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Um outro olhar sobre o sistema socioeducativo

Afirmações a favor da redução da maioridade penal têm sido feitas de forma insistente por políticos e jornais. Por isso o Observatório Jovem decidiu que, no mês de abril, o foco principal do site seria o questionamento do atual sistema socioeducativo. Será que este sistema realmente funciona? Os jovens que saem das unidades de internação estão preparados para integrar-se à sociedade?

No Rio de Janeiro o sistema socioeducativo é responsabilidade do DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativas). Uma nova diretoria do departamento tomou posse no dia 30 de março. Esta, se quiser melhorar o sistema, terá muito trabalho pela frente. Avaliações negativas do DEGASE foram feitas por diversos órgãos, alguns internacionais, como o “Human Rights Watch”, ONG norte-americana que fiscaliza violações dos direitos humanos em diversos países.

Segundo o relatório “Inspeções de Direitos Humanos”, produzido pela parceria entre Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, as condições da unidade de internação Padre Severino, são “absolutamente inadequadas”. A superlotação é um dos fatores que chamam a atenção, porém não mais do que os relatos dos próprios adolescentes, que demonstram um sofrimento cotidiano.

A Equipe Observatório Jovem conversou com rapazes egressos da unidade de internação provisória Padre Severino. As memórias do local, longe de refletirem bons exemplos ou motivações, são relatadas em voz baixa, com a tristeza de quem ainda acorda com medo de estar atrás das grades. A violência contra os jovens cumprindo medidas socioeducativas restritivas da liberdade parece ser prática cotidiana do sistema, como relatou “D”, 22 anos, ex-detento do Padre Severino, agora educador da ONG “Se Essa Rua Fosse Minha”:

“D”: Antes de vir pra cá (Se Essa Rua Fosse Minha) eu ficava na comunidade à toa. Me envolvi com uma coisa errada, na vida do crime. Tráfico. Eu era pipeiro (soltava pipa para dar recados sobre o movimento na comunidade), aí comecei a passar umas coisas (drogas), até eu levar um tiro.  Fiquei um mês e 15 dias no Padre Severino e depois fui pro CRIAM (“Centro de Recursos Integrados de Atenção ao Menor”). Lá no “Padre” (Severino) não tinha artes nem nada, (era) pátio, hora da comida e só. Quando fazia merda, fazia coisa errada, os “seus” (agentes de disciplina) chegavam batendo. Se um fazia, todo mundo apanhava.

Observatório Jovem (O.J): O que era fazer merda? O que era coisa errada para vocês?

“D”: A gente não podia escrever o nome na parede nem fumar dentro do alojamento, se um fizesse, eles chegavam batendo em todo mundo. Às vezes os “seus” “tiravam onda”  também, aí eles pegavam seu biscoito, seu cigarro, que  as visitas levavam, e rasgavam, pisavam, só pra te esculachar mesmo.

O. J.: Como era a questão de alojamento no Padre Severino?

“D”: Na cela ficava uns vinte e poucos numa cela pra dez. Os alojamentos já eram separados por facção. Era bom você se ligar a alguma facção, ficar esperto, se não os caras roubavam tua comida, teu lanche e você não podia fazer nada. Tinha o “alojamento do Comando Vermelho”, o “alojamento do Terceiro Comando”, o dos “sem comando” (risos) que ajudavam na cozinha, eram mais quietinhos. O pior de todos era o alojamento "A", que era “dos mais mauzinhos”, não tinha saída pro pátio, não tinha nada, eles só ficavam trancados numas celas pequenas.
De lá eu fui transferido para o CRIAM de Bangu. Eu morava no (morro da) Formiga e fui pro CRIAM de Bangu.

O. J.: E no CRIAM, como era o alojamento?

“D”: Lá era bom, tinha colchão, coberta.

O. J.: Mas no “Padre” não tinha isso?

“D”: Lá era um colchão fininho numa cama de concreto, você nem sente o colchão. Coberta não tinha.

O. J.: O que você tirou de bom da sua vivência nos dois lugares, o que você aprendeu de bom lá?

“D”: Do Padre Severino não tirei nada de bom, mas do CRIAM sim, lá aprendi marcenaria e um pouco de artes. Lá tinha esportes, oficina.

O. J.: Eles te matricularam na escola?

“D”: Não me matricularam na escola não, mas o atendimento lá era legal, tinha psicólogo, assistente.

Assim como “D”, outros meninos que hoje são educadores e “circuladores de informação” da ONG, já passaram pelo sistema socioeducativo. Foram unânimes ao dizer que as recordações dos dias em que estiveram internados servem apenas para mostrar o estado de falência deste sistema, que não respeita os direitos humanos, ainda menos o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Jovens à procura de si mesmos, de suas identidades, conseguem apenas sentir que estão cada vez mais deslocados, mais repudiados pela sociedade na qual se inserem, ao passar por um sistema que deveria ressocializá-los. A violência, tanto física quanto psicológica, com a qual são tratados nas unidades de internação nutre apenas um ciclo de violência, que se reproduz na sociedade, nas comunidades e nas páginas dos jornais.

Pesquisadoras do O.J. conversam com jovens educadores da ONG Se essa rua fosse minha. Foto Marcos Vasconcellos

Algumas imagens foram retiradas de: AdPeople Comunicações

* Marcos Vasconcellos é aluno do Curso de Jornalismo da UFF e bolsista do Observatório Jovem/UFF

Leia mais sobre o assunto em:

"Direitos Humanos, um retrato das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei"

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