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Uma nova porta de entrada nas universidades federais

Por Jaqueline Deister

As universidades públicas começaram a se posicionar em relação ao vestibular unificado. A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) foi a primeira das instituições de ensino superior do Rio de Janeiro a optar pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como única forma de ingresso dos candidatos. No dia primeiro de maio foi a vez da Universidade Federal Fluminense (UFF) anunciar que adotará a prova do Enem em seu critério de avaliação a partir do ano de 2010

Assim que a proposta do vestibular unificado foi anunciada pelo Ministro da Educação Fernando Haddad, em 25 de março, a UFF foi uma das universidades federais que mais mostrou insegurança em substituir o vestibular tradicional pelo Enem. Em entrevista ao Observatório Jovem, o reitor da UFF, Roberto Salles, disse que a proposta seria muito boa e inovadora, porém tinha dúvidas a respeito de como seria o ranking de entrada dos alunos na instituição. Salles questionou também a disparidade regional que o novo método poderia causar, já que os alunos dos grandes centros urbanos poderiam se deslocar para cidades menores onde a procura é menor, tirando a vaga dos candidatos que tenham uma condição socioeconômica desfavorável.

No dia 29 de abril o Conselho de Ensino e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal Fluminense aprovou por unanimidade a aplicação do novo modelo de vestibular para a primeira fase, que tem caráter eliminatório, do processo seletivo de 2010. Foi com polêmica que o Conselho Universitário confirmou no dia seis de maio a decisão do CEP. A avaliação contará com duas provas com pesos iguais, sendo uma composta de 200 questões objetivas do novo Enem e outra pela prova de múltipla-escolha da UFF, contemplando grandes áreas de conhecimento.

 O coordenador do vestibular da UFF, professor Néliton Ventura explicou ao Observatório Jovem como será a inserção do Enem no vestibular: “A prova do Enem equivalerá a 50% da nota relativa a primeira fase do vestibular, os outros 50% restante, serão por conta da primeira etapa do vestibular da UFF que será um pouco modificada”, disse Ventura.

Receoso com a nova proposta do MEC, o Prof. Ventura destacou que esta foi a solução encontrada pelo Conselho Universitário de aderir a iniciativa do MEC sem desqualificar o nível das avaliações: “Não abrimos mão da segunda etapa do vestibular”, afirmou  Ventura, que questiona a pressa do MEC em implementar a proposta. O coordenador do vestibular ainda ressaltou que a UFF premiará com um bônus de 5% sobre a nota final, os estudantes da rede municipal e estadual de ensino, que alcançarem rendimento acima de 70% do novo Enem.

Universidade para todos

A democratização do acesso as Universidades públicas, a reformulação curricular do Ensino Médio e a mobilidade estudantil são apontadas pelo governo como justificativas para implementar o novo Enem como critério de seleção no vestibular.

O coordenador do Observatório Jovem e professor do Programa de pós-graduação em Educação da UFF, Paulo Carrano, destaca a importância de se aprofundar o debate e se buscar estratégias de democratização de acesso dos jovens brasileiros ao ensino superior público. Carrano lembra que mais de 12 milhões de jovens no Brasil não concluem o ensino médio e que apenas 16% ingressam no ensino superior.

O professor reconhece que as notas do Enem reproduzem a desigualdade na educação brasileira expressa nas melhores notas de algumas escolas privadas em relação a maioria das públicas. Carrano afirma que a competitividade do vestibular privilegia os candidatos da classe média que obtiveram uma melhor formação escolar. O coordenador do Observatório Jovem também salienta o fato da maioria dos jovens brasileiros terem dificuldades para prosseguir os estudos. “Os atrasos provocados por repetências em séries cursadas e abandonos do ano letivo são os maiores problemas na Educação do Brasil hoje”, destacou.

Segundo dados, da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD/IBGE) apresentados pelo Professor, 27% dos jovens de ensino fundamental não completam o segmento e os outros 27% ingressam no ensino médio, mas não o concluem. Carrano lamenta o fato das universidades terem tido tão pouco tempo para aprofundar o debate antes de tomarem uma posição definitiva. “O debate interno com envolvimento amplo da comunidade acadêmica teria sido salutar para que o conflito entre as diferentes posições se explicitasse”, ponderou.

Para Eduardo Peterle Nascimento, mestre em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP), não será possível notar uma mudança no quadro da Educação Superior de imediato. “No médio e longo prazo haverá uma ampliação das oportunidades de acesso das camadas populares, possibilitada pela melhora da qualidade do ensino público e do exame de acesso”, salientou o pesquisador. Eduardo acredita na eficiência do Enem atrelado diretamente ao PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e ao RCNs (Referencial Curricular Nacional).

A mudança que ocorrerá com o Enem, deixando de ser um meio para avaliar a qualidade do Ensino Médio no país para se tornar um concurso público gera expectativa nos educadores. Em entrevista exclusiva ao Observatório Jovem, Eduardo Peterle Nascimento disse que o Enem terá “utilidade mais concreta” para os alunos já que passará de um instrumento que monitora a qualidade da educação pública, para uma ferramenta de ingresso ao Ensino Superior. 

Eduardo Nascimento discorda do argumento dado por parte dos reitores relativo à disparidade regional. Para o pesquisador, os jovens de melhores condições econômicas buscam instituições e carreiras de prestígio e status localizadas nas metrópoles. “Essas instituições, normalmente, são mais concorridas e se localizam nos centros urbanos. Não vejo razões para esse quadro mudar devido ao complexo mercado de diplomas", afirmou Eduardo

Mas nem todos pensam assim. A professora da Faculdade de Educação da UFF, Angela Siqueira, não concorda que o novo sistema de avaliação possibilitará uma universidade mais democrática. A pesquisadora acredita que o ENEM virá como uma “falsa” solução para um problema que origina-se na desigualdade social. “Desvia-se o foco da prioridade real da educação no país, que deve transparecer num orçamento robusto, num comprometimento com as condições de ensino e de trabalho, em propiciar uma escola de qualidade e com muitas atividades e espaços educativos para os mais pobres”, salientou a professora em artigo intitulado: “Novo vestibular ou uma nova cortina de fumaça?”

Cursinhos pré-vestibulares

No município de Petrópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, o curso pré-vestibular do Centro Educacional Maurício Barroso (CEMB-MPB) é conhecido por obter um alto número de aprovações em universidades federais. No ano passado foram cerca de 300 alunos que prestaram vestibular, sendo que 70%  conseguiram ingressar no curso superior em uma instituição pública de ensino. A escola no ano passado obteve um aproveitamento razoável no Enem, com uma média geral de 58,23 pontos ficando cerca de nove pontos a frente da média nacional.

O professor e dono da rede de ensino, Francisco Maurício Barroso, tem tradição quando o assunto é vestibular. Maurício leciona em cursinhos há 50 anos. Foi um dos colaboradores para a fundação do vestibular Cesgranrio em 1971, cujo intuito era unificar todas as avaliações da região do Grande Rio em uma única prova produzida por uma mesma instituição. 

Maurício Barroso vê com otimismo a proposta do MEC, principalmente pelo ponto de vista do aluno pagar uma única inscrição no vestibular. “O desumano hoje é o número de provas que os candidatos têm que fazer e a quantidade de dinheiro que gastam com a inscrição. O vestibular dá lucro para as universidades, muitas temem aderir ao Enem e perder este retorno financeiro”, afirmou Maurício que foi auxiliar do educador Paulo Freire na Campanha Nacional pela Alfabetização no governo de João Goulart.

Porém, a idéia do vestibular unificado não é vista com tão bons olhos por alguns estudantes e pesquisadores.

A professora Angela Siqueira compara o modelo de prova da nova proposta do MEC ao critério de seleção utilizado nos Estados Unidos conhecido como conhecido por sua sigla: SAT (Scholastic Aptitud Test), cujo principio seria democratizar o acesso, mas, segundo a pesquisadora, transforma a educação em mercadoria. “A mobilidade estudantil nos EUA depende de recursos das famílias, como aqui também dependerá”, ressaltou a pesquisadora.

Angela vai ainda mais longe e diz que os cursinhos de pré-vestibular já estão se adaptando para se tornarem “cursinhos pré- Enem”. A professora relembra que o Brasil já obteve o vestibular unificado na década de 70 com a Fundação Cesgranrio e que o método não funcionou. “As universidades públicas, por pressão das privadas, acabaram criando a Fundação Cesgranrio, e o método gerou muitos alunos para as instituições privadas, já que os estudantes que não passavam nas públicas podiam entrar em segundo ou terceira opção nas privadas” destacou.

Para Francine Nascimento Quintão, 20, que almeja uma vaga no curso de Desenho Industrial em uma universidade federal, o estresse psicológico será muito maior: “Sou contra este modelo, pois será muito mais sacrificante. Prefiro a possibilidade de ter diferentes dias para fazer a prova”, afirmou a estudante.

Rafaela Barros Kneipp, 18, ainda não decidiu entre o curso de Engenharia Naval e Engenharia Química, a estudante só tem uma certeza: quer uma universidade federal. Rafaela vê a proposta com o mesmo receio de Francine, mas reconhece dois pontos positivos da nova forma de ingresso no ensino superior: - Gosto do fato de não precisar gastar tanto dinheiro com a inscrição e de saber a nota antes de escolher o curso.

No dia oito de maio o Ministro Fernando Haddad informou que o MEC anuncia até o fim do mês o nome de todas as universidades que adotarão o Enem como critério de ingresso. Segundo nota publicada no site do MEC, as instituições que utilizarem o exame como fase única de seleção deverão se manifestar até o dia 20 de maio, data estabelecida pelo Comitê de Governança. Vencido o prazo, será realizada uma reunião entre os reitores dessas universidades e o Comitê para o aperfeiçoamento das regras do Sistema de Seleção Unificada.

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