sobre a homossexualidade, também teve o apoio da mãe, já falecida. “Ela chegou a se reunir com outras famílias de gays”, relembra. Quando decidiu contar, Deco já militava pela causa. “Fui entrando em contato com muita gente pela internet. Não tinha mais por que omitir da minha família. Quando falei, minha mãe disse que já sabia e abraçou a minha luta.”

Adolescentes

Cláudia (os nomes dos pais dos adolescentes são fictícios, por questões legais) é corretora de imóveis e já se habituou a ver o filho, de 16 anos, com o namorado em casa. Quando o adolescente acordou disposto a contar que era gay, esperava pelo menos espanto da mãe. “A gente sempre fica com o pé atrás”, ressalta ele. Mas a aceitação foi tão imediata que, no dia seguinte, apresentou o namorado. “É preferível que ele esteja aqui em casa, com segurança, do que lá fora”, explica Cláudia.

As ressalvas dela foram duas, que também seriam feitas se o filho fosse heterossexual. “Pedi que sempre tomasse cuidado com doenças e que não ficasse levantando bandeiras em lugares que pudessem trazer algum risco”, conta.

O aposentado Francisco mora com a filha, uma adolescente de 17 anos. Vez ou outra ela leva a namorada para almoçar em casa. “Quando ela me contou, não tive nenhuma surpresa. Eu já imaginava e sabia que um dia ela falaria”, explica.

Francisco pode ser exceção, mas pouco se importa e até a acompanha em festas. “Às vezes quem fica com receio sou eu. Fico sem graça de beijar perto dele”, conta ela.

Ao falar da filha, ele se emociona e cita um versículo bíblico. “Eu posso falar a língua dos homens e dos anjos, mas se não tiver amor, nada adianta”, reproduz. O amor à jovem é sua principal bandeira. “Se, acima das diferenças, o amor imperasse, teríamos menos violência, menos pessoas à margem da sociedade”, considera.

Reação reflete conduta social, diz psicóloga

A dificuldade de aceitação pode ser interpretada pelos filhos como falta de amor, o que é um equívoco segundo especialistas. É o que explica a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, Diana Tosello Laloni. “Os pais fazem parte de uma sociedade e a conduta deles reflete o mundo com o qual têm contato. A rejeição social ainda é muito grande, por mais que o assunto esteja sendo discutido”, afirma.

Diana também enfatiza que os pais sempre querem oferecer o melhor aos filhos e, por isso, sentem necessidade de garantir-lhes proteção: “A recusa da homossexualidade está ligada ao intuito que o pai tem de proteger o filho de tudo, principalmente dos preconceitos.”

Para ela, o sentimento de culpa também é natural, já que os pais idealizam o sucesso dos filhos e projetam sonhos. “Quando alguma coisa não sai da forma que planejaram, eles se perguntam onde erraram”, ressalta.

Por mais que o momento em que os filhos falam sobre o assunto possa ser um choque, Diana tem algumas dicas: “Esse momento é tão difícil para o filho quanto para o pai. Espere passar a emoção e, depois, aborde o assunto”, ensina. Segundo ela, o apoio familiar é essencial, pois o jovem tem também toda a sociedade para enfrentar. (FO/AAN)

 
Mãe de homossexual escreve livro e funda associação nacional
 
Edith Modesto é escritora e professora universitária e sabe bem como o processo de aceitação é doloroso. Em 1992, descobriu que o filho Marcelo, de 37 anos, professor da Universidade de São Paulo (USP), era gay e precisou travar uma luta contra os próprios preconceitos. Para isso, buscou gente que, como ela, sofria com a situação e montou o primeiro grupo do Brasil que reúne pais de homossexuais. “No início, eu tive tanta dificuldade que nem consegui reunir muita gente”, lembra.

Se a necessidade de desabafar era grande, os entraves para falar de seus dramas pareciam intransponíveis. A prova disso é que, durante dois anos, o grupo se resumiu a quatro pais. Hoje, a Associação Brasileira de Pais e Mães de Homossexuais tem 150 membros, que se reúnem mensalmente e trocam e-mails diários.

No processo de apropriação da nova realidade, Edith associou orientação sexual a vários equívocos. “Achei que era doença, problema psicológico, sem-vergonhice, opção, mas descobri que estava errada em todos os aspectos.”

Para fugir do senso comum, decidiu conhecer melhor a homossexualidade. Durante meia década, Edith entrevistou 89 gays e lésbicas entre 14 e 62 anos. Com os resultados, concebeu o livro Vidas em arco-íris: depoimentos sobre a homossexualidade (Editora Record, 399 páginas). A partir do contato com pais e baseada em seu próprio processo, ela delimita fases que os pais enfrentam no processo de aceitação (veja quadro). “Mas é preciso destacar que cada família viverá o tema de uma forma, de acordo com as experiências. A aceitação imediata é uma exceção”, ressalta.

O grupo fundado por Edith, que dá cursos no Brasil todo sobre o assunto, pode ser contatado pelo site www.aph.org.br. (FO/AAN)

Publicada em 18/3/2007
jornal Correio Popular de domingo
Campinas/SP