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Nossa realidade

Marco Aurélio BarbosaMarco Aurélio da Silva Barbosa, arte educador da ONG Se Essa Rua Fosse Minha, fala sobre as reais condições da juventude brasileira. "Falta à sociedade tratar essas pessoas como verdadeiros seres humanos, que precisam muito mais do que um prato de comida, que precisam ser valorizados e respeitados"

Viemos da antiga e dura realidade que, infelizmente, até hoje é a do Brasil. A realidade do desemprego, da violência, da discriminação e de outros fatores que impedem os brasileiros de viver em paz, em liberdade e tranqüilos.

A maioria dos jovens esbarra com uma grande dificuldade: conseguir fazer suas economias honestamente. Às vezes, vêem os furtos, o tráfico de drogas e outras coisas ilegais como solução. As autoridades discordam dessas ações e prendem, não só os fora da lei como também os jovens e os pais de família que caem nesta tentação...

Mas... Será que é só isso que eles vêem como solução?! Prender pessoas como se fossem animais de zoológico?! O pior é que os detentos não têm um trabalho de reintegração e saem das prisões, muitas vezes, piores do que quando entraram. A dificuldade de arrumar um trabalho aumenta pelo simples fato de ser um ex-presidiário. Isso logo se transforma em uma marca para esse sujeito. Dificilmente ele arruma um trabalho, então retorna à criminalidade. Nesse meio tempo,  a polícia acaba tirando a sua vida. Na minha visão não é isso que irá mudar essa realidade... Agora querem até liberar uma lei que diminua a idade penal... Um verdadeiro absurdo! Falta à sociedade tratar essas pessoas como verdadeiros seres humanos, que precisam muito mais do que um prato de comida, que precisam ser valorizados e respeitados.

Eu faço parte de um coletivo. Vejo que individualmente viemos de lugares diferentes, mas vivemos a mesma realidade. Hoje nós lutamos contra essas desigualdades e percebemos que não precisamos de arma de fogo para vencer essa “guerra”. Temos a arte do circo e o Se Essa Rua (ONG) como base de treinamento. Através da arte nos locomovemos pelo Rio de Janeiro e pelo exterior, não levando apenas o circo, mas a alegria e a esperança de um mundo melhor para todos. Recebemos um convite para um show em uma casa de custódia (Instituto João Luiz Alves). Chegando lá, vimos no mínimo quatrocentos jovens, alguns até conhecidos nossos.

Foi muito triste ver tantos jovens como nós em condições tão diferentes das nossas. Antes de começarmos o espetáculo, alguns jovens me pediram para participar da apresentação. Eu conversei com diretor da casa de custodia para ver se ele podia liberar alguns jovens para participar do show em algumas cenas, a idéia foi aprovada. Quando começamos o espetáculo aconteceu algo muito emocionante! Vimos que havia muitos jovens talentosos, que, rapidamente, entraram em cena sem o mínimo de vergonha e por alguns minutos deixaram de ser presidiários e se tornaram artistas circenses.

Foi o suficiente para tirar lágrimas de muitas pessoas da platéia! Vimos no olhar dos jovens a alegria de ter a oportunidade de mostrar a todos seus talentos e suas qualidades. Muitas destas qualidades nunca haviam sido vistas.

Terminamos o espetáculo em meio a muito choro, mas as lágrimas foram de alegria, de vitória, da esperança de um dia, quem sabe, ter a oportunidade de fazer seu próprio espetáculo. Para mim foi uma das melhores apresentações que fizemos, pois tive um enorme aprendizado, principalmente sobre o valor que tem a nossa liberdade. Lá foi mais um lugar no qual tivemos a oportunidade de dizer para as pessoas que, juntos, podemos construir um mundo diferente. Não podemos achar que isso é problema dos outros; é nossa obrigação, quanto seres humanos, estarmos a todo tempo nos cobrando para que possamos sempre contribuir para essa mudança.

Eu acredito muito no trabalho que faço (que é o circo social) e a cada dia eu penso, crio ou discuto com outras pessoas elementos que façam com que este seja sempre real, não só nas nossas vidas, mas nas vidas de todos que passarem por nós.

A partir desses momentos comecei a pensar, com meus amigos, em como transformar em realidade o desejo que várias crianças das comunidades têm em participar desse universo maravilhoso do circo. Então, começamos a transformar nossos sonhos em projetos e buscamos parceiros para transformar esses projetos em realidade.