Acervo
Vídeos
Galeria
Projetos


Entrevista: Alaiane Silva, representante da Casa da Mulher Trabalhadora (CAMTRA)

No mês em que se comemora o dia internacional da mulher, 8 de março e o dia internacional de luta pela eliminação da discriminação racial, 21 de março, conversamos com Alaiane dos Santos Silva de 23 anos. Jovem, negra, mulher. Ela participa há 7 anos da organização não governamental Casa da mulher trabalhadora (Camtra), que luta por maior autonomia e participação feminina na sociedade. Alaiane conta um pouco sobre juventude, preconceitos e sua experiência com a militância. “Queremos ser sujeitos de nossa própria história”, afirma

1.Quando e como começou sua militância?
Sou militante feminista, conheci o movimento a partir das formações que a Casa da Mulher Trabalhadora - Camtra fazia no Instituto de Educação Sarah Kubitschek em Campo Grande – Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde cursava em 2002 o terceiro ano do curso de formação de professoras(es), até início de 2004 era multiplicadora do Núcleo de Mulheres Jovens da Camtra, e depois fui convidada a compor a equipe da Camtra, já são 7 anos.

2. O que motivou você a se engajar?
No segundo semestre de 2003 o Núcleo de Mulheres Jovens da Camtra convidou o grupo de multiplicadoras a participar do primeiro encontro regional da Marcha Mundial das Mulheres, em Belo Horizonte, para discutir a cartilha da Campanha do Aumento do Salário Mínimo na perspectiva feminista. Lá percebi, na diversidade das mulheres presentes, que tínhamos questões comuns e éramos solidárias as causas uma das outras. Aos poucos fui aprendendo o que significava ser feminista, a importância da solidariedade entre as mulheres, quantas desigualdades haviam na sociedade que não percebia e que muitas vezes eu mesma reproduzia, principalmente quando se tratava do racismo e machismo. Fui começando a pensar de forma diferente e a querer manifestar minha indignação.

3.Como você vê a organização de jovens atualmente?
A juventude tem, hoje, a capacidade de se organizar de outras maneiras que sejam pertinentes a realidade atual. Há uma pluralidade maior de formas de organização, que permite mais jovens no engajamento de diversas lutas. Essa pluralidade, por outro lado, pode nos dar a impressão de que a juventude não está organizada, pois não seguem o mesmo ‘padrão’ dos primeiros movimentos que aglutinavam jovens, mas na verdade as ações são descentralizadas. Ainda há organizações e movimentos de jovens que não discutem questões referentes as juventudes, ou que se organizam seguindo um modelo herdado, mas acredito que são características fundamentais num grupo de jovens a troca de experiências entre as(os) próprias(os) jovens e a discussão de questões gerais na perspectiva da juventude.

4. Quais são as principais dificuldades e aprendizados dos(as) jovens para estar em oganização ou movimento?
A questão financeira é uma das principais questões. Algumas pessoas não têm sequer o dinheiro da passagem para ir a uma atividade. Outra, principalmente para as meninas, é o fato das mães não deixarem sair para longe de casa, e muitas ainda atribuírem juventude organizada a desordem social. Também há a falta de conhecimento sobre grupos, organizações e movimentos que levantam bandeiras diferentes das vistas na mídia. Porém, aprendemos que há outras maneiras de pensar, que podemos questionar, nos indignar e manifestar sem ter medo de ser punida porque somos, ou deveríamos e queremos ser, cidadãs de direitos, protagonistas de nossas próprias histórias.

5. De que forma os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil vêm contribuindo para a democratização e para a garantia dos direitos dos jovens?
Contribuem com a informação e formação política, pautando ao Estado a necessidade de políticas públicas, incentivando e apoiando a participação política e a auto-organização, escutando as demandas das juventudes e entendendo a necessidade de suprir essas questões.

6. Que direitos devem ser garantidos com mais urgência e como a juventude pode contribuir para isso?
Acesso à escola e sua permanência nela; qualificação profissional; garantia de vida, com acesso a saúde e fim da violência, maior causa de morte entre a juventude; garantia de ir e vir, sem medo de ser estuprada e morta ou ‘confundido’ com bandido na favela; possibilitar a vivência da sexualidade na sua diversidade, sem discriminações. No Brasil, os direitos básicos são garantidos por lei, mas estão longe de ser realidade. Por ser a parcela mais atingida. a participação da juventude para a efetivação desses direitos é imprescindível. É importante se informar e denunciar a violação dos direitos, participar da construção e monitorar a implementação de políticas públicas, questionar o modelo de sociedade que nos é imposto.

7. Como você vê a atuação governamental em relação à juventude no Brasil?
O governo brasileiro vem se comprometendo com as demandas da juventude, por exemplo com o processo e a realização da Conferência Nacional de Juventude e implementação dos conselhos de juventude. Porém, as conquistas que obtivemos surgem da pressão das organizações e movimentos pautando as nossas necessidades, pois a realização das conferências não garante a implementação das políticas públicas e a implementação dos conselhos não garante o monitoramento das mesmas. Além disso, muitas das políticas existentes hoje não foram elaboradas com a participação das(os) jovens e, por isso deixam muito a desejar.

8. Qual sua opinião sobre a militância da juventude negra brasileira?
A militância da juventude negra é importante, principalmente, pelas questões específicas que atingem essa população. Essas questões podem até ser faladas por jovens de outras raça/etnias, mas quem sofre na pele a discriminação são as(os) negras(os).

9. O que você pensa sobre as políticas públicas de ações afirmativas?
Necessárias e de reparação, mas não suficientes. As ações afirmativas incorporam pessoas negras onde o preconceito e a discriminação durante séculos as impediram, e ainda impedem, de estar. Se não fomos tratadas com igualdade até hoje, como é que seremos iguais nas oportunidades?
Por isso são necessárias a lei de cotas, a lei 10.639 (atualmente 11.645), e tantas outras ações afirmativas.

10. Quais são os principais preconceitos sofridos pelas mulheres, em especial as jovens, brasileiras? O que falta para que a mulher derrube essas barreiras?
Nós mulheres passamos por diversos preconceitos e riscos todos os dias, da hora que acordamos até a hora que vamos dormir. Somos educadas aprendendo que nosso lugar é em casa e que devemos esperar o grande amor para lavar, passar e cozinhar pra ele e que dessa maneira seremos muito felizes desde que sejamos submissas. Falta a sociedade compreender que o sexo, mulher ou homem, não pode determinar relações hierárquicas. A superação das barreiras para o enfrentamento dos problemas das mulheres compete a toda sociedade.

11. Como é "ser mulher, jovem e negra" hoje?
Difícil. Quase sempre significa sinônimo de pobreza. E com isso, assumir as tarefas de casa, se desdobrar entre estudos, ser revistada ao subir ou descer o morro por policiais (homens) por ser taxada de “mulher de bandido” ou “vagabunda”, deixar os estudos mais cedo para “ajudar” na renda de casa. Ser valorizada apenas como a mulata “paixão nacional”, boa de cama. Mas, pode significar aquelas que negam tudo isso mostrando que estamos cansadas de sermos vendidas e não aceitamos mais nenhum tipo de discriminação. Que somos negras e não queremos que “amenizem” nos chamando de moreninha, mulata etc. Não negamos nossa história e sabemos de onde viemos.

12. Você já passou por algum tipo de discriminação por ser jovem, mulher ou negra?
Pelas três, juntas e separadas. Uma cotidina é o assédio sexual nas ruas. Uma das que mais me marcou foi quando me confudiram com “pivete” no supermercado, eu parei na fila e uma “cliente” agarrou sua filha com medo de mim, e a caixa não quis me atender porque achou que não tinha dinheiro.

13. Você acha que o preconceito diminuiu, ou mudou?
Desde que eu nasci acho que não. Talvez hoje em dia as pessoas pensem antes de discriminar, por exemplo, as pessoas não contam mais piadas de negras (os) como antigamente, mas não significa que haja menos preconceito porque eu continuo escutando de muitas famílias que a menina negra deve casar com branco pra clarear a família, ou que as(os) negras(os) são mais quentes e transam melhor que as(os) brancas(os), e continuo vendo a maioria das mulheres negras esticando e alisando seus cabelos porque dizem que ele feio.

14. Para você qual o pior reflexo do preconceito?
A exclusão social. O preconceito nos coloca a margem dos direitos que dizem, e teoricamente, são garantidos a todas as pessoas. O preconceito nos faz pensar que realmente não somos capazes e menos ainda iguais. O preconceito acaba com nossa auto-estima e nos ensina a submissão, acaba com a esperança de viver a igualdade. Mas ainda bem que há aquelas pessoas que pensam diferente, não deixam de sonhar, e lutam cotidianamente pela transformação do sonho em realidade, uma sociedade igualitária.

Leia mais

Violência contra mulher

CAMTRA