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Entrevista com Marina Garcia e Guilherme Ferreira - estudantes da Escola Politécnica da Fiocruz

Marina de Freitas Garcia e Guilherme Santana Ferreira são alunos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz (E.P.S.J.V.), Rio de Janeiro. Ambos acabam de passar para o terceiro ano no Laboratório em Biodiagnóstico em Saúde, que cursam junto com o ensino médio, na própria escola politécnica.

Os dois são membros do grêmio da escola e puderam falar tanto dos aspectos do ensino, da estrutura, como da participação estudantil nas decisões da diretoria

Observatório Jovem: Que diferenças vocês vêem entre o estudo de vocês e o estudo de quem cursa uma escola de ensino médio propedêutico?

Marina de Freitas Garcia: A primeira diferença que eu vejo é o tempo que a gente fica aqui. A gente fica aqui de 8h ás 17h e isso consome muito, a gente tem que chegar em casa e estudar tanto para o ensino médio quanto a para o ensino técnico. A outra diferença que eu vejo aqui, não só para o ensino médio normal quanto para outros ensinos técnicos é o contato que a gente tem com a pesquisa, pelo fato de ser uma instituição de pesquisa. No final do terceiro ano a gente tem que apresentar uma monografia, tem que ter orientador, a gente tem aula do projeto... Esse é, pra mim, o grande diferencial da escola...

O.J.: E a diferença entre sair do ensino fundamental e ingressar no ensino técnico?

Guilherme Santana Ferreira: (Diferença) sempre tem, né? Porque o ensino técnico exige uma responsabilidade bem maior do que o ensino básico. Principalmente aqui. Você deixa de estudar de manhã ou de tarde para estudar o dia todo; já é o primeiro choque, no primeiro dia de tarde você já está cansado, você já não agüenta mais ficar aqui. Depois, porque é uma maturidade que você tem que ter pra pensar que aquilo que você tá aprendendo você de fato vai precisar, porque quando você tá no ensino fundamental você pensa: ah, o que eu tô perdendo aqui eu posso recuperar depois, tem coisa que eu nem vou usar... Então você nem dá tanta atenção assim ao que você aprende. No ensino técnico não, porque no final vai ser uma profissão que você vai estar exercendo.

O.J.: Com aula de oito às cinco, vocês têm tempo de trabalhar?

Marina: Não. A grande maioria dos alunos que faz o ensino médio integrado com o ensino técnico já sabe que não vai dar para trabalhar. Agora, tem os alunos que fazem o curso concomitante (ensino médio em outro colégio e o ensino técnico aqui na FIOCRUZ) e os alunos que fazem o curso subseqüente (que já terminaram o segundo grau e só vêm fazer o técnico).

Guilherme: Os alunos do subseqüente normalmente trabalham...

Marina: Mas assim, a nossa realidade como estudante de ensino médio e estudante de habilitação técnica é assim: a gente não tem como mesmo (trabalhar)...  O colégio consome a gente...

Guilherme: Nem se precisasse...

O.J.: E vocês acham que quem precisa trabalhar é “peneirado” pela escola ou ela dá estrutura para a pessoa se manter aqui?

Marina: Olha, quando a gente entrou (somos do primeiro ano das cotas de 50% para escola pública) a escola ofereceu uma bolsa de auxílio.

O.J.: Qual o valor da bolsa?

Marina: Na turma de 2006 era o valor de 144 reais. Hoje, por uma questão de corte e até de prioridade do colégio para a contratação de novos profissionais (a escola será ampliada a partir do ano que vem) o valor base é de 72 reais, mas os estudantes que requererem a bolsa de demanda social passam por uma comissão e podem receber o valor integral, de 144 reais.

Guilherme: Eu acho que ele tava perguntando, Marina, é se gente pobre consegue entrar na escola...

O.J.: Já que você tocou no assunto: gente pobre consegue entrar na escola?

Guilherme: Eu acho que qualquer processo de seleção no Brasil hoje é extremamente discriminatório. Tem uns guerreiros que fazem das tripas coração e entram.

Marina: Principalmente aqueles que precisam trabalhar, ajudar (em casa).

Guilherme: O próprio número de vagas é muito limitado. Até nisso já existe uma forma de vetar entrada.

Marina:
Na nossa época as turmas eram só de 20 pessoas, então a relação candidato/vaga era de 70, quase oitenta para uma vaga.

O.J.: O valor de 72 reais é acertado por quem? Tem participação dos estudantes?

Marina: Teve. Como somos do Grêmio, chegamos a freqüentar alguns órgãos/instituições/ entidades de decisão... Tem o grêmio e todos os laboratórios do colégio têm assento nessas reuniões. Tem bastante curso aqui, o próprio diretor diz “não é só uma escola, é uma instituição que dentro dela tem uma escola”. A gente tem aqui pós-graduação, ano que vem vai ter mestrado. São muitas coordenações, muitos laboratórios que coordenam esse Conselho Deliberativo (C.D.), que é o órgão máximo das decisões e o grêmio tem assento no C.D..

Guilherme: Quando começou esse negócio de “de fato a gente vai ter que dar um jeito nessa bolsa porque não tem pra todo mundo” foi instituída uma comissão para ver como isso seria feito. Um integrante do grêmio (no caso eu) teve o direito de participar dessas discussões. Aí a gente foi fazendo essas discussões, a gente teve participação dos alunos, que foi até muito mais expressivo do que a gente achava que ia ser.  A gente achou que tava indo lá só pra dizer que tava indo mesmo, mas a gente conseguiu contribuir bastante, eles receberam, acho que de forma boa, o que a gente tava colocando. No C.D. a diretoria apresentou outra proposta, que era bem parecida com a inicial, a gente teve direito a voto como todo membro do conselho. Pelo menos por parte dos alunos teve uma participação bem legal.

O.J.: E com 72 reais dá pra fazer o quê?

Marina: Ajudar a comer e no auxílio de livros didáticos, paradidáticos. Mas a gente tem consciência que de fato é um auxílio.

Guilherme: Também porque primeiro a gente sabe que as pessoas aqui não precisam desse auxilio. A gente não tem ninguém muito necessitado que se não tiver esse auxílio não consegue continuar na escola. Mas o fato é que como a escola pede muito, as pessoas que têm uma condição legal acabam precisando em algum mês de uma ajuda e tal...

Marina: A própria bolsa é encarada pela gente não só como uma questão que a gente precisava pra alimentação, pra comprar materiais, mas a gente acabava usando pra comprar livros, pra ir aos passeios da escola. A gente tem uma viagem de integração no meio do ano, então, o pessoal que queria ir guardava o dinheiro da bolsa pra ir pra viagem. E aqui a gente também tem muita influência da parte da cultura, então cinema, teatro, a gente acaba que vai muito e essa parte do dinheiro acaba ajudando a gente à sempre estar inserido nessa parte cultural.

Guilherme: É um incentivo...

Marina: Ajuda na própria independência do aluno. Aqui a gente não tem inspetor, não tem sinal. Quando a gente chega, eles falam: vocês chegaram aqui, então, ó, responsabilidade...

O.J.: Qual a relação de vocês com a universidade? Quem cursa o técnico tem vontade de cursar uma faculdade depois?

Guilherme: Acho que 99% das pessoas querem entrar pra faculdade. Tem uma pessoa da nossa sala que diz que não quer...

O.J.: Vocês acham que o colégio estimula vocês a entrar pra faculdade?

Guilherme: Não.

O.J.: Eles acham que “saiu daqui tá pronto pro mercado” ou encaminham pra faculdade?

Guilherme: Não, porque acho que é um colégio técnico, então ele tem que estar formando técnicos, então se espera que até os egressos daqui venham a ser técnicos. Além disso, não tem nada.

Marina: Era legal falar que o ensino médio da gente tem disciplinas que dão todo um respaldo para a formação técnica (filosofia, arte). Mas, essa questão do vestibular é muito discutida entre a gente. Primeiro: a gente não tem como se dedicar como um aluno do ensino médio normal a fazer um pré-vestibular. Tem gente que faz. A gente vai fazer ano que vem, a gente faz à noite, de meia noite as cinco a gente faz trabalhos estuda e faz monografia (risos). O vestibular não é algo que tenha ênfase, não tá nem no plano do colégio. Mas tá no nosso plano, de aluno.

Guilherme:  Acaba dando um pouco de conflito, porque a maioria das pessoas entra no colégio técnico pensando que aquilo vai ser uma alavanca prá universidade. A gente chega aqui e ouve: “Isso aí é por vocês, a gente não vai fazer absolutamente nada, a gente vai fazer o que tem que ser feito, o que se espera de um ensino médio”. O vestibular é uma das coisas que a gente mais discute aqui, tem aluno que fala que tal professor não dá base pro vestibular. Mas a nossa luta é por um ensino de qualidade, se o professor tal não prepara para a prova do vestibular, não tem problema, desde que ele dê uma aula de qualidade.
 
Marina: O ensino médio, embora alguns problemas que a gente possa apontar, comparando com outros colégios da rede estadual, até mesmo com outros colégios de ensino fundamental da rede municipal, é bastante satisfatório, mas se for comparar com colégios como o CEFET, você pode reparar que nossa infra-estrutura aqui é bem maior do que a deles.

O.J.: Que problemas vocês podem apontar no ensino daqui, tanto em relação ao técnico quanto ao médio?

Marina: Olha, o técnico seria até injusto se eu estivesse apontando alguma coisa. Só tem um, que não é do técnico, é da integração... Nosso curso (que faz o ensino técnico e o ensino médio ao mesmo tempo aqui na ESPJV) se chama integrado, só que a gente dificilmente consegue perceber essa integração. É um ponto que todos nós notamos. A gente espera que no próximo ano, que vai ter uma turma para cada habilitação, isso vá mudar... O ensino médio vai ter um currículo que vai se aliar ao técnico.

Guilherme: Porque, por exemplo, a gente vê coisa em química de manhã que a gente já viu no técnico. Essa questão de juntar vários cursos técnicos para cursarem o ensino médio junto atrapalha muito, porque tem que ver o que é melhor pra todo mundo, não acompanha a especificidade de cada curso. Tem que se optar pelo menos pior.

O.J.: E o mercado de trabalho?

Marina: A gente não é preparado para o mercado de trabalho. A gente é preparado para entender o que tá acontecendo e ajudar a melhorar, principalmente na área de saúde, junto com educação, a gente não sabe qual tá pior. A gente tem uma formação técnica que vai ser útil para o mercado... Engraçado, até para você ir contra o mercado você tem que ser inserido no mercado.

Guilherme: A gente tá inserido, mas não como objetivo último.

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