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Cotas para escolas públicas em debate

As cotas para estudantes de escolas públicas nas universidades podem estar perto de se tornar realidade. Na última semana, a Comissão de Educação do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 546/2007, de autoria da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que determina a criação de reserva de 50% das vagas oferecidas em instituições federais de educação profissional e tecnológica para alunos egressos da rede pública. Em emenda oral, o senador Marconi Perillo (PSDB-GO) sugeriu que a determinação fosse estendida às universidades federais. Os senadores aprovaram por unanimidade

Como a aprovação na comissão tinha caráter terminativo, o texto do
projeto não precisou de votação no plenário do Senado. Foi enviado
direto para a Câmara dos Deputados, onde também será analisado. Lá,
outro projeto que prevê a criação de reserva de vagas em universidades
federais aguarda desde 2006 para ser votado. A falta de acordo entre os
líderes da Casa fez com que a iniciativa ficasse tanto tempo na gaveta.
O texto do Senado pode ser anexado à nova proposta e, assim, esta não
precisará percorrer todas as comissões da Câmara: só precisará passar
pelo plenário.

De qualquer jeito, a votação depende da vontade política dos deputados.
Na Câmara, já foram realizados inúmeros debates, inclusive com a
apresentação de resultados das universidades que adotam políticas de
ação afirmativa similares. O ministro da Educação, Fernando Haddad,
também participou de encontros com os parlamentares para expor sua
opinião sobre o projeto. Mas a polêmica parece estar bem longe do fim.
As divergências de opiniões sobre a decisão de reservar parte das vagas
mais disputadas nos vestibulares do país não se restringe aos
congressistas.


Insatisfação

Os dirigentes das instituições federais de ensino não demonstram
satisfação com o projeto. De acordo com as associações que os
representam, o problema não está em criar políticas de ações
afirmativas, mas sim na imposição da quantidade de vagas reservadas.
Para o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Amaro Lins, a
determinação fere a autonomia das universidades. “Reconhecemos a
importância de incluir as camadas excluídas, mas as instituições
deveriam escolher a melhor maneira de fazer isso”, enfatiza.

O reitor acredita que o melhor seria estimular as universidades a
adotarem ações afirmativas, sem impor modelos. “Há muitas práticas
sendo realizadas pelas instituições. Acho que o momento é adequado para
discutirmos os resultados obtidos por essas universidades”, defende.
Segundo ele, o tema será colocado em pauta na próxima reunião da
Andifes, que deve ocorrer em agosto. A intenção é convencer os
deputados a debaterem ainda mais o assunto.

O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) deverá
apoiar a Andifes. Para o presidente do Crub, Gilberto Garcia, o momento
é de definição. “É preciso acabar com a discussão e partir para
prática”, diz. Ele, que é reitor da Universidade São Francisco (SP),
acredita que, nas federais, já existem cotas não questionadas pela
sociedade. “A concorrência nos vestibulares das federais acaba
privilegiando apenas os que têm condições de pagar por uma preparação
diferenciada.”

Gilberto defende que a experiência das cotas seja adotada no país,
desde que tenha um prazo para terminar. Para ele, o projeto deve ser
aplicado em ciclos e sem a imposição de uma reserva única de vagas. O
melhor, segundo o reitor, seria definir uma faixa percentual e deixar
que cada instituição escolha um parâmetro.


Entenda o Projeto do Senado

No mínimo 50 das vagas de cada processo seletivo das instituições
federais de educação superior, profissional e tecnológica deverão ser
destinadas a estudantes egressos de escolas públicas

Essas vagas deverão ser preenchidas, por curso e por turno, por
autodeclarados negros e indígenas em proporção no mínimo igual à de
pretos, pardos e indígenas na população do estado onde está a
instituição, de acordo com o último censo do IBGE

As pessoas com deficiência terão direito de concorrer às vagas
reservadas, mesmo que não tenham cursado a educação básica em escolas
públicas


Pré-requisitos

Os candidatos às vagas da educação profissional deverão ter concluído
todo o ensino fundamental em escolas da rede pública. No caso de quem
quiser disputar uma vaga nas universidades federais, é preciso ter
concluído o ensino médio em colégios da rede

A aplicação da regra

A partir da aprovação do projeto, as instituições terão quatro anos
para implementar a reserva de vagas por completo. A cada ano, elas
terão de reservar, pelo menos, 25% das vagas para os estudantes de
escolas públicas


Acompanhamento

A lei determina que o Ministério da Educação acompanhe e avalie a
aplicação da lei. Ao contrário de outros projetos apresentados para
criação de cotas, o do Senado não fala em período de duração da lei. No
projeto sobre o mesmo tema que tramita na Câmara, o prazo é de 10 anos


Vitória para os estudantes

Para os alunos de escola pública, a aprovação do projeto no Senado já
uma vitória. “Essa era uma reivindicação antiga do movimento
estudantil. Consideramos a aprovação uma vitória. Vamos continuar
mobilizados e pressionar os deputados para que eles aprovem as cotas
também”, afirma a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE),
Lúcia Stumpf. Ela acredita que alguns parlamentares utilizarão a
previsão de reserva de cotas raciais proporcionais à população de cada
estado, contida no projeto do Senado, para tentar barrar a votação.


Lúcia discorda que a medida fira a autonomia das universidades. Para
ela, o poder de decisão das federais deve sempre estar abaixo dos
projetos do país. “As universidades têm autonomia pedagógica e
administrativa, mas devem estar subordinadas aos interesses do país.
Democratizar o acesso ao ensino superior é uma diretriz”, faz coro a
senadora Ideli Salvatti (PT-SC).

Os alunos de escola pública acreditam que a instituição de ensino
passará a ser mais valorizada depois da implementação do projeto. “As
escolas públicas não são valorizadas pela sociedade e esse novo sistema
de cotas contribuirá para que os alunos da rede recebam mais
qualificação”, aposta Nathália Soares, 17 anos. Ela e os colegas
Marilha dos Santos, 19, Igor Araújo, 17, Lorena Umbelina, 16, Thaís
Porfírio, 17, Arthur Augusto Freitas Nascimento, 17, encaram as cotas
como uma motivação a mais para estudar, mas defendem investimentos na
escola, acima de tudo. “Serão mais oportunidades para os alunos, mas é
preciso melhorar a qualidade de ensino”, opina Marilha.


Qualidade do ensino - Apenas criar o sistema de cotas para alunos de escolas públicas não é suficiente



A criação de cotas para estudantes de escolas públicas nas
universidades federais, se aprovada, não atingirá plenamente o objetivo
de inclusão social ao qual se propõe enquanto não houver investimentos
na educação básica. Os projetos de ações afirmativas são temporários.
Por isso, a qualidade do ensino nas escolas públicas precisa melhorar.
Algumas iniciativas, como a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação (Fundeb), serão importantes. Mas não bastam.

Funcionários do Ministério da Educação e da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República estão discutindo mudanças para
o ensino médio. Em dezembro do ano passado, uma comissão foi nomeada
pelos ministros Fernando Haddad, da Educação, e Mangabeira Unger, de
Assuntos Estratégicos, para propor soluções de reestruturação e
expansão dessa etapa da educação básica. No dia 25, o grupo precisa
entregar um relatório aos ministros. No documento, os técnicos sugerem
a criação de um movimento: o ensino médio nacional.

Carlos Artexes, coordenador-geral do ensino médio da Secretaria de
Educação Básica do MEC, explica que a medida não pretende unificar
todas as escolas, mas garantir que todas tenham um padrão mínimo de
qualidade em infra-estrutura, qualificação de professores e
investimento. O coordenador comenta que, hoje, o custo de um aluno do
ensino médio é de R$ 1 mil por ano. Com a criação do Fundeb, o valor
subirá para R$ 1,3 mil, em média. No entanto, ele considera a quantia
baixa. “Estamos propondo R$ 2 mil. Para se ter ensino de qualidade, é
preciso uma proposta educacional adequada, estrutura física,
professores formados e capacitados e dinheiro.”

A proposta do grupo também inclui a criação de modelos diferentes de
escolas de ensino médio. Elas seriam temáticas. Por exemplo, algumas
estariam integradas ao ensino profissional, outras à iniciação
científica e ainda às artes. “Queremos criar oportunidades de
identificação. Mas essas possibilidades ainda precisam de muito
debate”, afirma.

Outra idéia do grupo é criar um colégio especialmente para os jovens e
adultos que já passaram dos 18 anos de idade. Nesses estabelecimentos,
os alunos poderiam cursar tanto o ensino médio regular quanto a
educação para jovens e adultos. De acordo com Artexes, a medida
respeitaria melhor as necessidades desse público.

É importante destacar que as propostas ainda serão colocadas em debate
na sociedade e não serão feitas alterações nas diretrizes curriculares.
“Não haverá mudança por decreto. É preciso começar a abrir diálogo”,
diz o coordenador do ensino médio. Na opinião de Artexes, as escolas
devem ser valorizadas independentemente da gestão que possuem.


E eles, o que querem?

Apesar de tantas discussões sobre o ensino médio, os mais interessados
nas mudanças — os próprios alunos — são pouco ouvidos. Os jovens
reclamam que quem toma as decisões não conhece o que eles pensam.
Wagner Rony de Souza Amaral, 18 anos, Davi Xavier dos Reis, 17, Mayara
de Almeida, 18, e Raysa Martins, 17, criticam a falta de espaço na
sociedade para a discussão de temas de grande relevância ao país. “Nós
temos de ser ouvidos. A mudança final afetará a gente”, pondera Mayara.

Os quatro estudantes do Centro de Ensino Médio 10 de Ceilândia são
unânimes ao afirmar a necessidade de mudanças nas escolas públicas.
Para os jovens, a qualidade do ensino está aquém do desejado. Para
eles, faltam aulas práticas, equipamentos novos e formação continuada
para os professores. “As aulas são chatas e acabam desinteressando ao
aluno. Os professores deveriam diversificar as aulas, sair da sala,
fazer passeios”, comenta Davi.

Com a proposta de criar escolas diferenciadas, eles acreditam que os
alunos se interessariam mais pelos estudos. Eles gostariam de aprender
sobre profissões na escola, poder realizar cursos técnicos, se preparar
para o vestibular e se tornar cidadãos. “É preciso oferecer opções
variadas, mas sem perder a qualidade. Precisamos ser preparados para a
vida. Às vezes, temos a sensação de que o MEC só se preocupa com
números”, lamenta Wagner.


jovens preocupados com o trabalho


Uma pesquisa realizada em São Paulo pelo projeto jovens Agentes pelo
Direito à Educação (Jade), da organização Ação Educativa, mostra que,
apesar das múltiplas expectativas dos jovens em relação à escola, eles
estão muito preocupados com o mundo do trabalho. Quando entraram no
ensino médio, 43% dos entrevistados esperavam sair prontos para entrar
no mercado. Depois, os estudantes apontaram como maior anseio a
preparação para prestar o vestibular (25%).

Os dados da pesquisa deram origem a um relatório intitulado Que ensino
médio queremos?, divulgado em junho. Participaram da primeira fase 880
estudantes, que responderam questionários sobre a avaliação que fazem
da escola, dos professores e dos próprios alunos, e as expectativas e
os anseios em relação ao ensino médio. Depois, 177 pessoas, incluindo
professores e funcionários dos colégios, foram convidados a aprofundar
as discussões em grupos de diálogo.


Projetos de futuro

Ana Paula Corti, coordenadora da pesquisa, diz que a necessidade
apontada pelos jovens de aproximar a escola do mercado de trabalho
chamou a atenção dos pesquisadores. “Eles mostram que esse interesse
não se limita a realizar um curso profissionalizante. Na verdade, eles
precisam de uma orientação ampla para obter informações sobre o
mercado, as opções profissionais”, comenta. Na opinião dos estudantes,
a escola se dedica a preparar o jovem para o vestibular (confira o
quadro), mas isso não adianta muito quando a maior dificuldade deles é
traçar projetos para o futuro.

O curioso é que, quando perguntados sobre as prioridades que o ensino
médio deveria ter, eles apontaram a formação para a entrada na
universidade (43%). É importante compreender que, para os alunos, essa
também é uma garantia de futuro profissional melhor.

Dione Gleik Soares Rosa, 18 anos, Delano Pereira Silva, 19, Thiago
Moura da Silva, 19, Jordana Guimarães, 18, e Heloísa Nogueira, 18,
alunos do Centro de Ensino Médio Gisno, da Asa Norte, sentem
dificuldades em eleger uma prioridade para essa etapa. Thiago lembra
que, sem o diploma, conseguir qualquer emprego é difícil. Dione
acredita que o melhor seria focar o aprendizado na universidade. “Na
verdade, sem o ensino superior, a gente não arranja trabalho”, opina.

De modo geral, na pesquisa, os estudantes consideram a infra-estrutura
dos colégios regular. Há um grande descontentamento em relação às
condições dos equipamentos (33% a consideram ruim ou péssima), dos
laboratórios (36% afirmam que a situação deles é ruim ou péssima e 29%
contam que o espaço não existe na escola) e das atividades de
informática (14% dizem que há trabalhos na área e 40% avaliam o que
realizam como ruim ou péssimo).

Dione, Delano, Thiago, Jordana e Heloísa também reclamam da falta de
investimentos no colégio em que estudam. Eles contam que os
laboratórios de ciências estão empoeirados e inutilizados por causa da
falta de profissionais. “A falta de práticas desmotiva os alunos. Para
os professores também é ruim, porque eles não têm recursos para dar
aulas diferentes”, critica Jordana.