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Um salto da laje

Acostumados a usar casas da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, como palcos para suas apresentações artísticas, o Grupo Teatro da Laje decola e estréia em Botafogo, na Zona Sul do Rio. O espetáculo introduz no cotidiano da comunidade personagens da peça Romeu e Julieta, de Shakespeare

Foto: Rodrigues MouraPromovendo um intercâmbio entre as culturas, o Teatro da Laje teve seu talento revelado ao mundo. Após uma reportagem veiculada no Portal Viva Favela, o grupo foi pauta de várias mídias eletrônicas e impressas e só cresceu. Atualmente, os atores enfrentam mais um desafio: estreiar o espetáculo que os consagrou, Montéquios, Capuletos e Nós, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, Zona Sul do Rio.

A peça, que ficará em cartaz de 4 de novembro a 19 de novembro, tenta localizar no cotidiano da comunidade elementos de Romeu e Julieta, de Shakespeare. Na versão do elenco da Vila Cruzeiro, a disputa entre famílias inimigas da cidade de Verona é substituída pela guerra entre facções rivais do tráfico de drogas do Rio de Janeiro, que controlam, respectivamente, o “Morro dos Montéquios” e o “Morro dos Capuletos”.

Formada atualmente por 25 jovens, a companhia foi criada em janeiro de 2003, mas dois anos antes, o professor Antônio Veríssimo, 43 anos, já aguçava a curiosidade dos alunos. Durante suas aulas de artes cênicas na Escola Municipal Leonor Coelho Pereira, ele contava para a turma os romances e aventuras de Shakeaspere. Foi neste colégio que surgiu a idéia de montar o espetáculo. Daí para a criação da equipe foi um pulo:

“A idéia de colocar Romeu e Julieta no cotidiano da comunidade surgiu durante minhas aulas de arte. Até porque o universo temático do autor revela muito dessa juventude e por sua vez os meninos também resgatam muito do universo social e político de Shakespeare. A temática que atravessa é a luta pelo poder, por território. O que é um assunto muito comum no cotidiano deles, marcado por disputas de facções. Shakespeare avaliava o risco da disputa do poder para os poderosos. Nós fazemos essa reflexão pensando nos riscos que isso trás para os excluídos, ou seja, as conseqüências desastrosas para os moradores de periferia”, explica o professor e diretor artístico do grupo.

Novas trajetórias

Um dos integrantes do Teatro da laje, Daivson Garcia, 19 anos, é um dos ex-alunos de Veríssimo. O jovem diz que nunca tinha tido contato com o teatro, antes de assistir as aulas do professor. Ele encara a arte como uma oportunidade de mudar sua própria trajetória de vida:

“Antigamente eu nem tinha contato, nem sabia o que era. Só via o que falavam na televisão, no jornal, mas nunca tinha visto uma peça. Nunca tive alguém que chegasse e me chamasse para ver, muito menos conhecia pessoas que freqüentassem este tipo de ambiente. O teatro abriu meus horizontes para muitas coisas. Eu não tinha perspectiva do que fazer no futuro. Hoje quero me manter com isso. Fazer para o resto de minha vida. O teatro também ajuda para deixar a timidez. Eu era muito mais tímido”.

Parece que o sonho de Daivson, de viver como ator, está mais perto de se concretizar. Em junho deste ano, eles ganharam o prêmio Cultura Viva, oferecido pelo ministério da Cultura. O Teatro da laje ficou em terceiro lugar na categoria Tecnologia Sócio Cultural. O dinheiro recebido possibilitou ao grupo institucionalizar-se, além de viabilizar o registro como pessoa jurídica:

“Ficamos muito felizes por ganhar o prêmio. Temos somente três anos de funcionamento. Ganhamos por causa da força do projeto e originalidade da idéia. A comunidade ficou muito orgulhosa. No dia que o ministério da Cultura realizou a visita técnica, que foi a última etapa, fizemos uma apresentação na escola e convidamos a favela para assistir. Eles foram em peso! Eram mais de 600 pessoas. Outro grande feito foi o intercâmbio da garotada, a ampliação dos horizontes. Eles estão participando do próximo filme da Lúcia Murat, que por enquanto tem o nome de Sou Mais Maré. A idéia da produção é parecida com a nossa de colocar um personagem, um textos famosos no cotidiano das comunidades faveladas”, conta Veríssimo.

Há um ano no grupo, Geovane Barros, 13 anos, foi um dos selecionados para o filme de Lúcia Murat. Ele também conheceu a arte dentro de sala de aula. E o talento foi logo reconhecido por Veríssimo. Na cabeça do adolescente, ele nunca tinha pensado em ser ator:

“Foi uma participação muito rápida, mas foi uma experiência boa. Fiquei muito surpreso com o convite. Eu nem era muito interessado em tetro. Agora estou gostando muito. Estou torcendo para dar certo a carreira de ator. O pessoal da minha família também. A Vila Cruzeiro ficou muito conhecida pela morte do Tim Lopes. Estamos tentando sair desse isolamento, mostrar que aqui tem muita gente talentosa. Estamos trabalhando muito”.

A mãe do jovem ator também tem muito a agradecer à arte. A dona de casa Zenilza Barros, 32 anos, diz que o filho mudou para melhor depois que começou a interpretar: “O teatro é uma coisa boa. Dou o maior apoio. Meu filho mudou muito. Ele está mais comunicativo. Melhorou na escola. Aqui em casa damos o maior apoio para ele conseguir ir em frente. Ele tem muito talento. Fui assistir a peça e gostei muito”, diz orgulhosa.

Para quem quiser conferir de perto o trabalho dos meninos e meninas do Teatro da Laje, o espetáculo Montéquios, Capuletos e nós, poderá ser visto aos sábados e domingos, às 17h. O endereço é Rua Humaitá, 163.

Para saber mais sobre o Grupo, leia a reportagem Shakespeare na laje.

Publicado no Portal Viva Favela em 18 de outubro de 2006.