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Movimento é expressão das demandas políticas da juventude das periferias

 Folha de S.Paulo

GABRIEL DE SANTIS FELTRANESPECIAL PARA A FOLHA

Há dois modos usuais de se conceber o conflito social. O primeiro o vê negativamente, por aquilo que o conflito destrói: a ordem civil, a boa convivência entre pares, o passeio no shopping. Identifica-se sua causa --o desordeiro-- e sua repressão reestabelece a ordem. Essa lógica, no limite, é a da guerra. O inimigo nos ameaça, sua eliminação nos devolve a paz.

O segundo modo de conceber o conflito social o enxerga positivamente, por aquilo que ele produz: ele deixa claro as diferenças entre desiguais e cria um espaço potencial no qual se poderia negociá-las, em pé de igualdade.

Essa visão, em última instância, é a aposta democrática: criar espaços de negociação política igualitária em universo social inevitavelmente desigual. Desse conflito resultam direitos e não repressão. Por exemplo, conflitos entre patrão e empregado produzem direitos do trabalho.

Há dois modos opostos, portanto, de lidar com o conflito que emana dos alto-falantes de jovens favelados, agora nos shoppings centers.

O primeiro é silenciá-los à força. A desordem deve ser reprimida em prol da boa convivência mercantil.

O segundo é escutar a diferença que enunciam em suas músicas. O samba dos morros já a cantou, depois o rap, hoje o funk. Ritmo, letras e corporalidade são cada vez mais agressivos, por que será? O volume, nem se fala: o canto virou grito e, pasmem, segue inaudível.

Jovens que nasceram nas periferias nas duas últimas décadas estão bradando suas demandas políticas em porta-malas de carros financiados. Quadras em "p" resumem ali as alternativas em pauta: "Poder e Paz para o Povo Preto" ou "Prisão do Preto Pobre e Periférico"?

A população carcerária cresce em todo o país --em São Paulo quintuplicou em duas décadas. Como diz o rap: "Se quer guerra, terá/ Se quer paz, quero em dobro".

Quanto mais se tentar silenciar esses meninos à força, ao invés de escutar o que têm dito, mais barulho eles vão fazer. Ainda há escolha.

GABRIEL DE SANTIS FELTRAN, 37, é professor de sociologia da UFSCar e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole/Cebrap

 

Fonte: Folha de S.Paulo - 13.01.2014