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Plano Nacional de Juventude – encontros e desencontros

Nos últimos três anos, o debate sobre a necessidade de definição de um campo especial de políticas públicas destinadas à juventude se intensificou no Brasil

No âmbito do Executivo federal pode-se destacar a criação da Secretaria Nacional de Juventude e do Conselho Nacional de Juventude em 2005. O Legislativo federal criou, em maio de 2004, a Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude da Câmara dos Deputados (Cejuvent).

A Cejuvent realizou várias audiências públicas em Brasília para ouvir especialistas e representantes de organizações e movimentos sociais envolvidos(as) com o tema da juventude e elaborou o Plano Nacional de Juventude (PNJ) na forma de Projeto de Lei (PL 4530/04).

O texto foi levado por parlamentares integrantes da Cejuvent a debate em seminários regionais durante 2004. Agora, a comissão está elaborando um substitutivo ao texto original do projeto. Nos dias 30 e 31 de março, acontecerá, em Brasília, o Seminário Nacional de Juventude, como mais uma etapa do processo de "escuta da sociedade para a elaboração do PNJ"1.

Delegados(as) eleitos(as) em seminários regionais realizados desde meados do ano passado estarão presentes em Brasília. Comparecerão também representantes de grupos, organizações e movimentos que discordam da maneira como alguns seminários regionais foram realizados. Reconhecendo a importância da elaboração de um Plano Nacional de Juventude que espelhe as demandas de setores diversificados da juventude, irão levar contribuições e propostas, sem deixar de lado um olhar crítico sobre o processo.

Consultas conturbadas

Os seminários regionais e nacional não têm caráter deliberativo, mas consultivo. São tentativas da Cejuvent de coletar contribuições junto à sociedade, buscando tornar o plano reflexo de seus anseios e demandas.

A primeira rodada de consulta aconteceu em 2003 e 2004, a partir de uma versão preliminar do plano. Já nesse primeiro momento, as consultas realizadas em diversos estados foram bastante conturbadas e bem pouco representativas das juventudes locais.

A condução do seminário nacional, em 2004, apenas confirmou o que vinha ocorrendo em muitos estados: muitas disputas, poucas propostas e pouquíssimo interesse de parlamentares em investir em metodologias capazes de garantir a participação efetiva de setores diversificados da juventude brasileira.

Muitas pessoas e grupos denunciaram a forma como o processo vinha sendo conduzido, procurando encará-lo como momento de aprendizado dentro da muito recente discussão de políticas públicas de juventude no Brasil.

Com a consolidação da temática por meio da institucionalização de espaços para as políticas públicas de juventude no Executivo nacional, era de se esperar que, nesse momento de consulta, houvessem avanços significativos no processo e no debate. No entanto, não é isso o que se nota.

Deputados(as) de vários estados onde vêm sendo realizados seminários desde o final de 2005 reproduzem os mesmos equívocos na condução do processo, que vão desde o total desinteresse até a apropriação partidária de muitos seminários.

Fóruns, setores dos movimentos juvenis e organizações da sociedade civil de diversos estados como Amazonas, São Paulo e Rio de Janeiro, para ficar em alguns exemplos, denunciaram a forma de condução dos processos e organizaram (ou ainda estão organizando) atividades, oficinas e seminários paralelos àqueles de deputados(as) numa tentativa de ampliar o debate, colocando em evidência as falhas do processo e buscando interferir diretamente no plano.

No Rio de Janeiro, como em outros estados, diversos setores da juventude fluminense não ficaram sabendo do "seminário oficial" – realizado em 9 de março, em Volta Redonda – e buscaram organizar evento alternativo, que acontece em 28 de março, a partir das 14h, na Uerj (Auditório 111/ 11º andar), organizado pelo Fórum de Juventudes do RJ em parceria com outras instituições como Ibase, Observatório Jovem do RJ/UFF, Rede Jovens Brasil – Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Instituto de Imagem e Cidadania, Viva Rio, Comissão de Juventude da Alerj etc.

É importante saber que, nesse caso, as contribuições e críticas ao plano tiradas no seminário irão se somar àquelas do "seminário oficial", ou seja, àquele organizado por um dos deputados federais que representam o Rio de Janeiro na comissão.

No âmbito federal, houve a tentativa de aproximar a comissão do recém-criado Conselho Nacional de Juventude – os(as) atuais conselheiros(as) tomaram posse em agosto de 2005. No conselho foi tirada uma comissão para acompanhar os trabalhos da Cejuvent, buscando contribuir para uma interlocução crítica entre conselho e Legislativo.

O relatório da comissão do conselho (pág 1 e pág 2) ressalta a importância da criação de um Plano Nacional de Juventude, mas relata as dificuldades encontradas nos seminários estaduais e a falta de interação da comissão com o conselho, que não disponibilizou a listagem dos(as) delegados(as) eleitos(as) nos seminários já realizados ou suas atas, nem o substitutivo do plano para que os(as) conselheiros(as) pudessem se preparar para audiência realizada em 9 de março com presidente e relator da Cejuvent. A audiência reforçou a idéia de que o processo parece importar menos do que os resultados. A seguir, o conselho votou pela não participação oficial no seminário nacional a fim de não legitimar um espaço construído num processo bastante tumultuado e sem o diálogo esperado pelos(as) conselheiros(as). Isso não impedirá a participação individual dos(as) representantes do conselho que queiram e possam estar presentes.

É lamentável que um importante momento na consolidação de direitos da juventude e de diretrizes para políticas públicas capazes de garanti-los seja marcado por mais erros do que acertos. É certo que a democracia não é algo acabado, mas se faz no próprio processo que é também um aprendizado. No entanto, e por isso mesmo, é necessário cuidar mais desses processos para que se tornem contribuições para a consolidação da democracia.

A maneira como a consulta para a elaboração do PNJ vem sendo conduzida desde 2004 corrobora uma triste constatação da pesquisa Juventude Brasileira e Democracia – participação, esferas e políticas públicas (Ibase, Pólis, 2005): apesar de acreditarem na política para gerar e consolidar transformações estruturais, 64,7% dos(as) jovens não acreditam que políticos defendem os interesses da população.

Na mesma pesquisa, 85% dos(as) jovens pesquisados(as) concordaram totalmente que é preciso abrir canais de comunicação entre cidadãos(ãs) e governo, o que indica que dão importância a essa relação e denota que os canais existentes são desconhecidos e/ou insuficientes.

A maneira como muitos(as) deputados(as) conduziram os seminários em seus estados mostra um profundo desrespeito com a juventude brasileira em sua pluralidade e não contribui para uma necessária repactuação entre jovens e políticos. Ao contrário, reforça um abismo que muitos políticos comprometidos com a democracia, grupos e instituições da sociedade civil vêm lutando há décadas para superar.

Espera-se que ao menos o seminário nacional que acontecerá na próxima semana (dias 30 e 31 de março de 2006) em Brasília seja mais sensível às vozes dissonantes e se constitua como espaço de participação para setores da juventude dispostos a contribuir com a formulação de um Plano Nacional realmente democrático, não só em seu texto final, mas também no processo de elaboração de tal documento, para que seja mais participativo e inclusivo.

Setores descontentes de vários estados vêm se articulando nos últimos meses por meio do Fórum Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis (FNMOJ) a fim de levar críticas e contribuições conjuntas. Após o seminário, entidades, movimentos, grupos e pessoas ainda terão 15 dias para enviar suas contribuições. Como se trata de um processo consultivo, a decisão final do que entra será, evidentemente, dos deputados federais que fazem parte da Cejuvent.

Por isso mesmo, é fundamental que a sociedade esteja atenta, pressionando a Cejuvent para que o PNJ, mais do que um grande mosaico de idéias e propostas, possa ser a expressão de demandas e necessidades de diferentes setores da juventude.

*Pesquisadora do Ibase e titular do Conselho Nacional de Juventude

Nota de rodapé: O Plano Nacional de Juventude traz diagnósticos e diretrizes para políticas de juventude e pretende ser referência para as políticas de juventude nos próximos anos. Entre os seus principais objetivos está o de "incorporar integralmente os jovens ao desenvolvimento do país, por meio de uma política nacional de juventude, voltada aos aspectos humanos, sociais, culturais, educacionais, econômicos, desportivos, religiosos e familiares". O documento está dividido em 12 temas que buscam contemplar questões que dizem respeito diretamente à juventude brasileira.

Mais informações:

www2.camara.gov.br/internet/eve/juventude
www.andi.org.br/

 

Publicado na Agência Ibase em 23/03/2006.