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Comentário sobre a reportagem “Agente Jovem não funciona, diz pesquisa"

Geraldo Leão, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e pesquisador do Observatório da Juventude, ambos da UFMG, escreve para o Observatório Jovem comentando a síntese da avaliação nacional sobre o Programa Agente Jovem que foi objeto da reportagem “Agente Jovem não funciona, diz pesquisa” do jornal O Estado de São Paulo de 30/10/2007

Depois de comemorar o seu primeiro qüinqüênio o Programa Agente Jovem deve receber como positiva a iniciativa da sua avaliação realizada pelo Data-UFF. Como revelam os seus relatórios, ao articular abordagens quantitativas e qualitativas, há uma preocupação em aprofundar os dados coletados ouvindo os gestores, os profissionais envolvidos, as famílias e os jovens.

Temos presenciado recentemente, tanto no âmbito das universidades quanto dos governos, uma crescente preocupação em desenvolver pesquisas avaliativas dos programas sociais voltados aos jovens. Podemos dizer que esse fenômeno de certa forma era previsível. Tais pesquisas são os desdobramentos naturais da emergência e expansão de algumas iniciativas públicas de atendimento aos jovens que observamos mais timidamente a partir de meados dos anos 1990 e com mais força a partir dos anos 2000. A continuação de programas iniciados em outras gestões e uma maior preocupação com o seu aperfeiçoamento é sem dúvida uma atitude salutar tendo em vista a forma descontínua, improvisada e precária como tradicionalmente se constituem as políticas sociais no Brasil.

Seria importante analisar os dados da pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense – FEC/Data UFF -  sobre o Programa Agente Jovem com maior atenção, procurando captar o que ela nos ensina e evitando as conclusões precipitadas. No afã de dar respostas aos dados os gestores podem tomar decisões que supostamente reformulam os programas avaliados, mas que não passam de uma mera reprodução de ações já realizadas e igualmente problemáticas. Outro aspecto a se levar em consideração é que a mera (re) formulação de ações não garante a sua plena realização, tendo em vista o seu caráter processual e o fato de que as políticas públicas constituem-se em um campo de disputa no interior do Estado por verbas, equipamentos, concepções, etc.

O Agente Jovem é um programa sócio-educativo para jovens pobres. Tem como objetivo a “inclusão social” dos “jovens em situação de risco social”, principalmente por meio da elevação da escolaridade dos seus beneficiários. O programa assume como eixo metodológico prioritário o desenvolvimento de ações que promovam o “protagonismo juvenil”.

Os termos “inclusão social”, “jovens em situação de risco social” e “protagonismo juvenil” são utilizados entre aspas em vista da falta de consenso em torno deles. Eles revelam um olhar sobre os futuros beneficiários do programa e uma escolha política em torno da melhor alternativa para os problemas sociais que afetam a esses jovens. Desta forma, tanto a condução das ações dirigidas a eles, como a reação provocada pelas suas avaliações, seja no interior dos governos e na sociedade civil (a mídia aí incluída), revelam um modo de olhar a juventude contemporânea e seus problemas que não é isenta.

A pesquisa do Data-UFF

Gostaria de comentar alguns pontos contidos nos relatórios da pesquisa e ressaltados na reportagem do jornal O Estado de São Paulo de 30/10/2007. Não vou ater-me aos problemas de gestão do programa (precariedade, formação dos educadores, acompanhamento de egressos, desarticulação com outras ações, etc.) que remetem a problemas históricos das políticas sociais no Brasil. Essas são questões importantes e devem ser consideradas, mas no curto espaço deste artigo prefiro enfatizar outros aspectos que dizem respeito aos seus propósitos centrais.

Um primeiro aspecto reforça o que temos verificado em outras pesquisas sobre programas sócio-educativos para jovens: há, em geral, uma avaliação positiva do programa que permite ter contato com outros jovens, participar de atividades de lazer e cultura e ampliar o acesso a informações. Isso demonstra a importância da ação do Estado na promoção de programas públicos como esse, uma vez que as desigualdades econômicas e sociais interferem fortemente no acesso à cultura e ao lazer. É também positiva a orientação do programa quanto a promover a participação, embora isso ocorra de forma muito diferente entre os seus vários núcleos.

Por outro lado, assim como vários outros programas sociais para a juventude, o Agente Jovem torna-se de alcance limitado tendo em vista o curto tempo em que o jovem permanece a ele vinculado. Alguns municípios estenderam esse período para até três anos, o que é positivo. No entanto, mesmo nesse caso, a vinculação é interrompida compulsoriamente assim que os jovens completam 18 anos, sendo um presente de aniversário às avessas.

Talvez por isso, a grande demanda dos ex-beneficiários tenha sido a criação de mecanismos de profissionalização e inserção no mercado de trabalho de forma que pudessem construir gradativamente a sua desvinculação do programa. Por outro lado, tal constatação pode nos levar a acreditar em falsas soluções para a questão do desemprego e do trabalho precário entre os jovens. O caso do baixo impacto do Programa Primeiro Emprego, revelado nos números divulgados pelo próprio Ministério do Trabalho, nos obriga a desconfiar desse tipo proposta. As políticas de combate ao desemprego juvenil parecem reféns de políticas de desenvolvimento que tenham como foco a geração de trabalho decente.

A pesquisa do Data-UFF revela que os participantes do Agente Jovem são mais ativos na preparação para o trabalho e na busca por emprego. No entanto, não há diferenças significativas em relação ao trabalho sem carteira assinada entre jovens que participaram do Agente Jovem e aqueles que não foram beneficiários do programa. Além disso, constata-se a presença de trabalho informal e bicos entre as atividades dos jovens. Devemos continuar insistindo com programas que favorecem as condições de oferta da força de trabalho juvenil sem que na ponta da demanda essas condições sejam alteradas? Vamos insistir em fazer falsas promessas aos jovens?

Proposta controversa entre educadores e gestores, a demanda pela introdução da formação profissional no Agente Jovem é fruto da dificuldade dos jovens no Brasil para construírem um percurso seguro e em condições adequadas de transição para a vida profissional. Não contamos com políticas que articulem a formação geral no Ensino Médio, a formação profissional específica e o encaminhamento ao mercado de trabalho. Depois de uma trajetória escolar atribulada nossos jovens concluem o Ensino Médio e se vêem à porta do mercado de trabalho com poucas alternativas, a maior parte ocupada em trabalhos precários. Esta realidade é fruto da persistência das desigualdades sociais e educacionais no Brasil e sem dúvida não será alterada por um programa social isoladamente.

Outro ponto que devemos considerar no relatório refere-se à relação dos pais com o programa. Segundo os dados foi recorrente entre eles a insatisfação com a baixa participação das famílias na condução do programa. Considero esse aspecto muito importante, tendo em vista a importância da família na produção de disposições e valores que estimulem o desempenho dos filhos na escola e também nos programas sociais. Esse dado pode ser uma das justificativas para o Ministério do Desenvolvimento Social anunciar a reformulação do Agente Jovem vinculando-o ao Programa Bolsa Família. Cabe-nos perguntar se essa mera vinculação garante efetivamente a participação dos pais.

O impacto quanto à escolaridade

Sem dúvida, uma das grandes dificuldades do programa refere-se à escolarização dos jovens. É necessário reconhecer que o impacto escolar para os jovens nem sempre é fácil de ser medido. Alguns jovens manifestam que no plano individual melhoraram a relação com a escola, o que se refletiu no desempenho escolar. Mas, em geral, as pesquisas conseguem captar impressões genéricas dos beneficiários, dos seus familiares e professores sobre a experiência escolar sem que fique muito clara qual a interferência efetiva do programa na melhoria do desempenho escolar.

Como relata a pesquisa do Data-UFF, os índices são mais favoráveis quanto a aspectos subjetivos como a importância de estudar. Por outro lado, como projeto de vida a continuidade dos estudos não se diferenciava para os jovens que participaram do programa em relação aos jovens não-beneficiários.
É significativa a distância entre o programa e as escolas dos jovens. A integração entre as ações é um problema antigo no campo das políticas sociais no Brasil. Assim como outras pesquisas já revelaram, não há uma interação efetiva entre a instituição escolar e os projetos sociais nos quais nossos jovens estão inseridos.

Por outro lado seria ilusório imaginar que, criando programas sociais que funcionam nos finais de semana ou em contra-turno escolar, a interação entre os dois ambientes aconteça. As escolas têm uma imensa dificuldade para acompanhar e interagir com os projetos sociais porque não encontram suporte nas políticas educacionais que possibilite isso. Além da precariedade quanto ao funcionamento e às condições de trabalho dos profissionais da educação, a organização pedagógica da escola não foi pensada para se articular com outros espaços e tempos da comunidade.

O sucesso das crianças e jovens na escola é fruto da combinação de vários elementos que variam do capital social e cultural dos pais à construção de um sentido pelos estudantes para a sua trajetória escolar. É significativo que os ex-beneficiários do Agente Jovem não se diferenciem em relação aos outros jovens quanto a não pretender continuar os estudos. Parece que o programa foi eficiente ao exigir dos beneficiários a freqüência escolar, mas parece-me que falhou quanto a interferir positivamente na própria relação dos jovens com seus percursos educativos.

Os novos ventos do Programa Agente Jovem

Está em discussão avançada no âmbito do MDS a reformulação do Agente Jovem que passará a se denominar ProJovem Adolescente. A grande mudança do programa parece ser a sua vinculação ao Programa Bolsa Família, que passa a ser subordinado aos CRAS (Centro de Referência da Assistência Social). Segundo o novo desenho o programa seria realizado em dois anos, com uma carga horária de 600h/ano. Entre os conteúdos propostos surge como novidade a “Formação Técnica Geral” com 240 horas de inclusão digital. Com a reformulação em estudo no MDS a bolsa, que é baixíssima (65 reais) e nunca foi reajustada, passaria a ser de 30 reais por jovem, limitado a um número máximo de dois jovens por família.
Além das possíveis tensões que estas medidas poderão gerar entre jovens, educadores e técnicos, me parece que essas reformulações não têm capacidade para responder aos principais impasses do programa. Sabemos que o modo como o Agente Jovem é implantado e  o seu desempenho variam muito de acordo com o município e com a entidade executora. Quanto à formação profissional, por exemplo, o próprio ProJovem enfrenta grandes dificuldades pois não encontra nos municípios uma estrutura adequada para ofertar uma formação profissional de qualidade.

Outra questão é se a transferência de renda feita diretamente aos pais ou responsáveis vinculados ao Programa Bolsa Família surtirá efeitos positivos. Para os jovens esse recurso é muito importante, pois permite ter acesso a alguns bens de consumo juvenil, favorece a sociabilidade e estimula o aprendizado da autonomia financeira. Seria aconselhável a sua transferência aos pais privando os jovens de decidirem livremente como usarão esse recurso? Para o Estado sem dúvida é positivo, pois favorece a utilização racional dos recursos e induz a um compromisso dos pais com os objetivos do programa. Mas para os jovens pode significar a ampliação do espaço da tutela, em detrimento do estímulo à capacidade de ação autônoma dos jovens como sujeitos de direitos.

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Serviço do Observatório Jovem:

Acesse aqui a matéria do Jornal o Estado de São Paulo e as sínteses da avaliação nacional sobre o Programa Agente Jovem