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Juventude e ação política

Para o consultor em políticas de juventude José Miguel Abad, a participação dos jovens não depende só de vontade e oportunidade, mas da posição deles na estrutura social e na relação com as "velhas gerações"

A forma como as sociedades incorporam as novas gerações tem a ver, também, com as relações de poder entre gerações adultas e jovens: a participação juvenil não resulta somente de um encontro feliz entre a vontade de participar dos jovens (o que nos remete às suas percepções individuais sobre custos e benefícios) e as oportunidades que lhes são abertas para fazê-lo, mas também de um complexo sistema de hábitos, regras, regulamentos, instituições e práticas destinadas a negociar os conflitos da reprodução das gerações.

Isso nos remete a um aspecto fundamental da participação da juventude: a sua relação com a mudança social. A cultura muda quando muda o sujeito que é construído nela. Portanto, é relevante analisar a dimensão subjetiva da participação do jovem relacionando-a à questão das gerações.

Um presente de grego
Assim como a infância parece ser definida pelo futuro, a idade adulta pelo presente e a velhice pelo passado, as idades sociais da adolescência e da juventude se confundem na tensão entre o que se deixa de ser e o que ainda não se chegou a ser. Este caráter liminar é acentuado pela ambigüidade da moratória social que caracteriza a fase juvenil, que consiste no adiamento das “responsabilidades adultas” com a condição de adquirir habilidade para “ganhar a vida” e livrar-se da dependência das instituições de amparo na infância – a família e a escola.

A ambigüidade de que falamos se evidencia em dois casos que cobrem a grande maioria da juventude: temos, por um lado, os jovens que são forçados a procurar trabalho, intercalando empregos de baixa qualidade com períodos, cada vez mais abundantes, de desocupação. A moratória juvenil, para eles, é um tempo vazio, não legitimado nem valorizado socialmente, de impotência, raiva e estigmatização, que muitas vezes os empurra para a marginalidade; no outro, os jovens da classe média, que, embora ainda possam adiar o ingresso no mercado de trabalho, têm sua moratória transformada em uma espera mortificada, devido à ausência de um destino economicamente garantido.

Tanto para uns como para outros, a moratória juvenil é um “presente de grego”. Na medida em que “curtem” a opção de não serem “obrigados” a participar do mercado de trabalho por suas atribuições sociais, os jovens devem também aceitar um “encaixe” marginal e de substituição na força de trabalho. É uma situação que diminui suas oportunidades de participação política e de lutar para melhorar as suas condições de vida, o que leva à debilidade de sua posição para ter uma estratégia de ação política perante as “velhas gerações” e outros grupos sociais de interesse.

Formas próprias
A especificidade da participação dos jovens é determinada pela posição deles na estrutura social e na sua relação com as gerações adultas. Inseridos em uma e submetidos à outra, a sua participação adota canais de expressão, formas de ação e objetivos próprios que se ajustam à precariedade de suas bases materiais para desenvolver uma posição autônoma, às suas limitações para atuar organicamente, e ao caráter dependente, suplementar e periférico de sua posição social.

De fato, a participação da juventude tende a se incorporar a um ou outro projeto político – conservador ou progressista –, segundo o signo da mudança social. De todo modo, geralmente é bastante fácil aproveitar a sua debilidade corporativa para falar em nome deles, além de ser “politicamente correto” usar a pegada jovem no sentido capitalista-mercantil de tudo o que representa a “mudança”, a “novidade” e o “diferente”, mesmo se referindo às propostas mais reacionárias.

Vem daí que a participação dos jovens esteja forçosamente confinada – em situações “normais” – à interação solidária de um pequeno grupo juvenil e à atuação em guetos de consumo, idealizando uma certa virtude comunitária que os convoca a se organizar, mobilizar e exibir publicamente como “jovens”.

Deste modo, a participação juvenil circula ao redor do reduzido espaço dos “objetivos” e das “atividades” dos projetos institucionais, com um enfoque psíquico-social mais do que político, dirigido a “solucionar” os problemas mais imediatos e próximos, e não à análise crítica das relações sociais que determinam o alcance e o conteúdo desta participação.

Ruptura de gerações
Mas a participação dos jovens pode ser entendida além das determinações estruturalistas e das “escolhas racionais” dos líderes juvenis? O que ocorre quando a dinâmica da transição definida pela relação de forças entre as gerações é alterada? Nessas circunstâncias, as novas gerações devem provocar rupturas com os valores e estilos de vida das gerações anteriores, ou sucumbir a elas.

Nessa medida, a participação do jovem adota um caráter auto-educativo, e ele é forçado a tomar em suas próprias mãos a transição de sua geração para poder ocupar o lugar da geração anterior – sem que isso represente forçosamente uma mudança nas instituições político-jurídicas nem nas relações econômicas da sociedade. E é essa “falha” na reprodução das gerações que produz, paradoxalmente, a transformação do sujeito “educado” em “educador”.

* José Miguel Abad é psicólogo, especialista em Economia do Trabalho. Argentino, é consultor em políticas públicas de juventude em vários países da América Latina, e autor de artigos e livros sobre o tema.

Publicado no Onda Jovem, edição nº 05, julho 2006