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Militância pede apoio às cotas

Sistema que reserva vagas para negros em universidades deve ser mantido, segundo ministro da Igualdade Racial

 

 

 
Brasília – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, recebeu ontem militantes da causa negra. Eles pediram apoio da Corte para que seja mantido o sistema de cotas raciais em universidades, atualmente presente em 54 instituições de ensino do país (beneficiando 138 mil alunos) e questionado por uma ação de inconstitucionalidade. “A cota é um projeto para transformar o Brasil em um espaço de solidariedade, de justiça e de inclusão”, afirma o frei franciscano Davi Santos, diretor da Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes (Educafro).

O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, disse que o Brasil vai manter a adoção de cotas para negros em universidades e empregos públicos, na tentativa de corrigir o legado da escravidão. Ele afirmou a jornalistas que a abolição “foi incompleta, e os negros continuam na parte mais baixa da pirâmide social”. Alguns setores reagem com veemência às propostas. A entidade que reúne faculdades e colégios particulares foi à Justiça contra as cotas, e o STF deve se manifestar nos próximos dias.

No Brasil, a adoção de cotas ainda depende da vontade de cada instituição. Há cinco anos, a Universidade Estadual do Rio (Uerj) tornou-se a primeira universidade brasileira a adotar o sistema. Carta-aberta feita por 113 intelectuais, sindicalistas, artistas e empresários brasileiros considerou o sistema de cotas inconstitucional e discriminatório contra os pobres de outras raças.

Frei Davi, durante o encontro com o ministro Gilmar Mendes, rechaçou a idéia, sustentada na ação de que o sistema seria um tratamento desigual entre brasileiros. “É justamente o contrário. (As cotas) vêm consertar um Brasil onde 97% do povo nunca teve oportunidade de entrar numa universidade”, ressalta o religioso. Um grupo de estudantes protocolou no STF um documento, com pouco mais de 700 assinaturas, em favor das cotas e da manutenção do ProUni — programa do governo federal que reserva vagas para estudantes da rede pública e minorias em instituições privadas e que também é alvo de outra ação de inconstitucionalidade no STF.

Coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília, Nelson Inocêncio aponta a falta de consenso dentro do governo federal em relação à ação afirmativa nas universidades como a principal barreira para a implementação do sistema. No Rio de Janeiro, estudantes foram às ruas defender as cotas. Com cartazes, apitos e nariz de palhaço, reivindicavam mais investimentos para a população negra. Frases como “A princesa não é santa” e “Os pretos continuam morrendo… nas favelas”, estampavam os cartazes.

IGUALDADE O número de negros se igualará ao de brancos no Brasil ainda este ano, pelas projeções do Instituto Brasileiro de Economia Aplicada (Ipea). Estudo elaborado pela entidade e divulgado ontem, em plena comemoração dos 120 anos de abolição da escravatura, mostrou que em 2010 a população negra no Brasil, atualmente 49% do total, será maioria absoluta.

Para Mário Theodoro, um dos coordenadores do estudo intitulado Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição, o aumento do número de negros está relacionado a dois fatores. “A taxa de fecundidade da população negra e parda explica parte desse fenômeno. Além disso, há também a valorização maior da cultura afro por parte da sociedade, que leva os negros a se autodeclararem nos censos”, diz Theodoro.

O estudo aponta que as estatísticas de acesso à educação, maior bandeira defendida pela militância negra, melhoraram. Em 1976, primeiro ano da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad), o número de negros com até 30 anos que tinham concluído o ensino superior não passava de 0,7%, enquanto o de brancos atingia 5% – seis vezes maior. Em 2006, a taxa de negros nos bancos com educação universitária passou para 4,9%. A de brancos subiu para 18% – pouco menos de quatro vezes a mais.

Diferença na renda
O estudo do Ipea mostra que nos últimos cinco anos o rendimento da população negra, em média R$ 578,24 per capita, aumentou, com uma tendência a se tornar igual à do branco, hoje de R$ 1.087,14. Esse crescimento, entretanto, pode ser estagnado em breve. “É a primeira vez que isso ocorre. A explicação está nos programas de transferência de renda. Mas como o Bolsa Família opera no limite, atendendo a quase todos que necessitam, creio que essa curva ascendente deve se estabilizar. A partir de agora, temos que apostar em outras ações”, diz Mário Theodoro, um dos coordenadores do estudo. Entretanto, a desigualdade de renda em relação aos brancos, que ganham 53% a mais atualmente, só deve ter fim, segundo a projeção do Ipea, daqui a 32 anos, ou seja, em 2040.