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Educação sem teto à espera de diálogo

Reportagem publicada no Portal Ibase sobre a luta dos pré-vestibulares comunitários para continuarem funcionando nas dependências da rede municipal de ensino, após ação contrária da prefeitura do Rio.

Alfredo Boneff*

A bordo do seu ex-blog – do qual dispara factóides e comentários a respeito da fotogenia de candidatos(a) à presidência – o prefeito Cesar Maia talvez tenha pouco tempo para administrar a cidade do Rio de Janeiro. Porém, quando o faz, suas intervenções continuam a causar controvérsias. Uma de suas medidas mais recentes foi a decisão de proibir que as unidades da rede municipal de ensino continuem a abrigar cursos pré-vestibulares. No dia 22 de setembro, uma circular da Secretaria Municipal de Educação, enviada às Coordenadorias Regionais de Educação, comunicava oficialmente a interdição, que passará a vigorar em 2007.

A medida – amparada em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a partir de uma ação da prefeitura – torna inconstitucional a lei 3945/05. A legislação permitia a utilização de unidades da rede municipal de ensino por cursos pré-vestibulares comunitários. O resultado mais visível seria o desalojamento de cerca de 4.500 alunos(as) beneficiados(as) pelos cursos que funcionam em escolas municipais do Rio. Além dos números, o que chama atenção é o caráter unilateral da decisão. Enquanto deliberam sobre mobilizações de protesto e alternativas para a continuidade dos projetos, representantes dos pré-vestibulares exigem do alcaide, tão somente, uma explicação plausível diante de um posicionamento marcado pela obscuridade.

Preconceito ou desinformação?

Ao ser procurado pela reportagem de um jornal carioca de grande circulação, Cesar Maia justificou a medida por “questões sanitárias e de segurança”. De acordo com o prefeito, em determinadas unidades “alunos fizeram necessidades no chão, sujaram o banheiro das crianças, fumaram maconha”.

Um dos fundadores do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), em 1993, mestre em educação e doutorando em ciências sociais, Alexandre Nascimento, rebate tal argumentação. “As acusações são graves e levianas. Sempre é possível que haja um problema pontual, mas não se trata de um movimento de porcos ou drogados. Sempre mantivemos boas relações com as direções das escolas”, dispara.

Para ele, que atualmente integra o coletivo de coordenadores do PNVC e dá aulas de cultura e cidadania nos cursos, as motivações podem ser de outra ordem. “Não descarto motivações preconceituosas ou mesmo raciais. Mas, para não sermos levianos, pode ser que o prefeito esteja apenas mal informado.”

Vale ressaltar que a decisão do Tribunal de Justiça não impede sumariamente que a prefeitura ceda as unidades do município aos pré-vestibulares. Apenas determina que não há obrigatoriedade desta cessão. “Ceder ou não é uma prerrogativa da prefeitura. Mas o prefeito usou a decisão judicial e a transformou em decisão política. Existem motivações políticas dentro das próprias comunidades, vereadores que se sentem ameaçados. Já recebemos visitas de representantes políticos”, afirma Nascimento.

Integrantes do movimento – que beneficia cerca de 1.000 estudantes na região metropolitana do Rio de Janeiro e também Petrópolis – ainda analisam a possibilidade de uma manifestação, no dia 30 de setembro, em frente à residência oficial do prefeito. Mas a prioridade é o diálogo. No próximo dia 4 de outubro, uma comissão de representantes dos pré-vestibulares deverá ser recebida pela Secretaria Municipal de Educação. Um dos objetivos desse encontro seria a criação de um protocolo entre as escolas e os pré-vestibulares, estabelecendo direitos e obrigações.

Motivações políticas

Coordenador da ONG Educafro – que atua em cerca de 90 pré-vestibulares comunitários no estado do Rio –, Frei Davi Raimundo dos Santos, lamenta a medida. “É duro, após 15 anos de prática dos pré-vestibulares comunitários, no Rio e em todo o Brasil, que exista um prefeito que ainda não entendeu o verdadeiro auxílio que tais iniciativas prestam à prefeitura”.

De acordo com Frei Davi, as razões alegadas por Cesar Maia não refletem a decisão judicial. “Uma leitura rápida do despacho do juiz dá a entender que ele apenas apontou para a inconstitucionalidade de uma lei. Portanto, é preciso apresentar uma real justificativa aos cursinhos”. A Educafro pretende lançar hoje, dia 29, em seu jornal impresso e site, uma nota de repúdio à decisão tomada pela prefeitura do Rio.

Beneficiários(as) diretos(as) do projeto dos pré-vestibulares comunitários como Fabiana Oliveira também engrossam o coro dos protestos. Ex-aluna dos PVNCs e atualmente conselheira e professora dos cursos do movimento, ela detecta motivações políticas na proibição. “Este é um trabalho muito importante para as comunidades. Não apenas por causa do vestibular, mas pelo caráter de cidadania. Portanto, não interessa a determinados políticos a formação de pessoas que pensam”, diz.

Em busca de resposta

Na opinião de Athayde Motta, consultor do Ibase, a ação da prefeitura do Rio pode abrir um precedente perigoso no sentido da falta de diálogo entre o poder municipal e movimentos de base. Ele não descarta a possibilidade de preconceito, mas ressalta a necessidade de verificação do alcance da legislação. “Não sabemos se outras atividades também foram canceladas”, pondera.

Ainda assim, ele questiona a verticalidade da medida e defende a difusão de informações para que instituições diversas se mobilizem. Uma ferramenta importante nesta divulgação seria a campanha “Diálogos contra o racismo”, coordenada pelo Ibase e que reúne cerca de 40 organizações da sociedade civil com o objetivo de estimular debates e políticas públicas sobre a questão racial no Brasil. “A campanha pode amplificar a proibição e divulgar informações entre outros movimentos do Brasil. Queremos informar a todos os agentes da Rede Diálogos”, declara.

Talvez esta seja de fato a palavra-chave neste caso: diálogo. Enquanto se mobilizam e esperam da prefeitura algum tipo de retorno aos seus questionamentos, pessoas ligadas aos pré-vestibulares comunitários não escondem a indignação e a perplexidade. É o caso de Fabiana Oliveira, que cobra do prefeito uma clareza não demonstrada até agora. “São milhares de pessoas que têm a oportunidade de chegar à universidade. Isso é uma medida contra a educação em nosso país. Tudo o que queremos é uma resposta”.

Publicado em 29/9/2006.

*Jornalista, colunista do portal do Ibase.