Em entrevista, ao Observatório jovem da UFF e Observatório da Juventude da UFMG, José Machado Pais fala sobre sua trajetória de pesquisa, a realidade dos jovens em Portugal e a importância da pesquisa para as políticas públicas
Observatório Jovem (UFF)/Obs. da Juventude (UFMG) 20.11.2004
O Deputado Federal Cláudio Vignati (PT-SC), fala da importância da Semana Nacional de Políticas Públicas de Juventude, realizada em setembro de 2003, para a democratização do debate no país
Observatório Jovem 12.12.2003
Observatório Jovem - Que avaliação o senhor faz da Semana Nacional de Juventude?
Cláudio Vignati (C.V.) - Primeiro nós tínhamos a expectativa de trazer os jovens do Brasil todo para Brasília. Conseguimos cumprir essa expectativa trazendo várias organizações que pensassem e trabalhassem com a juventude. Mais de 20 organizações que pensam juventude estão presentes, não só Ongs, temos também várias secretarias estaduais e várias municipais que estão na ativa. Acho que a soma de tudo isso pode construir uma base fundamental para o desenvolvimento do Plano Nacional de Juventude. As experiências aqui acumuladas servem para nos ajudar a formular nossas diretrizes para termos um trabalho metodológico melhor finalizado, configurado e sedimentado para propor nas audiências públicas dos Estados. Acho que a semana está cumprindo esse objetivo e quando a juventude vem – temos cerca de 500 jovens presentes no seminário o que ultrapassou um pouco nossas expectativas que eram de 350 a 400 jovens –, isso é positivo e demonstra de fato a sede da juventude em debater esse tema. É claro, sempre tem alguns atropelos, tivemos várias dificuldades para organizar o evento, mas do ponto de vista do resultado, da produção da construção de políticas, acho que está dentro da expectativa, dentro do esperado.
O.J - Alguns jovens estão dizendo que estão com pouco tempo para falar, que a metodologia não está muito interessante, mas talvez o objetivo da semana não tenha sido realmente de fazer um debate entre os jovens, mas algo para qualificar o debate sobre o Plano Nacional.
C.V. - É uma semana com caráter de formação, claro que com o diálogo, a partir das perguntas de 3 minutos, o que não é pouco, já que falam cerca de 12, 15 pessoas a cada painel. Não é em qualquer encontro que se abre essa possibilidade. As mesas estão cumprindo o tempo de 10, 15 minutos para cada expositor. Somando teríamos que ter menos mesas, mas nós não cumpriríamos o objetivo de colocar quem pensa a juventude de falar nesse encontro até para termos eco nacional. Os 500 jovens que estão presentes no seminário de uma forma ou outra são expectadores e também serão articuladores desse processo colaborando nas assembléias legislativas, nas audiências públicas. Eles serão reprodutores de um debate de concepção de juventude que estamos trazendo a tona de quem pensa a juventude numa ótica diferente da tradicional.
O.J - É mais fácil também promover um debate mais amplo no âmbito local do que no nacional, então, se esses jovens voltam e começam a ser os multiplicadores nos seus lugares é muito mais fácil fazer esse debate mais ampliado que eles aqui reivindicam.
C.V - Com certeza, a idéia é que a partir do acúmulo de idéias e de conhecimentos e informações que eles têm aqui possam reproduzir um debate nacional no seu município, no seu estado, no seu bairro, na sua região, na sua ONG.
O.J. - Quais são os desafios para fazer com que os debates que ocorreram aqui nessa semana se estendam ao território nacional?
C.V. - Em primeiro lugar nós estamos pensando em publicar um livro do debate para poder juntar todas as informações, em segundo lugar nós vamos sistematizar todo o processo para que a gente possa de fato passar para todo mundo as informações que podem servir de base para as próximas audiências públicas nos Estados. A idéia é que a gente faça audiências em todas as Assembléias Legislativas dos 27 Estados brasileiros no período de um ano. Não temos tempo para cuidar de todo o Brasil, então cada deputado cuida de seu Estado, mas não tem deputado em todo o Estado cuidando da juventude e poucos se interessam pelo tema também. Então nós precisamos viajar, os próprios membros da comissão, sendo que nem todos assumem o papel que têm dentro da comissão, vamos ter que multiplicar, dividir atividades para a gente poder viajar pelo Brasil, pra sedimentar a construção de um Plano Nacional e de um Estatuto da Juventude. Para que a gente consiga fazer um diálogo com os deputados, com os vereadores e com as organizações de todos os Estados, porque aqui também não está todo mundo que formula as políticas de juventude no país.
Presidente da Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude aposta na qualificação da discussão no âmbito nacional e também nos estados da federeção
Observatório Jovem 12.12.2003
Observatório Jovem - Como as discussões que ocorreram nesta semana poderão ganhar espaço público, encontrar eco nos Estados, nos municípios? Como se imagina o prosseguimento desta semana?
Reginaldo Lopes - Acredito que a representatividade de todos os estados brasileiros e da diversidade da juventude tenha se consolidado nesse momento da Semana Nacional. Agora, como potencializar para que essas discussões se traduzam em ações concretas nos seus estados, nas suas regiões, vai depender da articulação da comissão com esses atores que estão presentes, que fizeram cadastro, que estão dispostos a participar. Estamos trabalhando com uma metodologia de construir audiências públicas nos Estados, então, estaremos nomeando deputados federais pertencentes a Frente Parlamentar de Juventude ou à Comissão (mesmo que um estado não tenha nenhum deputado nem na frente nem na Comissão, será nomeado algum deputado que tenha interesse) para organizar audiências públicas nos seus estados. A intenção é que a comissão sensibilize os deputados das Assembléias Legislativas para que se instale uma comissão temporária de 90 dias para ajudar na elaboração de um diagnóstico da juventude nos Estados, em cada capital do país para que, junto com essa coordenação que terá um deputado federal responsável, a sociedade e a juventude possam realizar um debate, colher sugestões, informações e diagnósticos para a elaboração de um Plano Nacional que tenha a concepção de todos os Estados brasileiros e de toda a juventude, das suas diversidades e características.
O.J. - As organizações que participaram desta semana estarão também um pouco à frente da mobilização. Por elas que vocês vão começar a mobilização?
R.L. - Sim. Nós acreditamos que a motivação que essa Semana Nacional está proporcionando a cada militante nessa área da juventude possa ser o embrião para que os jovens assumam essa responsabilidade em ajudar a construir esse projeto, nós trabalhamos com essa hipótese.
O.J. - Serão quantas audiências públicas? Já existe alguma definição onde elas ocorrerão?
R.L. - Resolvemos fazer em todas as 27 capitais. Estaremos nomeando um coordenador para cada capital, que deve ser um deputado federal que pertence a essa frente ou comissão, e vamos articular também, conforme disse disse com os deputados da assembléia legislativa, e quem vai mobilizar de fato é a juventude, os movimentos organizados, as Ongs, as redes de juventudes, os observatórios, as pessoas que têm preocupação com essa temática, os próprios jovens, os movimentos estudantis, todos os movimentos de juventude. Acredito que a animação que eles estão demonstrando aqui, com esse comprometimento, essa presença maciça nos debates até altas horas da noite (tem mesas que duram 5 horas e eles continuam no debate), seja a demonstração que os próprios jovens querem ser atores principais da construção desse projeto.
O.J. - Que desafios o senhor acha que essa Comissão Especial de Juventude tem a enfrentar daqui pra frente? Qual a pauta dessa comissão?
R.L. - Acredito que é conseguir entender essa demanda da juventude, entender e traduzir isso em políticas públicas, em propostas que possam ser implementadas pelo governo federal, pelo estadual e pelo municipal. E também ganhar legitimidade, porque aqui na câmara funciona enquanto tem peso político. Há um debate no país que ainda não se consolidou, ou seja, aquele que diz que a juventude ainda não tem uma concepção que ela é sujeito de direito, acredito que essa concepção o próprio jovem tem que ter, que ele tem direito de ir e vir, que ele tem direito a transporte se não tiver dinheiro pra pagar, tem direito de usar o seu tempo livre, tem direito a ter pelo menos a formação de ensino médio profissionalizante, direito à informação, à consciência da preservação na questão das doenças sexualmente transmissíveis, direito à sexualidade reprodutiva, direito de exercer sua própria sexualidade sem barreiras com informação, dentre outros direitos. São vários debates importantes, acredito que o debate agora é traduzir isso em propostas concretas e que de fato representem o desejo da própria juventude, que não seja uma proposta tuteladora, assistencialista, “eu faço isso para você não fazer aquilo”, ou seja, de troca, mas que seja algo mesmo na perspectiva dos direitos. Esse é o desafio, e mais do que nunca, o sucesso desse projeto é se de fato a juventude realmente construir e se sentir parte dele. Espero que todos os jovens participantes dessa semana possam voltar para o seu Estado e eles próprios comecem a elaborar e propor ações, porque também a juventude tem uma força muito grande, tem poder de mobilização, de sensibilização. A juventude pode ter uma perspectiva de disputas eleitorais em 2004, onde vários municípios do país estarão fazendo eleição para escolha de seu novo gestor. Se a juventude se conscientizar que precisa exigir desses gestores políticas públicas concretas voltadas para esse segmento, eu tenho certeza que ela interfere num projeto de governo para os municípios como também ela pode interferir até na decisão do eleitor.
O.J. - A juventude é uma grande força na decisão do processo eletivo. Como o senhor analisa essa questão?
R.L. - A juventude, sempre nas disputas eleitorais, é convocada a participar do processo, mas muitas das vezes ela é colocada para fora do governo, é preciso que desta vez ela participe do processo, ela tem que participar porque é um exercício pleno de cidadania, nós temos que votar e votar bem, mas mais do que isso, nesse momento, agora, ela tem que exigir de todos os candidatos a gestores dos municípios que eles tenham no seu plano de governo um ponto que trate das políticas específicas de juventude. Acredito que o instrumento para esse debate é o Plano Nacional, se conseguirmos botar ele aqui no Congresso antes da eleição municipal, essa referencia, esse marco com certeza será traduzido em ações concretas e mesmo nas disputas das eleições municipais do ano que vem.
O.J. - Como anda a discussão do Plano Nacional na Câmara dos Deputados?
R.L. - Encerramos a primeira fase semana passada (16/09) com a última audiência pública. Nossa tática foi fazer uma audiência pública aqui na câmara dos deputados a cada tema que envolve a juventude. Tivemos, assim, várias audiências públicas desde a concepção das políticas até temas específicos, como aqueles relacionados com a questão da violência, da dependência química, da bissexualidade, do jovem rural, da questão das minorias, da educação, do trabalho, da família, da cidadania, até da consciência religiosa. Paralelamente a essas audiências nós construímos seis grupos de trabalho com um coordenador e um relator para cada grupo. As audiências foram feitas de acordo com as demandas de cada grupo de trabalho pra qualificar tanto o relatório quanto as propostas dos grupos. Outubro é o prazo que cada grupo de trabalho tem para apresentar seu relatório final. O relator da comissão, então, fará a sistematização de todos esses relatórios dos grupos de trabalho fechando um relatório que estamos chamando de pré-projeto que colocaremos à disposição para debater nos Estados, especificamente nas capitais. Estaremos organizando uma metodologia de audiências públicas para que essas audiências possam estar apreciando esse pré-projeto e fazendo sugestões. Teremos um coordenador para cada audiência nos Estados, para depois, talvez em abril ou maio, voltarmos à comissão e aprovarmos o texto final desse projeto que será encaminhado para análise dos deputados na Câmara.
O.J. - Num primeiro momento, então, houve uma certa centralização seguida de abertura para a sociedade através das audiências públicas?
R.L. - Até porque como é um debate ainda novo no Brasil, com pouca informação, nós próprios que pertencemos à comissão tínhamos a preocupação de nos qualificarmos para o debate, de sair do senso comum no entendimento com relação à juventude. Foi a partir dos debates ocorridos nessas várias audiências públicas que nos qualificamos, agora estamos encerrando esse primeiro trabalho da comissão nessa Semana Nacional. Em geral, nós trouxemos aqui para debater nessa semana os melhores palestrantes que participaram das comissões temáticas nas audiências públicas. Acredito que vamos começar um novo momento que é apresentar algo concreto para o debate nos Estados, porque nós achamos meio abstrato ir ao Estado falar, fazer o diagnóstico e ir embora e não propor nenhuma ação concreta. Nós queremos andar com algo que possa promover o debate, vamos até receber várias críticas porque o nosso projeto é ainda muito preliminar, um pré-projeto, não tem a intenção nenhuma de ser definitivo, é só para direcionar essas audiências nos Estados, justamente para as pessoas poderem ter algo concreto para que possam propor algo contrário. Se não fica só algo no campo da idéias e isso não traduz o campo das ações e aí a juventude vai ficar talvez sem um instrumento concreto para fazer um contraponto e até colocar o contraditório. Lógico que nesta caminhada a gente está aprendendo e também pode ser que a gente mude. Algumas experiências nas primeiras audiências públicas dos Estados podem ser insatisfatórias, ou então pode ser que da própria audiência surjam outras idéias; a gente pode fazer. Agora, vai depender da organização desse debate nos Estados; tem Estado que já constituiu uma comissão especial tal como Mato Grosso, Minas Gerais e Paraíba. Esses Estados que têm comissão especial constituída estão fazendo o debate toda semana. Certamente, então, quando ocorrer a audiência pública naquele Estado que tem comissão especial já constituída a contribuição desse Estado será muito maior, muito mais rica. Na Paraíba, por exemplo, já debatemos a questão do primeiro emprego, na semana anterior teve uma pesquisadora do IBGE que levou todos os dados referentes ao estado da Paraíba, eles então se qualificam mais. A comissão especial em cada estado dura noventa dias, é o tempo para se fazer diagnóstico da realidade das juventudes nos estados. Lógico que os dados por si só não são suficientes, os dados podem ser manipulados, mas, além dos dados, dessas informações e mais o compromisso dos gestores e da juventude organizada e da própria manifestação da juventude, com certeza, poderemos construir um bom diagnóstico.
O.J. - Quantos são os deputados que compõem a Comissão Especial de Políticas Públicas para a juventude?
R.L. - São 48 deputados, sendo 24 deputados titulares e 24 suplentes. A Frente Parlamentar tem uns 150 deputados e uns 20 senadores. A Comissão especial é constituída pela representatividade de cada partido político na Câmara dos Deputados eleitos na eleição de 2002; ela segue o regimento interno de composição. A comissão especial surgiu depois da Frente que foi um mecanismo que eu encontrei para articular a necessidade de convencer a Câmara dos Deputados a aprovar essa comissão especial. Aqueles que atuaram melhor na Frente mostraram interesse pelo tema e acabaram sendo indicados pelos seus partidos. Pode-se dizer que todos os partidos têm participação comprometida com esse projeto. Havia o interesse de todos os partidos em compor a comissão.
Em entrevista ao Observatório Jovem, Gaudêncio Frigotto diz ser favorável a implementação de políticas compensatórias desde que inseridas em um modelo de desenvolvimento inclusivo
Observatório Jovem 22.10.2003
Doutor em educação e professor titular em economia política da educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gaudêncio Frigotto é pesquisador, autor de livros e artigos sobre as relações entre trabalho e educação. Durante o período pré-eleitoral, colaborou no programa de educação básica de jovens e adultos e formação profissional do Partido dos Trabalhadores (PT). Nessa entrevista concedida ao Observatório Jovem, Frigotto apresenta as contradições e as necessidades envolvidas no programa Primeiro Emprego e analisa a situação do jovem imerso numa "sociedade sem horizontes".
Na trilha desse tema, Frigotto discute quais deveriam ser os princípios e os rumos das políticas públicas no Brasil para que essas não se tornem apenas paliativas. Para o educador, políticas como o Primeiro Emprego são "uma estratégia do Estado, uma tentativa de minimizar o sofrimento, a violência e a vida em suspenso de milhões de jovens, dando-lhes a possibilidade do primeiro emprego". Mas, como diz o professor, um país não se faz somente de programas como esses. Eles devem ser apenas ponto de partida.
Observatório Jovem (OJ): Qual sua opinião sobre o debate em torno do programa Primeiro Emprego?
Gaudêncio Frigotto (GF): Para mim, o debate situa-se em torno de uma profunda contradição e de uma profunda necessidade. Nós vivemos em um país cuja dívida com a infância e a juventude é enorme, especialmente, em relação à classe trabalhadora. Abro aqui parênteses: não podemos falar em infância e juventude; existem juventudes e infâncias. Esse recorte de classes é crucial para não falarmos "abobrinhas". À juventude a qual me refiro é, sobretudo, àquela filha da classe que vive do trabalho, os populares. Essa juventude sempre foi mutilada. Há milhares de jovens com um mínimo de escolaridade; alguns em trabalho semi-escravo; outros inseridos precocemente no mundo do trabalho.
A Europa rica e o capitalismo orgânico estão ampliando a faixa de preservação da infância e juventude. Lá, é dever do Estado garantir a vida dos jovens até 16 ou 18 anos - antes, a regra era até 14 anos. Isso é um mecanismo para retardar a entrada do jovem no mercado de trabalho, já que há milhares de adultos desempregados. Nós somos um país de uma tradição de violência brutal sobre a classe trabalhadora e, de certa forma, sobre o trabalho infanto-juvenil e infantil, porque temos uma história escravocrata brutal.
OJ: Diante desse cenário histórico de violência e mutilação, programas como o Primeiro Emprego servem de solução paliativa ou compensatória. Se essa é uma profunda contradição, qual é a profunda necessidade?
GF: As políticas de primeiro emprego nascem de uma necessidade. O secretário municipal de Trabalho de São Paulo, Márcio Pochman identifica muito bem os tipos de políticas. Seriam elas redistributivas e emancipatórias. Fome Zero, Bolsa-Escola e todos esses mecanismos, cujo objetivo é fazer com que as pessoas se alimentem e fiquem na escola, são exemplos de políticas redistribuitivas.
Assim, considero o Primeiro Emprego - dentro da idade legal para se inserir no mercado - uma estratégia de Estado na tentativa de minimizar o sofrimento, violência e a vida em suspenso de milhões de jovens, dando-lhes a possibilidade do primeiro emprego. Essa possibilidade tem sido muito difícil no mundo. O programa Primeiro Emprego é sazonal, no sentido que o Estado pode garantir a vaga apenas por um tempo. Não há garantia nenhuma justamente pela própria lógica do capitalismo atual, que incorpora em bancos, indústrias e serviços muito mais máquinas do que seres humanos.
Essa é uma questão que poderia apresentar um horizonte mais concreto, se houvesse, por um lado, a redução da jornada de trabalho drasticamente e, por outro, a ampliação do fundo público para gerar mais empregos na área de direitos e de serviços. Ora, o movimento no mundo é contrário ao que digo: é privatizar tudo. Então, essa é uma contradição. Por isso, não existe solução fácil. Mesmo países que tiveram um programa de primeiro emprego ambicioso, como a França, muitas vezes apresentaram soluções longe do ideal: davam emprego para um jovem recém graduado em arquitetura, engenharia ou direito para cuidar do metrô ou orientar turistas no museu. Isso também gera um impacto existencial brutal sobre as pessoas.
OJ: No Brasil, esse impacto existencial sequer entra em debate já que a situação é tão complicada.
GF: Diante da massa de jovens no Brasil, temos um problema crucial de sobrevivência. É preciso não torná-los presas fáceis da contravenção e do tráfico. Criou-se uma mentalidade no país de que todos desempregam e só quem emprega nos grandes centros é o tráfico. Os jovens, porém, não querem o tráfico. Eles são empurrados para isso. Eles têm sensibilidade para perceber que esse caminho significa vida curta. Acho que o governo deve apresentar programas, mas também o passo seguinte a eles.
OJ: Qual seria esse passo?
GF: Lutar por construir um modelo de desenvolvimento inclusivo. Esse é um passo duro, porque não depende de uma vontade unilateral, e sim da nossa vontade política e também da correlação de forças com o mercado internacional. Aqui entram grandes temas, como os apresentados pelo economista Celso Furtado, da necessidade de ter um projeto nacional de desenvolvimento, um mercado interno revitalizado e não sucumbir à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e à idéia de Banco Central autônomo. Podemos ter políticas distributivas e emancipatórias, mas tudo isso é fogo fátuo, caso não tenhamos uma mudança estrutural na distribuição de renda e um projeto de desenvolvimento que gere autonomia, emprego e renda. As políticas só têm sentido se apontarem para esse horizonte, caso contrário viram filantropia ou caem no jogo político, com iniciativas como o cheque-cidadão, restaurante popular etc.
OJ: O senhor traçou o panorama brasileiro, no qual as políticas públicas passam pelo dilema da profunda contradição e da profunda necessidade. Há algumas polêmicas em torno do programa Primeiro Emprego. Mesmo com essas contradições, o programa pode ser considerado uma política bastante válida? É isso o que o senhor considera?
GF: Sim. Como pesquisador, tenho insistido muito sob um ângulo. O de que nós, do campo mais à esquerda -, como se refere Frederic Jameson, no livro Sementes do Tempo (Editora Ática) -, nos habituamos a pensar em antinomia (é bom ou ruim) e não em contradição (é bom e ruim). Sempre temos que situar esses programas num horizonte. Esses programas se tornam ruins se são ponto de partida e de chegada. De qualquer forma, os programas para primeiro emprego já são ruins no ponto de partida porque obriga a juventude a entrar precocemente no mercado de trabalho. Mas, infelizmente, a realidade nos impõe isso. Quando a situação é essa, não posso lidar com antinomias porque esse jovem, de uma forma ou de outra, terá que resolver seu problema. O Estado tem esse dever de garantir sua sobrevivência, minimamente, através de políticas públicas.
OJ: Como?
GF: Acho importante discutir qual é a forma. Mas, primeiro, vamos considerar que é uma forma não só legítima, como necessária de intervenção do Estado, seja ela redistributiva ou emancipatória. Cria-se, para esse jovem a possibilidade de ter perspectiva de futuro, não ter vida provisória, em suspenso, subemprego, desemprego etc. Acredito que no contexto de contradição, o Primeiro Emprego é uma política necessária, importante, fundamental, de discriminação positiva e inclusiva. Falta dizer que uma política dessa deve ter um aporte, fundo público e responsabilidade com a sociedade.
Não sou favorável à evasão fiscal. Acho que o capital já ganha muito. Talvez, pudéssemos criar uma lei que, em nome de uma sociedade mais equilibrada, tivesse que incluir jovens sem esse programa para o primeiro emprego. Trata-se de uma correlação de forças. No Rio Grande do Sul isso foi muito bem articulado. Lá, o governo, se não me engano, pagava o salário durante seis meses, ou metade do tempo, e a empresa assumia o resto. Para muitos jovens, houve continuidade no emprego porque este estava ligado a uma política de geração desse primeiro emprego, que é a participação da pequena e da média empresa.
OJ: Agora, tentando entender melhor como é complexa a situação do jovem trabalhador brasileiro, verificamos que na Europa há um esforço para retardar a entrada do jovem no mercado de trabalho; no Brasil, algumas estatísticas mostram que houve um aumento da faixa etária de entrada no mercado, ou seja, teoricamente, houve um retardamento também. A questão é que não se sabe ainda o porquê desse retardamento: se os jovens estão mais na escola, se estão ociosos, desestimulados etc. O senhor tem alguma reflexão sobre isso?
GF: Tenho algumas hipóteses, mas não dados. Sem dúvida nenhuma, houve um crescimento na taxa de escolarização. Há possibilidade de acesso ao mercado escolar privado e público e uma crença muito forte das famílias, mesmo naquelas de origem popular, de que a educação tem valor absoluto. A idéia de empregabilidade foi construindo isso e não a preocupação com o capital humano. Os jovens de classe média alta já não têm essa preocupação. Eles estão em crise por ver que o diploma não lhes garante o emprego que tiveram os pais.
Outro aspecto que pode mascarar esse dado é o da economia informal. Centenas de jovens que antes pressionavam o mercado formal, agora vivem de "bico", trafico, prostituição ou outros ilícitos. Outro fenômeno, apresentado, me parece, pelo Paul Singer, é o do retorno de famílias da cidade para o campo. Assim, entendemos que haja hoje 20 milhões de sem-terra. Cada família dessas tem em média cinco filhos. Outro fator é o brutal desemprego adulto.
O problema do primeiro emprego pode ter uma abordagem nos moldes de uma política redistributiva e inclusiva, que retardasse a entrada do jovem no mercado de trabalho e garantisse sua escolaridade completa. Tomei conhecimento no Rio Grande do Sul de estudo para a criação de um programa de bolsas destinado a jovens em idade de escolarização e também necessitados do trabalho. Assim, seriam garantidos transporte, livros e o mínimo de dinheiro para se sentir um jovem integrado. Em termos sociais e econômicos, esse molde seria o de uma sociedade que paga um custo alternativo por ter sua juventude na escola. Portanto, não adianta só abrir vaga na escola. É preciso um montante de recursos para que esse jovem, que necessita trabalhar, se vire sem buscar o "bico" ou a contravenção. Provavelmente, esse jovem está escondido nas estatísticas. Esse é um programa que me parece, do ponto de vista da própria juventude, mais importante.
OJ: Qual seria o ponto de vista da juventude?
GF: Passei por algumas experiências com as quais aprendi isso. Ajudei a organizar a escola politécnica Joaquim Venâncio, na Fiocruz. No início, ela era direcionada somente para jovens das favelas da Maré e Manguinhos estudarem em turnos integral e noturno. Logo na primeira turma, perdemos muitos alunos. Na visão moralista da sociedade e de nós mesmos, educadores, a tendência é lamentar: "poxa, nos esforçamos tanto para dar escola em tempo integral, vale-transporte e comida, os melhores cientistas e essa garotada inconseqüente e inconsciente não soube aproveitar". Num diálogo duro, os meninos me disseram: "a gente pode ser franco? O nosso pai pode nos dar um tênis 'furreca' e uma camisa vagabunda por ano. Então, se a gente quiser ter uma grana para comprar uma roupa diferente, ir a uma festa ou ao cinema com uma morena para 'secar' uma loira, a gente tem que descolar. Muito de nós faz na contravenção".
Então, o que fizemos foi perguntar o quanto precisavam ganhar para ficar na escola. Negociamos com eles. A partir daí, nenhum deixou de voltar.
Um estado democrático deve garantir horizontes de vida para jovens, crianças e adultos. Se o jovem não tem horizonte, ninguém tem. Se o país trata mal ou mutila sua juventude e infância, está mutilando o futuro do país.
Também precisamos falar sobre a dispersão das políticas. Construiu-se a idéia que tudo que é estatal e público é ineficiente. Em nome disso, se fez uma dispersão, que supostamente promoveria uso mais eficiente de recursos. No entanto, acabamos criando lobbies, atendendo grupos que ganham de todo jeito. Exemplo disso é o sistema S (o Sesi e o Senai, na indústria; no comércio, o Sesc e o Senac; na agricultura, o Senar; e, nos transportes, o Sest e o Senat. Mais recentemente, agregou-se o Sebrae) Muito desses "S" foram criados, exatamente, para jovens e adultos formarem-se profissionalmente. Fiz meu mestrado no Senai. É uma instituição que conta com fundo público compulsório, administrado de forma privada. Apesar de todas as contradições, o presidente Lula, por exemplo, teve acesso ao Senai. Hoje, alguém como Lula, que comeu somente pão até os oito anos, não entra no sistema Senai ou Senac, que apesar do fundo público, ainda cobra mensalidade e disputa verba para qualquer programa, como para o Plano de Qualificação Profissional (Planfor). Acho que essa suposta eficiência na dispersão das políticas provocou uma dispersão de recursos brutal. Portanto, temos que tomar as rédeas, o controle de uma esfera pública de fato pública.
OJ: Políticas públicas universais ou focalizadas fazem parte dessa discussão? Focalizar ou universalizar é também fazer com que os recursos aplicados sejam mais eficientes e direcionados, produzindo uma discriminação positiva?
GF: Essa foi uma questão abordada recentemente em reunião do grupo de trabalho Educação, Trabalho e Exclusão Social do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (Clacso). Assim como é falsa a oposição sobre as políticas da juventude, sobre as quais argumentei antes, também é falsa a oposição universalização/focalização. É claro que nós temos que construir o horizonte de uma universalização. Mas, tratar igualmente grupos sociais historicamente violentados é mantê-los violentados. Eu não defendo a focalização do Banco Mundial, porque ela é para não universalizar. É a manutenção da miséria. Alívio à pobreza. Para não retirar o horizonte da universalização, eu tenho que brigar para aumentar o fundo público, para tratar positivamente e desigualmente aqueles que se tornaram desiguais.
OJ: Como o senhor se posiciona no debate sobre as cotas em universidades para negros e pobres?
GF: Sou favorável à cota. Mas, como? Não diminuindo a universalização. Para que essas medidas não sejam paliativas, de alívio à miséria e à pobreza ou se transforme num tiro no pé da própria vítima (negro e pobre), a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) deveria aumentar, digamos, 20% das vagas entre 2003 e 2007. Além disso, fixar um aporte no orçamento e, momentaneamente, um acréscimo no número de professores. Isso porque incluir na mesa não significa que todos comam. É preciso infra-estrutura acadêmica, de serviço, Internet, vale-transporte etc. Sem isso, o aluno se convence que ele é inferior, não é capaz.
Cada vez mais eu posso pensar por antinomia. É bom ou não é bom. Focalizo ou universalizo. Não: focalizo e universalizo.
OJ: Focaliza-se para universalizar?
GF: Exatamente. Nós temos que lutar para que não exista nenhuma necessidade de política compensatória e que a base sejam as políticas de emancipação, para que tenhamos um horizonte. É como o professor Manuel Castells apresenta: ter emprego era ter futuro previsível. Casava-se, pagava-se um apartamento em 20 anos, tinha-se filhos. Hoje não dá para fazer isso. As pessoas vivem em suspenso. Por isso, o historiador Eric Hobsbawm diz em seu mais recente livro - O Novo Século -, que a humanidade tem uma capacidade exponencial de produzir e que a grande questão do século 21 é como universalizar o acesso aos bens produzidos. Esse mesmo historiador se pergunta se as crianças que nascem hoje têm futuro. Na Inglaterra ainda têm. No Brasil, na África, na Índia, não se sabe. Isso é dramático.