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Outros direitos assegurados

9/10/2011
Estatuto_da_Juventude.jpgRaquel Junia - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Aprovado na Câmara dos Deputados, estatuto garante, no papel, vários direitos aos jovens, entre eles à educação e à saúde integral. Mas quais os desafios para que o país avance em políticas públicas para a juventude?

No dia seguinte à aprovação do Estatuto da Juventude, os jornais destacaram, sobretudo, a garantia aos jovens da meia passagem nos transportes intermunicipais e interestaduais, independentemente da finalidade da viagem, como afirma o texto aprovado. O jornal O Globo pontuou que o estatuto prevê desconto nas passagens “até para turismo”. A garantia de meia entrada em eventos “de natureza artístico-cultural, de entretenimento e lazer, em todo o território nacional” pelo estatuto também foi destacado. O presidente do Conselho Nacional de Juventude, Gabriel Medina, critica esse foco, sobretudo, aos itens do estatuto que significam despesa. “Isso é um investimento, não é um custo. O meio passe não deveria ser restrito aos dias da escola, mas muitas vezes é. O jovem tem uma cota de passe ou só pode utilizá-lo no dia de semana. Isso impede que a juventude utilize esse benefício para poder acessar a cultura e ter lazer, que é um elemento fundamental desse período da vida. O estatuto dialoga com a necessidade de que o jovem possa experimentar coisas variadas e conhecer o país. Hoje é difícil os jovens viajarem, irem ao cinema, ao teatro, conhecerem as manifestações da cultura popular. A mobilidade hoje é um tema muito importante. As manifestações pelo passe livre foram uma das maiores expressões de mobilizações de jovens, já que, de fato, hoje muitos jovens ficam limitados ao próprio bairro, porque moram em periferias distantes, não têm recursos”, explica.

Para o professor Paulo Carrano, a ampliação do direito à mobilidade é um dos elementos mais importantes do Estatuto. “A independência da finalidade da viagem é um avanço significativo, pois reconhece que o estudante pode ser jovem, mas que nem todo jovem é estudante. E que, mesmo assim, ele tem direito à mobilidade, condição fundamental para sua busca de melhor capacitação social, educacional e cultural”, defende. Carrano observa que o tema é polêmico porque pode incidir no lucro dos setores privados de transporte, que exigirão subsídios estatais para o que prevê o estatuto. O texto afirma que o direito será garantido conforme as legislações estaduais e municipais, e expressa que tanto o benefício da meia passagem quanto a extensão do programa de transporte escolar de forma que ele abarque os jovens do ensino fundamental, médio, superior no campo e na cidade devem ser custeados preferencialmente com “recursos orçamentários específicos extra tarifários”.

A deputada Manuela D’ávila afirma que a garantia do transporte para os jovens é essencial para que tenham uma educação integral. “Jamais iríamos propor algo irreal ou impraticável. O texto é claro e diz que respeitam-se as leis municipais e estaduais. É justo que alguém que more na região metropolitana do Rio de Janeiro pague passagem inteira pra ir para a faculdade à noite, tendo trabalhado o dia inteiro? Cultura e lazer, da forma como propomos, é educação integral. Todos defendem a educação integral, certo? Mas ela precisa ser pensada também dessa forma, e não só na forma tradicional de um dia inteiro dentro das escolas”, argumenta.

O Jovem e a política

Para efetivar o direito dos jovens à participação social e política, o Estatuto afirma que o Estado e a sociedade devem promover a participação da juventude na elaboração das políticas públicas para os jovens e na ocupação de espaços públicos de tomada de decisão. A pesquisa Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas, de 2005, realizada por uma rede de instituições, entre elas o Observatório Jovem, mostrou que 65,6% dos jovens procuram se informar sobre a política, embora não participem dela pessoalmente, enquanto 24,7% afirmaram que não procuram se informar e nem participar politicamente. Apenas 8,5% dos mais de oito mil jovens ouvidos em sete regiões metropolitanas afirmaram que se consideram pessoas politicamente atuantes. Apesar do aparente desinteresse, os organizadores da pesquisa reforçam que uma análise cuidadosa dos dados revela que a maioria dos jovens entrevistados demonstra interesse pelos assuntos da política. “Ainda que não participem diretamente nos espaços reconhecidos como do domínio da política, demonstram participar de determinada esfera pública ao buscarem informações sobre a atividade política”, afirmam os pesquisadores.

Para Manuela D’avila, nesse aspecto é importante reconhecer a juventude no momento em que ela vive. “A juventude que lutou em 1964, por exemplo, tinha uma realidade muito diferente da que temos hoje. Infelizmente há uma visão equivocada de que os jovens estão distantes da política, estão apáticos. E são vários os motivos que alteram essa realidade. Hoje, o jovem brasileiro estuda e trabalha, 88% deles são das classes C, D e E. Eles colocam em casa, R$ 53 reais para cada R$ 100 reais que seus pais colocam. Ou seja, os jovens estão atuando. Estão conquistando seu espaço, se especializando, batalhando. Isso é uma forma de participação. Agora, na política, para que tenhamos mais jovens, é preciso uma reforma política bem estrutural. E o país ganharia muito com isso”, diz.

De fato, a pesquisa Juventude Brasileira e Democracia mostrou que em grupos de diálogos realizados no âmbito do estudo, os jovens falaram muito sobre a necessidade de “fazer alguma coisa”, engajar-se em algum tipo de ação que se possa perceber os resultados. Do total de jovens entrevistados, 28,1% informaram fazer parte de algum tipo de grupo, com destaque para grupos de orientação religiosa, esportiva e artística e 18,5% disseram ter algum tipo de participação em reuniões de melhorias ou movimentos voltados ao bairro ou à cidade. A pesquisa alerta: “A escolaridade é determinante da cultura participativa, ou seja, quanto mais elevada for, mais o jovem buscará se informar e se perceberá politicamente ativo”.

Pelo Estatuto, o poder público deve incentivar, fomentar e subsidiar o associativismo juvenil e a interlocução deste com o poder público. Para garantir essa interlocução, o estatuto propõe como diretrizes a criação de órgão governamental específico para a gestão das políticas de juventude e também a criação dos conselhos de juventude em todos os entes federados. Para Gabriel Medina, o país ainda tem muito que avançar nas duas diretrizes. No plano nacional foi criada em 2005 a Secretaria Nacional de Juventude, que, de acordo com o próprio órgão, é responsável por articular os programas e projetos destinados aos jovens de 15 a 29 anos. “A secretaria foi criada com esse objetivo de articular as políticas públicas no interior do governo e ser um órgão de execução de algumas ações. Mas hoje, ela ainda é muito aquém do que gostaríamos. Antes da campanha eleitoral para a presidência, falamos muito sobre a necessidade de uma secretaria da juventude com o status de ministério, assim com temos a Secretária de Políticas para as Mulheres e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), mas infelizmente esse não foi o entendimento do governo. Manteve-se uma secretaria especial ligada à Secretaria Geral da Presidência, com um orçamento muito pequeno para conseguir de fato enraizar as políticas de juventude no governo federal, na relação com os ministérios e também ter capacidade de gerir uma agenda na relação com os municípios e os estados”, avalia Medina.

Segundo o conselheiro, a situação nos estados e municípios também não é satisfatória. “Os órgãos de juventude estão localizados em lugares muito diferentes. No caso de Minas Gerais, por exemplo, está na Secretaria de Esporte e Lazer, em São Paulo já esteve na Secretaria de Relações Institucionais, depois voltou para a Secretaria de Esportes, como uma coordenadoria. Já no Rio Grande do Sul é ligado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, e, de modo geral, as dotações orçamentárias são muito pequenas”, enumera. De acordo com Gabriel Medina, em nenhum estado há uma secretaria específica de juventude. No Paraná, há uma Secretaria de Infância e Juventude e no Maranhão, existe a proposta por parte do governo estadual de criação de uma secretaria, mas que ainda não foi oficializada. “Existe uma concepção por trás desse problema que é a ideia de que a juventude tem que estar no esporte, por exemplo. É uma ideia muito carregada de uma concepção de juventude como um momento no qual se expressa um comportamento de risco, e que, portanto, o Estado tem que criar política de ocupação desse tempo ocioso para que o jovem não faça besteira, sobretudo em relação à violência, à sexualidade e às drogas. É uma visão muito comum que permeou a concepção da juventude no Estado e na sociedade e que acaba atrapalhando a possibilidade de construção de uma política que aponte para a autonomia e a emancipação dos jovens, como uma fase da vida que porta direitos, que devem ser fomentados, nas mais variadas áreas, para que o jovem possa ter um desenvolvimento integral”, comenta.

Carrano alerta também que de nada adianta criar secretarias se elas não tiverem condições reais de influenciar nas políticas. “Os setoriais de juventude nos diferentes governos têm conseguido, quando muito, ampliar o campo de representações positivas sobre os direitos dos jovens, sem que consigam ganhar efetiva influência na máquina pública. A ausência de orçamentos para esses órgãos executivos ou colegiados é a expressão da posição subordinada das políticas de juventude nos aparelhos do Estado”, pontua.

Direito à igualdade

Outro tema que merece atenção do Estatuto da Juventude é o direito dos jovens a não discriminação por motivo de etnia, orientação sexual, religião, condição social, aptidão física, entre outros. O documento lista ainda uma série de medidas para promover a igualdade, como a capacitação dos professores do ensino fundamental e médio para a aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais no que se refere ao enfrentamento de todas as formas de discriminação; e a inclusão de temas relacionados à sexualidade nos conteúdos curriculares, respeitando a diversidade de valores e crenças. Segundo Manuela D’avila, esta ultima medida foi fruto de um acordo entre a bancada evangélica e a bancada que defende os direitos homoafetivos. “Pela primeira vez na história da Câmara conquistamos um acordo entre essas duas bancadas, que sempre tiveram uma relação belicosa, tensa. E, por entendermos que o Estatuto é algo fundamental, chegamos a um acordo. Mantivemos no texto os temas relacionados à sexualidade, falamos do preconceito homossexual, também pela primeira vez reconhecido, e a crença religiosa. Foi um acordo inédito, que nos fez virar uma página na Câmara, a página da intolerância”, defende a deputada.

O professor Paulo Carrano discorda, entretanto, dessa análise: “Esta foi a concessão de um Estatuto de alma democrática ao viés conservador e discriminatório que busca cercear o livre direito à diversidade sexual. A ressalva ‘respeitando a diversidade de valores e crenças’ é aparentemente inócua, mas traz em si o germe da discriminação e a justificativa do boicote aos projetos educacionais orientados para a proteção de minorias sexuais e a educação para a diversidade, tão necessários à formação do povo brasileiro”. Para ele, da forma como está, o texto pode alimentar a discriminação. “Abre a porta, ainda, para a prática discriminatória e segregacionista que acredita e professa que a homossexualidade é doença passível de cura administrada por profissionais ideologicamente comprometidos com preceitos religiosos discriminatórios. Compreendo o contexto político da concessão, porém, lamento a sua inclusão no Estatuto da Juventude”, diz.

Carrano destaca que o estatuto “avança conciliando”. “Há um risco de alterações conservadores no Senado Federal e por isso devemos ficar vigilantes. De qualquer forma, a despeito das contradições do papel, é na prática social que o direito se configura. Neste sentido, o estatuto não assegura nada, simplesmente, e isso já é bom, sinaliza princípios político-pedagógicos majoritariamente democratizantes que devemos perseguir na luta social pelo aprofundamento da justiça e da igualdade no Brasil”, conclui.
 

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