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A educação dos jovens: a escola e seus atores

Jaqueline Deister, bolsista de jornalismo do Observatório Jovem do Rio de Janeiro/UFF (O.J./UFF), entrevistou o pesquisador  Juarez Dayrell, coordenador do Observatório da Juventude da UFMG e professor da Faculdade de Educação. A entrevista aconteceu no mês de setembro, em Niterói, e tratou da relação entre os jovens e a escola de ensino médio

 

 

O.J./UFF -  “A educação escolar tende a se transformar em uma cultura entre outras”. A afirmação é da pesquisadora Marilia Simpósio. O senhor acredita que o espaço de formação escolar que engloba os jovens de 14 a 18 anos tem se tornado secundário, se comparado com a influência dos movimentos sócio-culturais (hip hop, rap, funk, por exemplo) na formação pessoal destes jovens?

Juarez Dayrell (J.D.) - Eu acho que não, considero que para os jovens a escola ainda tem um peso significativo. Agora, esse peso significativo é diferenciado. As pesquisas evidenciam que os jovens atribuem um valor muito importante à escola para o seu futuro, mas negam a escola do presente, a que freqüentam no seu cotidiano, ou seja, eles percebem a importância da formação escolar para as suas vidas, para o seu projeto futuro, mas tem uma postura crítica e uma certa negação com a escola real que freqüentam. Isso eu estou falando para determinada parcela da juventude que freqüenta escola pública, eu tenho muito pouco conhecimento de escola particular e jovens de classe média. É bom deixar bem claro que eu estou falando de parcelas de jovens das camadas populares que há uma expectativa em relação à escola, que essa escola melhore e amplie o seu grau de formação. Há precariedade de infra-estrutura e professores que não compreendem. Nesse sentido há certa resistência a essa escola real. Agora, ao mesmo tempo a função da escola mudou. Se na sociedade moderna a escola era o centro da transmissão do conhecimento, hoje em dia, ela é uma entre outros espaços educativos onde os jovens podem ter acesso à informação, ao conhecimento. Ela perdeu o monopólio da transmissão do conhecimento, nesse sentido ela concorre com outros espaços culturais, mas não significa a sua negação.

O.J./UFF -  Então, pode-se dizer que existe uma associação com os movimentos culturais?

J.D. –   Associação talvez seja uma palavra forte, porque dá a entender que há uma articulação, e ela não existe. O que a gente pode dizer é que há uma ampliação dos espaços educativos, uma multiplicidade de espaços, onde a escola é um dentre outros

O.J./UFF-  Uma afirmação muito utilizada por pesquisadores da área de educação é a de que não se nasce aluno, mas se torna aluno. O que seria fundamental para que, hoje, o jovem veja a escola não como uma obrigação, mas como um espaço de troca social e ferramenta essencial para a sobrevivência no mundo moderno?

J.D. –  É fundamental pensar no aluno, o jovem principalmente nos últimos anos com as ações sociais mais amplas. As agências de socialização estão passando por transformações significativas, a família, o trabalho, a igreja e também a escola. Nesse sentido, nas relações anteriores, quem chegava no ensino médio, já chegava socializado como aluno, já tinha as regras, a postura e hábitos internalizados. Hoje em dia não. O jovem que chega ao ensino médio, em grande parte, não se encontra totalmente socializado como aluno. Isto pode ocorrer, por uma série de fatores, dentre eles: a expansão cada vez maior da rede pública, certa massificação do ensino. Qual a saída para isso? Para mim, a condição básica é o sentido, fazer com que o jovem perceba o sentido e a importância daquele espaço, atribuindo um significado ao seu cotidiano como aluno. Atribuir um significado à aprendizagem, as relações que ocorrem naquele espaço, e essa é uma grande dificuldade. A escola tem ajudado muito pouco nessa questão de contribuir para que esse aluno atribua um sentido positivo ao seu cotidiano escolar.

O.J./UFF-  A cultura da violência e fenômenos de assassinato em massa cujos protagonistas são jovens estudantes do ensino médio, tornou-se até tema de documentário – Tiros em Columbine, 2002 de Michael Moore. O culto do medo e da insegurança muito explorado pela mídia, associou a imagem do jovem à violência. As manifestações culturais da periferia, como o funk, são fortemente associadas à criminalidade pelos meios de comunicação. Como que a escola pode atuar contra este estereótipo tão presente na mídia, se uma boa parte dos professores também é influenciada pelos discursos midiáticos?

J.D. –  O grande desafio que está posto hoje na educação dos jovens é a escola e seus atores, no caso professores e diretores reconhecerem o aluno que existe por trás de estereótipos socialmente construídos. Um desses é a violência, o outro é pensar o jovem como futuro e não como presente. Acho que o grande desafio é fazer com que a escola compreenda, conheça de fato esse jovem e suas necessidades, superando essas imagens pré-construídas. As representações geram comportamentos e posturas de transgressão por parte dos jovens, o que reforça essa questão da violência. Por exemplo, há alguns anos atrás não se falava em violência escolar, e sim em indisciplina. Hoje em dia, qualquer ato de transgressão no interior da escola se tornou violência. O aluno xingar o professor ou uma briga verbal entre alunos. As pesquisas evidenciam que as manifestações maiores de violência são verbais, coisa que até outras gerações seria uma indisciplina, nunca violência. Hoje tem um peso muito diferente, acho que é necessário todo um processo de formação dos professores para compreender esses jovens, e o contexto real no qual eles estão se formando.

O.J./UFF –   E o que precisa melhorar na formação dos professores para que eles comecem a compreender melhor os estudantes?

J.D. -  O grande nó na formação dos professores, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas, ainda é o fato desta incidir muito pouco sobre os sujeitos. Esses professores saem sem ter uma formação mais aprimorada, sem instrumentos que lhes possibilitem conhecer  esses alunos, ou no mínimo, não são sensibilizados para a importância de se conhecer os atores do processo educativo.

O.J./UFF -  Em um trecho do seu livro A música entra em cena (Ed. Humanitas), o senhor conta sobre o cotidiano de uma dupla de MCs, Flavinho e Maninho, ambos com 17 anos. O desinteresse pela leitura, cinema, teatro e shows de diferentes bandas que ocorre fora da comunidade, é apontado pelo senhor como uma característica da maioria destes jovens de baixa renda. Pode se dizer que os fatores externos à escola, ou seja, o meio social no qual o jovem está inserido é o maior responsável pelo desinteresse em atividades culturais? Ou a própria metodologia de ensino mostra este mundo de “cultura” restrito aos moradores do “asfalto”?

J.D. -  Eu diria que existe falta de acesso. É diferente. O que eu constatei na pesquisa é que para grande parte dos jovens de periferia, as atividades culturais clássicas: cinema, teatro, shows é algo muito distante pela falta de acesso à cidade, pelo preço dos transportes, pela precariedade e também pela falta de acesso às diferentes linguagens culturais. E neste ponto, a escola tem uma responsabilidade muito grande. Num processo de socialização escolar ainda há muito pouco acesso a essas diferentes expressões, no sentido de levar alunos ao teatro, a cinemas, a shows de tal forma que sensibilize estes jovens para que eles aprendam a gostar de outras formas de manifestação. Ninguém no mundo nasce gostando de teatro, de música clássica, isso é resultado de experiências que se não têm em casa, caberia a escola proporcionar. Acho que não dá para associar, dizer que o pobre não gosta de teatro. São as causas externas, a situação a qual estão relegados os jovens faz com que eles não tenham acesso a um capital cultural que possibilite uma sensibilização para estas outras expressões culturais. Mesmo assim, é interessante perceber como jovens de periferia articulam uma produção cultural significativa com o que têm. Muitas vezes, é uma produção cultural pobre porque têm pouco acesso aos instrumentos que possibilitariam uma produção cultural mais elaborada.

O.J./UFF –  A escola, principalmente a de ensino médio, está associada à expectativa de um futuro profissional. Na atual situação da educação básica do país, o senhor concorda com a frase acima?

J.D. –   Esse é um grande nó. Temos que levar em conta uma conjuntura mais ampla, que não é só a brasileira, mas sim mundial de desemprego. Não existe emprego para todo mundo, é um fato. Por outro, as parcelas juvenis são as mais penalizadas com o desemprego, na faixa etária de 15 a 24 anos a falta de emprego é duas vezes maior do que em outras faixas etárias. A questão do ensino profissional no Brasil sempre foi muito mal colocada. Primeiro havia duas redes profissionais, ou era o ensino propedêutico, científico, ou então profissional voltado para o povo e a outra para a classe média; como duas redes paralelas. Depois se tentou juntar isso com a lei 5692, obrigando todas as escolas a oferecer ensino profissional. E terminou que não profissionalizava ninguém, porque era de baixíssima qualidade, e por último ficou o ensino médio como temos hoje, sem nenhuma identidade. Nem profissionaliza e nem é propedêutico. Fica em cima do muro. Essa é uma crise que vem se arrastando há muito tempo. Tivemos uma reforma do ensino médio em 1996, que não equacionou a questão. E hoje é um desafio que o próprio MEC reconhece. Como fazer para profissionalizar? São dois desafios. Primeiro, como garantir uma profissionalização para aqueles que escolhem essa perspectiva? E segundo, como garantir a inserção destes jovens no mercado de trabalho? Existe um discurso, que está muito propalado, de que existem empregos, mas que demandam um grau de formação que os jovens não possuem, há vagas sobrando, mas não são preenchidas porque os profissionais não têm competências consolidadas. Por outro lado, temos que pensar em que medida uma profissionalização de fato vai garantir essa inserção profissional. Eu acho que isso é a própria lei do mercado que vai definir, não cabe a nós antecipar o futuro. Precisamos construir uma proposta de ensino médio que possibilite àqueles que não ingressarem na universidade, uma profissionalização de fato. É o que vemos acontecer nos CEFETs. O problema é que os CEFETs no Brasil são para uma minoria. É uma discussão que está posta. Como garantir a inserção de jovens no mercado de trabalho?

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