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Qual é a cara do Ensino Médio brasileiro? Entrevista com o professor Gaudêncio Frigotto

“Abordar o Ensino Médio, ou a educação em geral, é tentar entendê-lo do ponto de vista de como ele foi sendo produzido historicamente. E de fato o Brasil praticamente não tem Ensino Médio rigorosamente, em quantidade e em qualidade”, a análise é do professor Gaudêncio Frigotto.

Docente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), autor de livros e artigos sobre educação e reconhecido como um analista crítico do sistema educacional brasileiro, o professor Gaudêncio recebeu o EMdiálogo em sua casa para refletirmos sobre a “cara” do Ensino Médio no país. Confira aqui parte da entrevista publicada na íntegra no portal EMdiálogo

EMdiálogo - Que aspectos da nossa história nos levaram a esse tipo de Ensino Médio que temos hoje?

Gaudêncio Frigotto - O não atendimento em quantidade e qualidade do Ensino Médio vem de uma sociedade que viveu um longo período de colonização.  Fomos colônia dos franceses, holandeses,  ingleses e, finalmente, o domínio dos portugueses. É a sociedade ocidental, por outra parte,  que mais demorou em promover a libertação dos escravos, quase 400 anos. Isso deu um caldo cultural em que a classe dominante muito vagarosamente evoluiu até mesmo para ter um espírito capitalista. Por isso uma classe que não foi capaz de produzir e completar a revolução burguesa no Brasil. Preferiu associar-se de forma subordinada às burguesias dos centros hegemônicos do capitalismo.

 Aquela imagem de que o escravo era um animal que falava, está muito presente como um estigma escravocrata da  burguesia brasileira. Estigma que afeta o poder judiciário, os políticos,  a universidade e, sobretudo, a classe empresarial.  Agora o trabalhador é percebido como um animal que pensa ou, como queria Taylor em sua teoria da administração, um macaco domesticável.  A herança desta cultura se traduz na idéia de que o trabalhador precisa ser adestrado ou freqüentar apenas alguns anos de escolaridade. Daí, também, sermos hoje uma das sociedades que pior remuneram o trabalho assalariado. A classe dominante brasileira, até hoje, não se colocou sequer como problema a universalização real do ensino fundamental. Acesso a escola, por si é uma conquista, mas isso não significa acesso ao conhecimento e à cultura.

Por outro lado, na década de 1990 efetiva-se o desenlace da confrontação de projetos de desenvolvimento entre uma nação soberana ou um país de capitalismo dependente. O pêndulo, para usar a metáfora do sociólogo Otavio Ianni, se definiu e se afirmou por um capitalismo dependente de desenvolvimento desigual e combinado, onde a pouca escolaridade, o trabalho informal e o trabalho simples, ao contrário de serem empecilhos, são sua condição. Uma sociedade que na divisão internacional do trabalho dominam as atividades ligadas ao trabalho simples e poucos nichos de trabalho complexo.

O ensino de nível médio universal não se coloca, pois, como problema para este tipo de sociedade. Daí o descalabro quantitativo e qualitativo e os reiterados espasmos de mudanças, novas propostas e novos projetos para o Ensino Médio.

Houve uma reunião no Ministério da Educação no início de 2008 para debater a crise do Ensino Médio alardeada pelo pesquisador José Pastore da USP. Ele usou a expressão “apagão educacional”, que foi seguida pelo vozerio, de cunho moralista do dever ser, de políticos e empresários. Nessa reunião, causaram certo espanto três indicadores custo/aluno que assinalei para mostrar que o nível médio para ter qualidade, se a sociedade brasileira o quiser, é caro.

O primeiro foi retirado de uma pesquisa patrocinada pela Inter-American Dialogue e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento cujo relatório tem o título de Futuro em Risco e trata da crise da educação na América Latina. Neste relatório assinalam que o valor a investir-se para o Ensino Fundamental e Médio, para atingir os patamares dos países desenvolvidos, é de 4.170 dólares, aproximadamente 8.500 reais à época aluno/ano.  A surpresa e espanto vêm da seguinte constatação: tanto se propala a ideia linear e economicista de que a educação básica é a galinha dos ovos de ouro para o desenvolvimento, por que o Estado brasileiro apenas investe, mesmo agora com o FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), cinco vezes menos por aluno/ano do que o indicador acima?

Os dois outros indicadores, para não sair do nosso contexto, os tomei da representante das mantenedoras do Ensino Médio privado e dos demais presentes na reunião aproximadamente 20 pessoas. Eram dois ministros, diretores, coordenadores e técnicos do MEC ligados ao tema, e ainda alguns pesquisadores convidados. Da representante das escolas privadas retirei o dado do valor das 12 mensalidades da escola da qual era dona, por ela definida de boa qualidade. A média de mensalidade era de 750 reais. Isto vezes 12 temos um custo contábil aluno/ano de 9 mil reais. Por fim, a maior parte dos presentes educou seus filhos em escolas de ensino básico privado. Considerando-se o pagamento para o efetivo aprendizado de uma segunda língua em cursos especializados, já que mesmo as escolas privadas consideradas de bom nível não dão conta para isso, o custo médio aluno/ano é de mais de 10 mil reais.

A Reforma do Ensino Médio delineada pelo Decreto Lei 2.2008/96 do Governo Fernando Henrique Cardoso e de seu ministro Paulo Renato de Souza se baseava na ideia de que o Ensino da Rede de Centros Federais de Educação Tecnológica era caro. O seu custo contábil não chegava a 6 mil reais. Não por acaso foi aquele governo que protagonizou a reforma e desmonte do Estado e ampliou a privatização e a deteriorização da educação pública. Também, não por acaso, ambos são intelectuais que reforçam o atraso da burguesia brasileira.

EMdiálogo - O senhor vê um esforço do Ministério para ampliar o Ensino Médio na quantidade, qualidade ou ambos?

Gaudêncio Frigotto - Eu acho que o atual governo, com o Decreto 5154/04 sinalizou a possibilidade de mudanças, mas nem o governo e nem a sociedade se mobilizaram para inverter de fato o que se plantou nos anos duros de ideologia e política neoconservadora.  É inegável o esforço do governo de ampliar o Ensino Médio, especialmente técnico em todo o Brasil.  Houve a tentativa de com prometer o Sistema S para transformar uma fatia substantiva dos mais de seis bilhões de fundo público que administra privadamente em bolsas.  Mas as forças conservadoras empresariais e outras, dominantes no congresso, no presente e no passado, vetaram um avanço significativo. Negociaram uma parcela de boa vontade em forma de bolsas e que notícias da imprensa mostram que esta medida não vem sendo cumprida. Mas o que cabe sublinhar é que se sinaliza um avanço quantitativo no Ensino Médio e o mesmo avanço não é efetivado na direção de se superar a dualidade e a fragmentação.

Como assinalei, no ensino público a ênfase é das escolas técnicas profissionalizantes. O próprio MEC mantém na sua estrutura a dualidade. Uma Secretaria de Educação Tecnológica e outra do Ensino Médio tradicional, reforçando a dicotomia falsa do técnico e acadêmico, geral e específico. A idéia do Ensino Médio integrado, como um tempo de travessia, para um Ensino Médio unitário evaporou-se.

Veja a entrevista completa no portal EMdiálogo