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Maioridade penal

Em artigo, o jornalista do jornal O Tempo, Oswaldo Antunes, comenta os paradigmas da maioridade penal
Segundo o  articulista, o que precisa ser corrigido é omissão dos poderes públicos e seus agentes com o que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina

Na visão moral, o crime não compensa. Mas esse refrão, na prática, é controverso e permite aos aéticos cometer delitos graves, sem punição: as principais razões da criminalidade - falta de cultura, máeducação ou viciosa organização do Estado -, por serem mais da ordem social do que individual, acabam sendo aceitas como de inevitável perpetuação.

Em comentário anterior abordamos a hipócrita passividade liberal que permite legislar bem e executar mal. O caso do Estatuto da Criança e do Adolescente é exemplo pungente. Pretendeu-se dar aos menores a proteção integral, isto é, "assegurar-lhes com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária". Para que todo bem se tornasse possível, a lei determinou que fosse dada às crianças todas e adolescentes a primazia de receber proteção e socorro e a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; tanto quanto na formulação e na execução de políticas sociais. E privilegiou a destinação de recursos, o que também não é feito.

O que se vê na realidade são crianças abandonadas e adolescentes socialmente excluídos, fora também da proteção do Estado. E, além de vítimas do abandono, da falta de oportunidade para se educarem e profissionalizar, ficam à mercê do tráfico de drogas e da exploração da sua fragilidade por criminosos adultos. Quando, como conseqüência do desvirtuamento da lei, cometem pequenos delitos, o órgão encarregado pela sociedade de acolhê- los e zelar pelos seus direitos nada mais é do que uma prisão inadequada e cruel. Ali não há como proteger os de faixa etária menor e os primários. A natureza menos grave do fato causador da apreensão, que recomendaria uma recuperação educacional, não pode ser levada em conta. Os menores de 12 ou 13 anos, que agiram sem dolo, são colocados como aprendizes de criminosos prestes a atingir a maioridade e deles recebem orientação para o crime hediondo.

Por isso, e o mais que ocorre em razão da prevaricação dos responsáveis, a redução da maioridade penal não é solução para seu abandono. Pode ser feita como cataplasma, mas não resolve. Oque precisa ser corrigido é a antiga, constante e revoltante omissão dos poderes públicos e seus agentes. E verificar que essa omissão é conseqüência de desvios na ordem e nos recursos públicos; pune-se o furto de uma criança, mas os delitos privilegiados, como o grande estelionato, são consentidos.

A disputa do espólio de influente político falecido pode ilustrar bem essa inversão. No caso,o crime, apesar de suas nefastas conseqüências sociais, compensa a quemo comete. Prejudicada fica a nação, atingida na sua origem,, a infância. Enquanto herdeiros da batota a reivindicam perante a Justiça cega, à vista de todos é penalizada a criança do morro e da cracolândia.

Publicado originalmente em 04/04/2008
Pelo jornal O Tempo, por Oswaldo Antunes