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Pesquisadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Alessandra Teixeira fala sobre da criminalização das manifestações anti-copa para o Instituto Pólis

Há menos de uma semana da abertura dos jogos da Copa do Mundo nos perguntamos se veremos as mesmas imagens da Copa das Confederações. As manifestação irão acontecer, mas será que o governo e a polícia estão mais preparados? Para continuar esse debate publicamos nesse "De olho na Mídia" uma entrevista sobre o tema. O Instituto Pólis entrevistou a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Alessandra Teixeira falando sobre da criminalização das manifestações anti-copa. o tratamento dado aos manifestantes e a cobertura midiática dos protestos. 

 

O Pólis entrevistou Alessandra Teixeira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), sobre as manifestações anticopa, o tratamento dado aos manifestantes e a cobertura midíatica sobre os protestos.

Pólis - O que você acha do tratamento dado aos manifestantes pela mídia e a sociedade em geral?

Alessandra: No Brasil há uma histórica forma de conferir tratamento policial às questões sociais, convertendo-as em questões criminais. A novidade, neste caso, é o fato de que tais manifestações têm conseguido adesão de um público não tradicionalmente de excluídos, o que tem complexificado um pouco mais seu tratamento pelas mídias, pelas elites e pelos governos. Contudo, tem prevalecido ao longo das últimas manifestações o tradicional tratamento truculento conferido pelos órgãos de segurança e a oposição mais clara da mídia.

O que a senhora acha do projeto do senador Jorge Viana, que obriga que todos os órgãos sejam avisados com 48 horas de antecedência sobre manifestações e que pretende tipificar o terrorismo? Quais são as consequências para os manifestantes e para a sociedade brasileira?

Alessandra: O referido projeto do senador Jorge Viana se insere entre tantos outros na nossa experiência legislativa contemporânea, que buscam através da criação de novos tipos penais, no agravamento de penas e regimes, dar respostas performáticas à população, recorrendo ao caráter simbólico do direito penal, mas cujo feito prático quando ocorre, é desastroso. Nesse caso porque, em uma democracia consolidada, em pleno século 21, atribuir caráter de crime, e pior, de um crime hediondo, às manifestações populares não é apenas um contrassenso, mas traz explícitas outras mensagens.
A criação e mobilização de tipos penais como o "terrorismo", assim como já ocorreu com o "crime organizado", tem se revelado, em diversos outros países, como poderosos instrumentos para retirar de circulação os "inimigos" do momento, à margem de procedimentos jurídicos e garantias legais. Desse modo, a própria ideia cara ao direito penal moderno, de responsabilidade subjetiva [a individualização de condutas e a atribuição da devida culpabilidade aos réus] é subvertida em nome de urgências, de uma noção particular de ordem pública.

O que a senhora acha da criação de uma tropa de choque de 10 mil homens e dos gastos de R$1,9 bilhão para os protestos na Copa?

Alessandra: Em relação às manifestações, é preciso entender que estão garantidas por um arcabouço jurídico (constitucional), mas que obviamente não confere o direito aos manifestantes de praticar crimes como o dano ou a lesão corporal. No entanto, a repressão que se dirige não é à indivíduos ou condutas tomadas individualmente, mas sim a partir do emprego de uma violência generalizada dirigida aos manifestantes indiscriminadamente. A abordagem é militarista no pior sentido do termo, e as técnicas e métodos utilizados são aqueles historicamente mobilizados pelas forças de ordem para reprimir protestos políticos.
É nesse sentido que podemos entender a criação de uma 'tropa de choque' com a decisão recente do governo federal de mobilizar as Forças Armadas para reprimir os protestos, para garantir a realização dos jogos. A abordagem dessas intervenções não é civil, não está nos protocolos do Estado de Direito, mas sim se inscreve nos regimes da urgência e da exceção, alegando um suposto interesse público mas que se descortina a cada dia como sendo regido por interesses econômicos de grandes grupos privados, com o apoio das grandes mídias e, lamentavelmente, do poder público.

O tratamento que a imprensa tem dado para os protestos tem esvaziado questões de ordem política?

Alessandra: O papel da imprensa ou das mídias de modo geral, muito já se disse, é de uma certa esquizofrenia. Extremamente comprometida com os interesses econômicos para a realização da Copa bem como historicamente apoiadora do tratamento repressivo militarista, contudo, ela se encontra numa situação incômoda quando diversos jornalistas de veículos importantes foram vítimas da violência policial, como em junho. Já a morte do cinegrafista há poucas semanas, revolve esse impasse, pois é atribuída aos manifestantes e, mais ainda, há uma construção política e midiática que atribui especificamente a responsabilidade pela tragédia aos partidos de esquerda, alvos preferenciais dessas mídias.

Uma estratégia ainda não descartada pelo governo brasileiro é a criação de “tribunais especiais” para julgar e punir supostos delitos relacionados ao torneio. O que você acha sobre esse tipo de recurso?

Alessandra: Sua criação se insere em estritos termos em toda essa lógica que descrevi acima; são mais um expediente a operar o regime da exceção, com a supressão de garantias, a perspectiva da urgência, etc... Esse recurso tem sido utilizado em outros países que vivenciaram os grandes eventos esportivos ao longo dos últimos anos; eu acrescentaria também as remoções, diretas e indiretas, intervenções urbanas desastrosas, entre outros. O que eu queria destacar, é que no Brasil o que parece se revestir de uma especificidade não é a pobreza e a desigualdade, mas a experiência histórica da violência institucional traduzida nesse militarismo doméstico odioso. Assim, há uma espécie de acumulação do fenômeno, ou seja, essas táticas novas ingressam na experiência nacional e encontram aqui uma tradição já enraizada, então essa combinação do velho com o novo é ainda mais explosiva, tendendo a gerar ainda mais violência institucional, mas também, quem sabe, maior resistência.