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Formas e conteúdos da participação de jovens na vida pública

Revista Proposta - Fase. Juventude: a arte do poder;  jan/mar de 2008 - Ano 32 - n. 115Os jovens, ao contrário do que insinua o senso comum, não são desinteressados da participação na vida pública. O que é fato, contudo, diagnosticado por diferentes investigações no Brasil e em outros países, são as mutações nas formas e conteúdos da participação motivadas pelas novas configurações sociais que interferem nas motivações e condições objetivas que favorecem ou inibem processos de participação

Os jovens, evidentemente não todos, mantêm a motivação para a participação, porém, é um número reduzido que se encontra disposto a fazê-lo em espaços tradicionais e institucionalizados e também em torno de propostas cujos significados não dialogam com as contemporâneas condições de vivência do tempo da juventude. Um dos traços característicos da vida juvenil, hoje, vem a ser o maior campo de autonomia que os jovens possuem frente aos adultos e às instituições, e a capacidade que diferentes coletivos de jovens têm demonstrado na invenção de novos espaços-tempos de participação.

Pesquisas recentes (Instituto Cidadania, 2003; Ação Educativa, 2003; IBASE/POLIS, 2004; Santos Junior, 2004; UNESCO, 2005) apontam que a participação dos jovens em entidades, associações e agremiações é de baixa intensidade e acompanha tendência participativa do conjunto da população brasileira. O Perfil da Juventude Brasileira (2003) aponta que, dos jovens entrevistados, apenas 15% participa de algum tipo de grupo juvenil. Quase metade desses jovens participa de grupos culturais, 4% deles de grupos religiosos e a participação em partidos políticos não chegou a ser diferenciada em números relativos, ficando agregada à categoria “outros”.

Em 2003, pesquisa de opinião encomendada pelo Observatório da Educação da ONG Ação Educativa procurou conhecer a participação dos cidadãos brasileiros nas instâncias e mecanismos de elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Chamou atenção o fato da maioria dos entrevistados (56%) não desejar participar das práticas capazes de influenciar nas políticas públicas. Daqueles que desejam participar, destacam-se os jovens mais escolarizados e as pessoas de maior renda. Um número expressivo de pessoas revelou desmotivação em participar por falta de informação (35%); neste grupo a maior incidência é dos mais jovens, entre 16 e 24 anos, os menos escolarizados e os de menor renda.

Santos Junior (2004), analisando a participação sociopolítica nas regiões metropolitanas do país observou que apenas 3% dos jovens de 18 anos estão filiados a partidos políticos. Apesar de as pesquisas mostrarem uma tendência dos jovens à participação em novas formas de associação, menos institucionalizadas, tais como grupos culturais, esportivos, etc, o número absoluto de jovens filiados a partidos políticos ainda é expressivo.

Dados do TSE  apontam que entre novembro de 2005 e novembro de 2007 houve aumento de 0,28% no número total de filiados a partidos políticos no Brasil. No final de 2005, 90,53% dos eleitores brasileiros não estavam filiados a partidos políticos e no final de 2007 o índice caiu para 90,25%. Não são apresentados dados desagregados que informem sobre a evolução da filiação de jovens, mas informações do TSE divulgadas pelo TRE de Santa Catarina  a partir de dados enviados pelos partidos ao tribunal eleitoral dão conta que os jovens de 15 a 24 anos representam 4,52% dos filiados em partidos. Os jovens de 15 a 24 anos representam cerca de 20% da população brasileira ao passo que apenas 4,52% de jovens compõem a militância política nacional. Nota-se que esta faixa da população está sub-representada nos partidos políticos. Estes dados não indicam, entretanto, que tal participação seja pouco significativa para os partidos ou para os próprios jovens. A presença do conjunto da população nos partidos também é restrita, dado que apenas cerca de 10% da população votante do país é filiada. Torna-se interessante indagar quais os sentidos produzidos pelos jovens militantes que se filiam a partidos políticos, especialmente se considerarmos a tendência à maior participação em outros tipos de grupos e agremiações. 

A maioria dos jovens que participou da pesquisa nacional Juventude Brasileira e Democracia (IBASE/POLIS, 2005) revelou acreditar que a participação institucional em partidos políticos ou organizações similares é a forma mais eficaz para resolver os problemas do país, não apenas os ligados aos jovens. Entretanto, os partidos também foram percebidos como espaços pouco permeáveis à participação de jovens e onde eles sentem a maior possibilidade de haver manipulações e corrupção. Por outro lado, os jovens pesquisados afirmaram que se enxergariam mais facilmente engajados em formas menos institucionalizadas de participação ainda que percebam estas como meios menos eficazes de resolver os problemas sociais, culturais e políticos do Brasil se comparadas com formas mais institucionalizadas, tais como os partidos políticos.

Nesta mesma pesquisa, 28,1% dos participantes fazia parte de algum tipo de grupo, não necessariamente juvenil. Os grupos eram mais significativamente relacionados com as atividades religiosas (42,5%), esportivas (32,5%) e artísticas – música, dança e teatro (26,9%). A pesquisa confirmou o resultado de outros estudos que apontam que os grupos de orientação religiosa, esportiva e artística constituem o substrato do associativismo juvenil no Brasil de hoje. Na pesquisa, a participação político-partidária aparece como sendo pouco atrativa, em especial, para os jovens mais pobres e menos escolarizados. As atividades esportivas surgiram como o segundo grupo de atividades mais significativas, seguidas das relacionadas a manifestações artísticas, confirmando o destaque que as dimensões lúdica e expressiva assumem para a compreensão dos interesses que mobilizam jovens na constituição de suas identidades coletivas. Os grupos esportivos, por sua vez, são de predominância masculina – 46,2% de homens para 17,2% de mulheres, o que evidencia a desigualdade de gênero no que diz respeito ao direito à prática de esportes.

Ainda que os grupos relacionados com atividades artístico-culturais não sejam predominantes, cabe destacar que é em torno de suas manifestações individuais e coletivas que se configuram as mais marcantes representações sobre o ser jovem na contemporaneidade. São os jovens envolvidos com tais práticas que possuem maior visibilidade na esfera pública e que orientam a busca ou produção de sentidos simbólicos, estilos, identidades coletivas e atitudes sociais compartilhadas. Foram os grupos culturais juvenis, notadamente os grupos musicais formados por jovens negros e jovens negras, que deram visibilidade a graves problemas sociais vividos por moradores de espaços populares das cidades brasileiras.

Pesquisa da UNESCO – Juventudes brasileiras – (2004), realizada em âmbito nacional, aponta que 27,3% dos jovens entrevistados participa ou já participou de algum tipo de associação ou organização social. A análise dos dados revela que os mais escolarizados e pertencentes às classes superiores de renda são os que mais participam. Com relação ao grau de instrução verificou-se que apenas 17,3% dos jovens com escolaridade até a quarta série do ensino fundamental participa ao passo que o percentual chega a 39,8% entre os jovens com ensino superior. No que se refere à classe sócio-econômica tem-se que 32,1% de jovens das classes A/B participa de alguma associação e 24,7% das classes D/E faz o mesmo. Percebe-se, assim, que o elemento mais distintivo para a participação encontra-se relacionado aos maiores níveis de escolaridade.

As citadas investigações desvelam fenômenos sociais e políticos importantes e provocam a necessidade de novos estudos sobre a participação juvenil. Novos contextos, sentidos de mobilização e entraves materiais e simbólicos à participação nos cobram a ampliação e o aprofundamento das análises. Há emergência de diferentes coletivos de participação que se orientam para o simbólico, o cultural, o corpóreo e as demandas do cotidiano que re-configuram o campo da participação não se reduzem aos espaços clássicos de participação juvenil, notadamente os partidos e os movimentos estudantis. Há poucas evidências, contudo, de elaboração de pautas conflitivas que poderiam constituir movimentos sociais de base juvenil. Há também ampla maioria de jovens de todas as faixas de idade que se encontra às margens de qualquer tipo de envolvimento associativo ou processo de mobilização social.

Touraine (1993), preocupado com as condições de participação dos jovens marginalizados, pergunta como é possível garantir o fortalecimento da constituição dos jovens como sujeitos para que possam assumir-se como atores sociais; aponta que para esse desenvolvimento se completar é fundamental que o jovem possa processar a integração de sua experiência de vida e a sua vinculação com projetos pessoais referidos ao meio social: “incrementar nos jovens a capacidade de comportarem-se como atores sociais, isto é, de modificar seu entorno social para realizar projetos pessoais”. Isso passa pelo fortalecimento do indivíduo, isto é, pela chance de uma socialização satisfatória (pela educação, pela construção da auto-estima, pela possibilidade de espelhar-se em papéis na vida adulta futura etc.), assim como pelo fortalecimento da capacidade de ser ator de sua própria vida: de escolher, julgar, ter projetos e sustentar relações sociais com outros (sejam relações de cooperação, consenso ou conflitos). O objetivo é “fortalecer a capacidade de ação dos jovens, contribuir para seu desenvolvimento pessoal integrado, intensificar a integração de sua experiência e a vinculação desta a projetos”.

A atuação dos jovens na vida pública está relacionada tanto com as condições – materiais e simbólicas – que os indivíduos encontram para se fazer sujeitos quanto com as possibilidades e oportunidades de reconhecer o outro como elemento constitutivo da identidade e da ação coletiva.

Os dados das pesquisas nos permitem pensar sobre a participação dos jovens no espaço público e sua contribuição para a constituição da sociedade civil brasileira. Esta sociedade civil é esfera heterogênea que comporta tanto processos de construção de solidariedades que articulam projetos em comum como lugar onde se apresentam diferentes interesses que configuram espaços de disputa e conflitividade. De acordo com Costa (2002), para que a sociedade civil se consolide é preciso que haja a vigência de direitos civis básicos (liberdade de organização e expressão, por exemplo) e espaço público minimamente poroso para garantir sua vitalidade e poder de influência. O espaço público representa a arena privilegiada de atuação política dos atores sociais e de difusão de conteúdos simbólicos e das visões de mundo diferenciadas que alimentam as identidades dos atores.

Em nome do rigor analítico é preciso considerar que nem todos os jovens que se reúnem em grupos se constituem em atores coletivos capazes de exercer influência na esfera pública. Reguillo (2000) estabelece clara diferença entre grupos e coletivos juvenis, pensando nas diferentes maneiras de agregação e interação entre os jovens. De acordo com a pesquisadora mexicana o termo grupo faz referência à reunião de vários jovens que não pressupõe organicidade e cujo sentido é conferido pelas condições de espaço e tempo; o coletivo, por sua vez, se refere à reunião de vários jovens já com a exigência de certo grau de organicidade e cujo sentido está dado prioritariamente por um projeto ou atividade compartilhada (seus membros podem ou não compartilhar de uma mesma marca identitária); as identidades juvenis são um modo genérico de se identificar com determinado estilo (punks, roqueiros, góticos, etc) sem necessariamente compartilhar tempos e espaços de participação. Movimento juvenil supõe a presença de um conflito e um objeto social em disputa que convoca os atores juvenis ao espaço público, é de caráter tático e pode implicar a aliança de diversos coletivos ou grupos.

Nesta mesma perspectiva, Melucci (1999) irá dizer que um movimento social não é apenas um fenômeno empírico; ele é antes de tudo uma categoria de análise. Isso significa que é preciso empreender esforço analítico sobre aquilo que observamos na prática social. Desta forma, é insuficiente reconhecer que os jovens participam de grupos juvenis como substituição a formas clássicas de participação, tais como partidos, sindicatos ou organizações estudantis. Do ponto de vista da análise dos movimentos sociais preocupados com a juventude torna-se importante indagar pela existência das categorias centrais de poder e conflito. A ausência destas categorias na prática dos coletivos juvenis nos impossibilita de falar em movimento social. Isso porque nem toda mobilização social pode ser considerada antogonista e os atores sociais não são inerentemente conflitivos. Por vezes, nem mesmo um conflito pode representar uma dimensão antagônica aos poderes instituídos; ele pode se tratar tão somente de uma pressão para incorporar-se a um sistema de benefícios e regras do qual se está excluído. Um movimento social de caráter antagonista se caracteriza por uma ação coletiva portadora de um conflito que atinge a produção de recursos e símbolos da sociedade. A perda das referências do conflito (adversários e apostas em jogo) pode fazer com que um movimento se fragmente e se transforme em contracultura evasiva e marginal. Um movimento que não atualize suas formas e conteúdos de ação antagonista pode ser apropriado por outros poderes, como por exemplo, os de estado ou de mercado.

Desta forma, não deveríamos tentar compreender os movimentos sociais de juventude apenas pela identificação dos atores que estão em cena. Pelo contrário, é fundamental tentar primeiro perceber aquilo que está em jogo nos conflitos. Somente depois é possível identificar com alguma precisão os atores envolvidos.

Considerando estas distinções, a análise da participação juvenil ganha coerência quando é realizado o esforço de decodificar a natureza da ação dos grupos, suas motivações, interesses e formas de se organizar. Isso porque os atores coletivos não se constituem a priori mas no curso de suas ações.

Conclusão

Os jovens têm se envolvido muito mais em causas do que se filiado a instituições, esta é outra conclusão que podemos depreender das pesquisas sobre a participação juvenil. O envolvimento ocorre mais em torno de causas (ambientais, culturais, comunitárias, religiosas, de ação política etc) nas quais acreditam e cujos direcionamentos podem controlar de perto e verificar seus resultados imediatos do que em propostas que prometem dar frutos no longo prazo e que são realizadas com baixa margem de autonomia e controle das ações por parte dos próprios jovens. A participação institucionalizada exige uma rotina de atuação em torno de regras mais ou menos pré-definidas, que são estabelecidas por aqueles que detêm o poder de mando e decisão, em geral adultos.

Se por um lado é traço marcante das sociedades contemporâneas o maior grau de autonomia das gerações jovens frente aos adultos e isso também se manifesta nos espaços de participação política, por outro lado, a dificuldade dos jovens se reconhecerem participantes de projetos de longo prazo é expressão de uma resposta à velocidade do tempo contemporâneo globalizado, aos desafios impostos pela precarização da vida e ao pragmatismo imposto pela sociedade capitalista.

As pesquisas indicam que os sentidos que mais contribuem para a formação das coletividades juvenis encontram-se, principalmente, situados no plano da sociabilidade, da convivência cultural e da produção de símbolos que se vinculam fortemente ao corpóreo e ao sensível. 

Os coletivos juvenis criam suas próprias regras de deliberação e contribuem para que os sujeitos participantes construam suas próprias opiniões. Eles são importantes por permitir que jovens pratiquem a autonomia de pensamento e ação que, muitas vezes, não se pode praticar na presença de adultos, especialmente quando são estes que detêm as “regras do jogo” de poder das instituições. As esferas de associativismo juvenil podem ser espaços de formulação, crítica, criação de públicos reflexivos e enfrentamento de problemas.

É nesse sentido que se pode dizer que as práticas coletivas juvenis, mesmo quando estas não se constituem em movimentos sociais, são laboratórios da vida pública democrática. Entretanto, estas precisam ser experimentadas no jogo das diferenças que se processa através de múltiplas mediações entre solidariedades e conflitos que devem ser democraticamente mediados.

Referências bibliográficas

AÇÃO EDUCATIVA. Pesquisa de opinião sobre Controle Social. São Paulo: ONG Ação Educativa/IBOPE, 2003, disponível em: www.acaoeducativa.org.br
COSTA, Sérgio. As cores de Ercília: esfera pública, democracia, configurações nacionais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
IBASE/POLIS. Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas. Rio de Janeiro: Ibase/Pólis, Relatório Final de pesquisa, 2005, 103 p.
MELUCCI, Alberto. Acción colectiva, vida cotidiana y democracia. México: El Colegio de México, Centro de Estudos Sociológicos, 1999.
REGUILLO, Rossana. Emergencia de culturas juveniles: Estrategias del desencanto. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2000. 182 p.
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UNESCO. Juventudes Brasileiras (2004). Resultados de pesquisa publicados em Juventude, Juventudes: o que une e o que separa. ABRAMOVAY, Miriam e CASTRO, Mary (coord). Brasília: UNESCO, 2006.

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* Artigo publicado originalmente na Revista Proposta - Fase. Juventude: a arte do poder;  jan/mar de 2008 - Ano 32 - n. 115, pp 66-71. www.fase.org.br

** Doutoranda em Educação –  USP e Pesquisadora do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense

*** Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFF; Coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro da UFF.